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Adelto Gonçalves |
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Eduardo Mendoza lança 'A assombrosa viagem de
Pompônio Flato'
Adelto Gonçalves e Alvaro Costa e Silva |
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http://jbonline.terra.com.br/pextra/2010/05/14/e140513891.asp |
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RIO - Em 1975, três meses antes da morte do
generalíssimo Francisco Franco, a Espanha, entre satisfeita e perplexa,
descobria um romance que, por sua originalidade, contrastava com tudo o
que se escrevia no país à época. Chamava-se La verdad sobre el caso
Savolta, até hoje não traduzido no Brasil. E seu autor, Eduardo Mendoza,
passava a ocupar um lugar no altar reservado às promessas literárias.
Era o momento em que a literatura espanhola, sem medo de reconhecer a
influência dos grandes escritores do boom latino-americano, como Gabriel
García Márquez , Julio Cortázar e Mario Vargas Llosa, reciclava-se e
passava a apresentar um produto novo, diferente do que se fazia desde o
fim da Guerra Civil .
Trinta e cinco anos depois, Mendoza não é mais uma promessa. É um autor
consagrado. No total, já deu à luz 17 títulos, tendo vendido cerca de um
milhão e meio de exemplares. Só o recente A assombrosa viagem Pompônio
Flato, que o autor define como uma “novela de humor” ou “de avión”,
passou dos 500 mil exemplares. Como seus livros “vendem como churros” –
para repetir aqui uma típica frase mendozina – ele vive de direitos
autorais há três décadas, privilégio reservado a poucos, mesmo na
Espanha.
São números que comprovam uma ascensão digna – guardadas as devidas
distâncias – de Onofre Bouvila, personagem principal de A cidade dos
prodígios, que sai da miséria para se tornar um dos chamados próceres da
Barcelona modernista que, ao fim do século 19, inventava-se a si mesma
para se mostrar ao mundo como cidade cosmopolita.
Hoje, além de indiscutível ponto de referência na literatura espanhola,
Mendoza, mesmo a contragosto, é leitura obrigatória em programas
escolares. Seus romances El misterio de la cripta embrujada (1979) e El
laberinto de las aceitunas (1982), embora não alcancem a transcendência
de La verdad sobre el caso Savolta e A cidade dos prodígios (1986), são
igualmente renovadores na forma, embora, a exemplo de ambos, resgatem a
tradição picaresca e até uma esquecida fórmula cervantina – a de
utilizar como paródia uma linguagem anterior à de sua época.
Além de deixar evidente, a partir de seus próprios títulos, a influência
do gênero policial – mais especificamente, o romance negro americano –
seus livros resgatam não só a tradição do romance popular como a do
romance gótico, ficção romântica que dominou a literatura inglesa
durante o fim do século 18 e início do 19, geralmente ambientada em
cenário lúgubre e desolado, no qual se desenrolam enredos de mistério e
terror. Naquelas duas obras, é um detetive louco quem “escreve” os
livros, não no momento em que ocorrem as aventuras, mas na hora em que
são contadas.
Para tanto, Mendoza recupera um personagem bem espanhol, o pícaro, uma
espécie de Lazarillo de Tormes, romance de autor anônimo. O pícaro de
Mendoza repete um truque de Miguel de Cervantes que, por sua vez,
colocou Dom Quixote a falar um idioma que já não era o de seu tempo, mas
um castelhano primitivo, reconstruído com erros e tonterías, o que,
hoje, por causa da distância, é difícil de perceber. Assim, o detetive
louco de Mendoza escreve um espanhol de paródia, pois procura falar de
uma maneira elegante e culta, mas que soa ridícula porque já fora do seu
tempo.
Foi esse tipo de literatura descompromissada que tornou Mendoza popular
entre os jovens leitores, a ponto de suas noites de autógrafos
provocarem filas quilométricas. Desde então, ele investiu cada vez mais
nesse tipo de romance descontraído. É o caso de Sin notícias de Gurb,
extraterrestre que se perde na Barcelona pré-olímpica sem deixar
vínculos com seus companheiros e que, para sobreviver, adota a forma
humana, a da cantora Marta Sánchez. Só por aqui já se pode imaginar a
série de confusões em que se mete o alienígena.
Antes disso, Mendoza havia publicado, em 1989, La isla inaudita, romance
bem diferente dos demais. Repetiu a experiência em El año del dilúvio
(1992), em que confirma essa preocupação de se renovar, ao reconstituir
um episódio vivido nos anos 60 num povoado catalão entre um proprietário
rural e chefe político falangista e uma religiosa “cheia de dúvidas e
boas intenções”. Dos anos 90 é também Una comedia ligera (1996), em que
reproduz a vivência que teve no ambiente teatral, ao imaginar um famoso
comediógrafo, Carlos Prullàs, cujas peças começam a ficar fora de moda,
a viver as contrariedades de quem entra no outono da vida. É de lembrar
que desde 1990 Mendoza vive com a atriz Rosa Novell.
