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Revista TriploV
de
Artes, Religiões e Ciências |
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Adelto Gonçalves |
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Uma “redescoberta” da literatura africana no Brasil |
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PORTANTO... PEPETELA, de Rita Chaves e
Tania Macêdo (organizadoras). São Paulo: Ateliê Editorial/Fapesp, 2009,
389 págs., R$ 47,00.
ANTOLOGIA POÉTICA, de José Craveirinha. Organizadora: Ana Mafalda Leite.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, 198 págs., R$ 38,00.
ANTOLOGIA POÉTICA, de Rui Knopfli. Organizador: Eugénio Lisboa. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2010, 206 págs., R$ 38,00. |
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I |
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A Editora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
colocou no mercado uma nova coleção, Poetas de Moçambique, em que
apresenta antologias dos maiores poetas modernos de língua portuguesa e
origem moçambicana. Segundo a editora, os autores escolhidos
estabeleceram freqüentemente diálogo com a literatura brasileira,
especialmente com as obras de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987),
Cecília Meireles (1901-1964), Vinicius de Moraes (1913-1980) e Manuel
Bandeira (1886-1968). Os primeiros volumes são dedicados a José
Craveirinha (1922-2003) e Rui Knopfli (1932-1997).
Craveirinha, primeiro autor africano galardoado com o Prêmio Camões, em
1991, é um dos nomes fundamentais da literatura moçambicana. Filho de
pai algarvio e mãe ronga, é dono de uma obra concisa, que cobre cinco
livros publicados em vida e duas coletâneas póstumas, além de dezenas de
poemas espalhados em periódicos e antologias. Este livro reúne os
principais poemas do autor com nota biobibliográfica de Emílio Maciel.
Já Rui Knopfli produziu uma encorpada e original obra literária durante
o período colonial. Seus poemas selecionados estabelecem diálogo com as
principais tradições clássicas e modernas da poesia. O livro traz
posfácio com texto crítico e nota biobibliográfica de Roberto Said.
Ao mesmo tempo, a Ateliê Editorial, em parceria com a Fundação de Amparo
à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), acaba de lançar Portanto...
Pepetela, organizado por Rita Chaves e Tania Macêdo, professoras de
Literaturas Africanas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo
(USP). O angolano Pepetela, nascido Artur Carlos Maurício Pestana dos
Santos, ganhador do Prêmio Camões de 1997, é talvez o mais importante
romancista de seu país. Com apresentação do moçambicano Mia Couto, o
livro reúne 38 artigos e ensaios de estudiosos da obra de Pepetela.
Nada mais alvissareiro do que essa “redescoberta” da literatura africana
de expressão portuguesa. Mas desses três autores, apenas José
Craveirinha é resultado da mistura do sangue português com africano. O
que se espera é que esse interesse não se restrinja apenas a autores
lusodescendentes, mas seja aberto a todos os africanos que fazem
literatura em Língua Portuguesa. |
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II |
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Nada contra Pepetela, Agualusa, Mia Couto ou Luandino
Vieira, nomes hoje incontestáveis no panorama da literatura africana de
expressão portuguesa. O que se estranha é por que só descendentes de
portugueses que nasceram em terras africanas têm largo espaço nos
veículos de comunicação de Portugal e nas universidades de Portugal e do
Brasil.
Basta ver que o livro Portanto... Pepetela traz, ao final, uma lista de
56 teses de doutorado e dissertações de mestrado defendidas em
universidades brasileiras sobre a obra de Pepetela. Um exagero,
evidentemente, porque há muitos outros autores africanos de expressão
portuguesa que poderiam ser estudados. E não o são. Não se quer
acreditar que seja por racismo, pois o que se espera é que esse tipo de
comportamento seja algo já superado, sem razão de existir neste começo
de século XXI.
Talvez seja ainda a "saudade do império colonial perdido", como disse
Patrick Chabal, professor de Estudos Africanos do King´s College, de
Londres, para se citar aqui um nome isento destas questiúnculas
lusófonas, que impeça os acadêmicos e editores portugueses de enxergar
que a lusofonia é uma falácia – que não vai chegar a lugar nenhum –
enquanto eles não aceitarem a verdadeira dimensão da língua portuguesa
para além da Europa.
Em outras palavras: Pepetela, Agualusa, Mia Couto e Luandino Vieira
fazem parte da última geração de lusodescendentes que, nascidos na
África, praticam uma literatura com vivência africana. Dentro de 20 ou
30 anos, quando provavelmente já não estiverem mais neste mundo, quem
irá representar a Literatura Africana de expressão portuguesa senão os
autóctones ou um ou outro miscigenado?
Portanto, o futuro da Língua Portuguesa na África vai depender dos
naturais desses países por onde os portugueses criaram raízes – e também
daquelas regiões que, hoje, sofrem com a opressão de vizinhos que não
falam português. É o caso da Casamansa, província do Sul do Senegal, que
ainda aspira livrar-se da opressão de Dakar para se tornar um país
independente e membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Será que em Casamansa não há um único poeta ou escritor que escreva em
português? Ou somos nós que não queremos vê-los?
