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Adelto Gonçalves |
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Eça de Queiroz em aquarelas |
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OS MAIAS – UMA ANTOLOGIA ILUSTRADA, de Rui Campos Matos, com prefácio de Pedro
Larsen. Lisboa: Parceria A.M. Pereira,157 págs., 2009. Site:
http://parceria.a.m.pereira@com E-mail:
parceriaeditores@net.novis.pt |
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I |
Filho de A.Campos
Matos (1928), notável queiroziano, o arquiteto Rui Campos Matos (1956)
herdou do pai a paixão pelos livros, pela poesia, pela literatura de um
modo geral e pela obra de Eça de Queiroz (1845-1900) em particular. É o
que mostra em Os Maias – Uma Antologia Ilustrada (Lisboa, Parceria
A.M.Pereira, 2009) em que, acompanhando trechos do clássico romance de
Eça de Queiroz, enfileira a cada página aquarelas em que procura
retratar e reconstituir lugares e personagens da obra.
Quem leu Clepsidra e outros poemas, de Camilo Pessanha
(1867-1926), em edição preparada por Daniel Pires (Lisboa, Livros
Horizonte, 2006), e deslumbrou-se com as ilustrações que o acompanham já
sabe a qualidade que vai encontrar nestas aquarelas. A única diferença é
que, desta vez, não são coloridas como naquela edição de Clepsidra. Todo
queiroziano, por certo, também há de recordar os pastéis que Rui Campos
Matos produziu para O Mandarim, que seu pai publicou em Fotobiografia de
Eça de Queiroz, Vida e Obra (Lisboa, Editorial Caminho, 2007).
Como observa Pedro Larsen no prefácio, em precisas imagens,
Campos Matos, “num traço dúctil, espontâneo, seguríssimo, detecta o
essencial dos ridículos das personagens queirozianas, fazendo-nos
reviver episódios e situações que havíamos esquecido e nos despertam
depois, além do contentamento e da surpresa do reencontro, a hilaridade
do discurso desenhado”.
Entre essas personagens, Larsen destaca a baronesa de Craben,
seguida de seu rubicundo marido, o pai Monforte e Maria, sua capitosa
filha, o Alencar, sempre emburrado, “a braços com o realismo que tanto
lhe atormentou a existência”, o melancólico Cruges, “de batuta entalada
no colete”, o melífluo Dâmaso, o truculento João da Ega, e Maria
Eduarda, com seus cabelos de ouro, figura enigmática e atraente que
levaria Carlos da Maia a dar um passo tão trágico como é o do incesto,
entre outras personagens menores – mas nem por isso menos importantes na
galeria eciana – da Lisboa da época da Regeneração que, olhada através
de um olhar de mais de um século, não regenerou em nada os costumes.
Além do prefácio descontraído de Larsen, o leitor, antes de
penetrar diretamente nesta galeria eciana, encontra ainda um guia
escrito pelo próprio autor que lhe permite recordar a trama que permeia
Os Maias, romance publicado em
1888. |
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II |
Para quem não recorda, é bom lembrar que a narrativa de Eça
tem início com Pedro da Maia, filho de Afonso da Maia, personagem
educado de acordo com padrões românticos, que se casa com Maria
Monforte, filha de um traficante de escravos e, por isso, também
conhecida como “a negreira”. Dessa união, nascem dois filhos: Maria
Eduarda e Carlos. O casal se separa logo depois. A menina fica com a mãe
e o menino com o pai, que se suicida, depois que a mulher foge com um
napolitano.
Descendente de uma família nobre da Beira, educado pelo avô,
segundo padrões britânicos, Carlos da Maia forma-se em Medicina, mas
nunca exerce a profissão a sério. É um doidivanas, um desocupado que
está sempre acompanhado de João da Ega, ex-estudante de Direito em
Coimbra, um tipo espirituoso e adepto do Naturalismo em Literatura. Após
alguns encontros amorosos com a condessa Gouvarinho, Carlos conhece, por
intermédio de Dâmaso Salcede, um tipo medíocre e balofo, a mulher de
Castro Gomes, um brasileiro rico, e apaixona-se por ela. A amada rompe
com Castro Gomes, com quem não era casada legalmente, e vai viver com
Carlos da Maia, acompanhada de uma filha, criança ainda.