Já em La aventura del tocador de señoras (2001), o autor ressuscita o
detetive louco de El misterio de la cripta embrujada, tirando-o de um
manicômio para começar uma nova vida como cabeleireiro no moderno bairro
barcelonês de Raval, até que um crime o obriga a retomar a velha mania
das investigações improvisadas para escapar de uma acusação que o dava
como assassino. Ainda em 2001, Mendoza publicou Baroja, la contradicción,
ensaio biográfico em que procura entender o que representa Pio Baroja na
narrativa espanhola. E, em El último trayecto de Horacio Dos, volta a
exercitar a “novela de humor”, além de repetir o tema das viagens
espaciais.
Nascido em Barcelona, filho de um advogado e também advogado por
formação, Mendoza viveu 10 anos em Nova York (de 1972 a 1982), época em
que trabalhou como tradutor da ONU. Seis meses antes de retornar a
Barcelona, foi requisitado pelo primeiro-ministro Felipe González para
que o assistisse durante viagem que faria aos EUA para se encontrar com
o presidente Ronald Reagan. O que os dois líderes discutiram tête-à-tête
no Salão Oval da Casa Branca só se vai saber quando os arquivos daqueles
anos forem abertos ao público. Até porque o próprio tradutor/intérprete,
embora hoje afastado do ofício, faz questão de manter o sigilo
profissional.
Mas a verdade é que aqueles anos de incerteza para o mundo capitalista –
em que os regimes comunistas do Leste Europeu ainda pareciam propensos à
vida longa – acabaram por dar a Mendoza o tema de um novo romance,
Mauricio o las elecciones primarias (2006). É o que se pode ler em Mundo
Mendoza, excelente perfil biográfico escrito pelo jornalista Llàtzer
Moix.
Em 2007 Mendoza publicou Quién se acuerda de Armando Palacio Valdés em
que, à maneira de Jorge Luis Borges em Prólogos com um prólogo de
prólogos , reuniu as 24 apresentações que escreveu para os títulos que
escolheu para a coleção Maestros Modernos Hispánicos, da editora Circulo
de Lectores. Depois de A assombrosa viagem de Pompônio Flato, o autor
catalão já publicou Tres vidas de santos, em que reuniu relatos escritos
em momentos distintos e muito separados no tempo. Apesar do título, o
livro nada tem a ver com hagiografia ou a “vida dos santos” da Igreja. É
mais uma das bromas mendozinas.
Escreveu em catalão três obras de teatro: Restauració, que estreou em
1990 e ganhou tradução em castelhano (Restauración) em 1991; Greus
qüestions, colocada em cena em circuito alternativo em 2004; e Glòria,
que ainda não foi levada à cena. É ainda autor de dois livros sobre
cidades: < i>e Barcelona modernista , escrito em parceria com sua irmã
Cristina, historiadora, um livro-guia indispensável para quem quiser
conhecer a capital catalã do fim do século 19 e as invenções
arquitetônicas um tanto estranhas dos magos da art nouveau Antoní Gaudí
e Lluís Domènech i Montaner . |
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Nas águas portentosas de Pompônio
Por Alvaro Costa e Silva |
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Como bem sabe Pompônio Flato, de todas as maneiras de purificar o corpo
que o destino nos envia, a diarréia é a mais pertinaz e diligente. Ainda
mais se estamos no século 1 da nossa era, viajando pelos confins do
Império Romano em busca de águas de efeitos portentosos. A sorte (ou
falta dela) leva o personagem a Nazaré, onde está prestes a ser
crucificado um carpinteiro, cujo filho, um menino singular, pede-lhe
ajuda. Paródia tanto do romance histórico quanto do policial e da
hagiografia, A assombrosa viagem de Pompônio Flato (Planeta, 208
páginas, R$ 46) é mais uma prova do talento e da vitalidade de Eduardo
Mendoza, autor catalão que conversou com o Ideias sobre o humor na
literatura, Roma Antiga e os Jogos Olímpicos do Rio, em 2014.
Com A assombrosa viagem de Pompônio Flato, o senhor satiriza um tipo de
livro em moda atualmente, no qual qualquer pessoa pode se transformar em
detetive. Por que então não pôr logo o menino Jesus para investigar um
crime?