Como diz o escritor moçambicano João Craveirinha, por mais que se
assumam "lusófonos", os escritores de tez escura serão sempre os
"outros", os outsiders, os ex-colonizados. Entre esses, além de João
Craveirinha, pode-se citar de uma enfiada Paulina Chiziane, Ungulani ba
Ka Kossa, Nelson Saúte, Noémia de Sousa, Kalungano, Luís Bernardo
Honwana e Suleimane Cassamo, de Moçambique; Adriano Mixinge, João Melo,
Ondjaki, Victor Kajibanga, Uanhenga Xitu, Ana Paula Tavares, Luís
Kandjimbo, de Angola; José Luís Hopffer Almada e Germano Almeida, de
Cabo Verde; Abdulai Sila, Hélder Proença (?-2009) e Odete Semedo, da
Guiné-Bissau; Alda do Espírito Santo e Tomás Medeiros, de São Tomé
Príncipe. E muitos outros.
O que é preciso dizer – e quase ninguém o faz – é que persistir nessa
visão preconceituosa é um erro, que equivale a dar um tiro no próprio
pé, pois recusar-se a reconhecer que o futuro da Língua Portuguesa na
África depende dos naturais daqueles países é condená-la ao
desaparecimento. E olhem que quem escreve isto é um brasileiro de
primeira geração, de pai português de Paços de Ferreira, Norte de
Portugal, e de avós maternos açorianos. |
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III |
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Embora o desconhecimento no Brasil acerca dos assuntos
africanos seja abissal, não se pode deixar de reconhecer que foi graças
aos literatos brasileiros que a Língua Portuguesa continuou viva nas
décadas de 1950, 60 e 70 na África de expressão portuguesa,
especialmente entre aquela camada mais culta, que gostava de ler Jorge
Amado (1912-2001), Érico Veríssimo (1905-1975), Guimarães Rosa
(1908-1967) e outros tantos.
Rui Knopfli mesmo é um poeta fortemente influenciado pela literatura
brasileira, além de suas grandes ligações com a poesia portuguesa
moderna. De africano, só carrega o fato de ter nascido em Inhambane.
Trata-se de um fino poeta, cuja poesia está entre o que de melhor se
escreveu em Língua Portuguesa no século XX, mas que, ao contrário de
Pepetela que permaneceu em Angola e lutou contra o colonialismo, deixou
Moçambique tão logo o país se separou de Portugal. Jamais se assumiu
"moçambicano" no anterior e muito menos no atual contexto africano e
sociopolítico do pós-independência. Assumiu-se, sim, como um português
de Moçambique agastado com os "pretos" da Frente de Libertação de
Moçambique (Frelimo) que queriam ser iguais aos "brancos".
A visão que Knopfli tinha da África era eurocêntrica, de um colono que
pertencia a uma elite colonial intelectual que, provavelmente, sonhava
com um Moçambique semelhante à Rodésia ou à África do Sul sem apartheid,
mas com os chamados “brancos” a mandar nos "pretos", ou seja, “cada
macaco no seu galho", para se repetir aqui uma expressão politicamente
nada correta que se ouve ainda neste Brasil de racismo disfarçado. A
lusitanidade européia de Knopfli sempre falou mais alto.
Quem conhece a vida moçambicana pré-independência sabe muito bem que
Knopfli atacara a arte banta do escultor Alberto Chissano e do pintor
Malangatana em termos depreciativos, como a dizer que eles nunca
poderiam ascender a artistas plenos em razão de sua origem "primitiva",
tal como os "bons selvagens" de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que
seriam congenitamente limitados. Isto está na Revista Tempo, de Lourenço
Marques (hoje Maputo), dos anos 1970-1971. Quem duvidar que consulte na
Biblioteca Nacional de Lisboa a coleção da revista. Mas é claro que isto
ninguém gosta de lembrar.
Como se sabe, na África os conceitos não são os mesmos vigentes no
Brasil, nos Estados Unidos e na Europa em relação ao ser e estar
africano. Até porque na África os "nativos" não foram exterminados como
os ameríndios nas Américas. E, como continuam a sê-lo no Brasil em pleno
século XXI. Para se ter um exemplo desse holocausto, basta ver que os
traços indígenas hoje são pouco perceptíveis no brasileiro médio, exceto
talvez no homem do Centro-Oeste e do Amazonas, ao contrário do que se
pode constatar no Chile, no Paraguai, na Bolívia, no Equador e até na
antigamente tão conservadora Argentina. Basta ver o que fazem, nos dias
de hoje, certos fazendeiros e seus capangas com os caiowás, em Mato
Grosso do Sul, sem que as autoridades tomem qualquer providência mais
efetiva.
Na África, os autóctones continuam a ser maioria esmagadora e isso tem
um peso enorme na consciência dos africanos, mesmo em meio a crises
econômicas. Até mesmo porque eles estavam num estágio de desenvolvimento
superior ao dos indígenas americanos, o que obrigou a chamada
colonização portuguesa a restringir-se a vilas e destacamentos
litorâneos. Até mesmo para “atravessar” o comércio da escravatura, os
portugueses dependiam de nações africanas que traziam subjugados seus
inimigos para comercializá-los nas praias. Com isso, a ocupação européia,
de um modo geral, nunca conseguiu apagar no homem africano o grande
sentimento de pertença ao legado banto.
Como tudo isso são águas e ressentimentos passados, o que importa hoje é
preservar a Língua de Camões também na África. E essa preservação passa
por um apoio mais decisivo em favor da divulgação e estudo da literatura
de expressão portuguesa que é hoje praticada por africanos de todos os
matizes de pele, indistintamente. |
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Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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