É quando Joaquim Guimarães, um velho jornalista, entrega a
João da Ega uma caixa de documentos a ele confiada por Maria Monforte em
Paris, para que ele a encaminhasse a Carlos. Este julgava que a irmã,
como a mãe, estivesse morta há muito tempo. Ega lê os documentos e,
aterrorizado, vai mostrá-los a Carlos: ele e sua amada, Maria Eduarda, a
antiga madame Castro Gomes, eram irmãos.
Desnorteado, Carlos volta a encontrar-se com a irmã, numa
atitude de incesto consciente, de que, mais tarde, arrepende-se.
Surpreendido com o reaparecimento da neta, que surgia como amante do
irmão, o austero Afonso da Maia falece. A situação entre os irmãos só é
solucionada após o funeral: Maria Eduarda, com a identidade esclarecida
e seus direitos reconhecidos, volta para Paris, refaz sua vida e lá se
casa. Já Carlos viaja para a América e o Japão, em companhia de Ega. Só
dez anos mais tarde retorna a Lisboa, fixando depois residência também
em Paris, onde alia a falta do que fazer ao
diletantismo.
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III |
O que nesta obra Eça de Queiroz faz com mestria é a
reconstituição da alta burguesia portuguesa e sua incapacidade de fazer
a nação sair da mesmice e do atraso econômico e cultural, em que, aliás,
pouco difere de sua congênere brasileira que, mais de 120 anos depois, o
que conseguiu foi construir um país injusto, desigual, atrasado e imerso
em violência social. Com aquele objetivo, o romancista cria muitas
personagens claramente inspiradas nas figuras insossas de seu tempo e
suas mesquinharias. Como observa Rui Campos Matos, a definição final
desse painel da alta burguesia de sua época o escritor a dá pela boca de
João da Ega, alter ego do autor, que reflete um pouco a filosofia dos
“vencidos da vida”, grupo de intelectuais de que Eça também fez parte:
tinham fracassado porque eram românticos, ou seja, “indivíduos
inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão”.
O que Rui Campos Matos procura fazer com o lápis é o que Eça
de Queiroz fez com a pena: imaginar como teriam sido fisicamente essas
figuras, quase todas ridículas e balofas, além de retratar alguns
edifícios marcantes na obra, como o “Ramalhete”, mansão em que residiam
os Maias, ou o Largo do Pelourinho, hoje Largo do Município, local em
que Ega toma conhecimento do drama que irá marcar a vida de seu amigo. E
o faz com tamanha espontaneidade e virtuosismo que podemos até mesmo
imaginar aquelas personagens como se estivéssemos assistindo a um filme.
Ou mesmo convivendo com elas no átrio do Hotel
Central.
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IV |
Como Eça de Queiroz, Rui Campos Matos nasceu em Póvoa de
Varzim. Frequentou o curso de Artes Plásticas da Escola Superior de
Belas Artes e licenciou-se em arquitetura pela FAL/UTL, de Lisboa, em
1984, atividade que exerce desde essa época em ateliê próprio situado no
Funchal. Mas, ao mesmo tempo, desenvolve a arte da ilustração e do
desenho.
Já expôs na Biblioteca Nacional de Lisboa (2006), na Galeria
da Mouraria no Funchal (2006) e na Casa de Santa Maria de Cascais
(2007). Além da edição de Clepsidra e outros poemas, de Camilo Pessanha,
publicou diversas ilustrações inspiradas na obra queiroziana:
Fotobiografia de Eça de Queiroz, Vida e Obra (Editorial Caminho, 2007) e
nas revistas Mealibra, Islenha, Boletim Cultural da Póvoa de Varzim e
Jornal de Letras. |
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Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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