Foi o meu ponto de partida. E como sempre amei o mundo clássico –
Grécia, Roma, a Terra Santa – foi uma viagem divertida para lugares bem
conhecidos.
Evitar o anacronismo foi uma preocupação ao escrever a novela?
Completamente. Odeio a simples piada de botar coisas do presente nos
tempos antigos. Muitos filmes e quadrinhos usam esse recurso. Fui
cuidadoso para evitar isso. Tudo o que acontece no romance tem
referência em textos antigos verídicos.
O senhor reconhece que o livro tem três referências: os filmes A vida de
Brian, de Monty Python, e Shakespeare apaixonado, com roteiro de Tom
Stoppard; e os quadrinhos de Asterix. Em que medida foi importante cada
um deles?
Conheci o Monthy Python na TV, anos 70, quando começou, e era
fascinante. Era um humor direcionado para pessoas cultas e inteligentes.
Por outro lado, nunca gostei de Asterix. É chauvinista, autocomplacente
e voltado para o leitor simplório. Shakespeare apaixonado é uma doce
comédia romântica que se salva pelo engenho de Tom Stoppard, a quem
admiro. Os três trabalhos estiveram presentes enquanto escrevia Pompônio,
e por razões distintas. Eu não queria imitar ou ir contra eles, mas eu
sabia que jogávamos no mesmo time.
O humor é uma característica da sua obra. A literatura há de ser séria
para ter valor?
Deve ser séria para ser valorizada pelo universo acadêmico, e portanto
ser reconhecida oficialmente. Porque o humor é difícil de analisar. Ele
se dissolve quando você tenta explicá-lo e foge das metodologias. Os
acadêmicos apreciam o humor secretamente e ignoram-no em público.
O que mais lhe atrai na cultura romana antiga? De que escritores o
senhor mais gosta? Gosta dos filmes da velha Hollywood? E de séries de
televisão mais recentes, como Roma?
Tudo a respeito da Roma Antiga me atrai. Eu precisaria de um livro
inteiro para enumerar. Digamos que Roma foi um grande império baseado
numa idéia filosófica de mundo e numa concepção civilizada de sociedade.
Admiro os grandes historiadores romanos – Tácito, Dion Cássio – mas
também Cícero, Sêneca, Marco Aurélio. Eles deveriam ser ensinados no
ensino básico, no lugar da informática. Sim, gosto dos clássicos de
Hollywood; são ridículos, mas nos anos dourados Hollywood tinha uma
noção de desproporção e grandiosidade mais adequada às lendárias glórias
romanas do que os filmes mais novos - mais realísticos e menos efetivos.
Todavia, os primeiros capítulos da série Roma foram bem feitos e
divertidos.
Pompônio Flato é apenas o segundo de seus livros lançados no Brasil. O
primeiro foi A cidade dos prodígios, nos distantes anos 80. Que outros
títulos o senhor gostaria de ver traduzidos?
Ser lido por estrangeiros é o maior teste dos escritores. Todos querem
ser traduzidos. Mas nem todos os livros viajam bem. Quanto à tradução de
meus livros, deixo a resposta com as editoras brasileiras.
O senhor conhece Machado de Assis? De certa maneira ele é um escritor
cervantino, como o senhor.
Sim, ele é bem cervantino. Mas também um excelente escritor dentro de
seus próprios méritos. Conheço poucos escritores brasileiros,
infelizmente.
Sabemos que o senhor é um grande viajante. Quando virá ao Brasil e, em
especial, ao Rio?
Estive no Rio de Janeiro já faz um tempo. Não quero abusar do lugar
comum, mas achei uma cidade linda, muito elegante, cosmopolita e viva em
todos os aspectos. O único problema é que é muito longe de Barcelona, e
não viajo com tanta facilidade quanto antes.
Estamos os cariocas nos preparando para sediar as Olimpíadas de 2016. E
muitos analistas comparam a transformação que haverá na cidade à que
houve em Barcelona para os Jogos de 1992. Que conselhos o senhor pode
nos dar para enfrentar o desafio?
Conselho, eu? Bom, não acho que possa dar algum. Barcelona teve sucesso
por causa das pessoas. A cidade inteira era uma eterna festa, aberta 25
horas por dia, e todos era gentis uns com os outros. Ninguém tentou
lucrar enganando as pessoas. Turistas são indefesos mas não idiotas.
Pelo que sei, os cariocas sabem receber muito bem, e não haverá
mistério.
21:12 - 14/05/2010 |
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Adelto Gonçalves é doutor em letras e mestre em língua espanhola e
literaturas espanhola e hispanoamericana pela USP, com dissertação de
mestrado sobre a obra de Eduardo Mendoza, defendida em 1992.
E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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