Adelto Gonçalves

Corinto antiga e moderna

CORINTO – A 86 quilômetros de Atenas, a Corinto moderna tem pouco para mostrar: à frente de um porto acanhado, há uma praça enorme tomada em boa parte por um estacionamento de automóveis, uma tenda enorme para exposições ou outra atividade cultural. E mais nada. Com 30 mil habitantes, a cidade mostra um aglomerado urbano pouco atraente e um trânsito um tanto desorganizado, apesar de pouco intenso. Lembra um pouco as cidades do litoral de Portugal. É um lugar de passagem e não oferece grandes hotéis, pois, geralmente, o turista que se desloca até lá está hospedado em Atenas.

Nas proximidades da praça principal, a maior procura é por um restaurante de fast food, bem parecido com um McDonald´s, mas que, em vez de hambugueres, vende suvlakis, o churrasquinho grego de carne de carneiro assada em pão pita. Por ali, na mesma avenida de mão dupla, há também uma doçaria – ou pastelaria, como se diz em Portugal – que vende doces e pães gregos inesquecíveis.

Antes de chegar à cidade, a sete quilômetros do centro, não dá para deixar de ver o famoso Canal de Corinto, aberto entre 1881 e 1893 para colocar fim a um obstáculo que por séculos dificultou a navegação entre o Mar Egeu e o Jônico, evitando que os barcos dêem uma volta de 400 quilômetros, em torno do Peloponeso. Foi o imperador Nero quem, antes de colocar fogo em Roma, primeiro tentou acabar com o problema, mandando cavar um canal em tão pequeno trecho de terra. Não obteve êxito. Hoje, o Canal de Corinto, com mais de seis quilômetros de extensão e uma profundidade de 30 metros entre o nível da rua e a água, é atravessado por barcos turísticos puxados por rebocadores, todos os dias. Como tem apenas 21 metros de largura, é muito estreito para navios cargueiros.

Claro, o que vale numa viagem a Corinto é mesmo a Corinto Antiga, que rendeu ao apóstolo Paulo várias epístolas – nem todas reunidas na Bíblia. É um museu a céu aberto. Suas ruínas datam do período neolítico (5000 a 3000 a.C.)[1]. Os primeiros povoados instalaram-se num trecho elevado, a 575 metros de altura, a dois ou três quilômetros do mar. Explica-se: ali do alto seria mais fácil não só se defender de invasões como controlar as comunicações por terra e por mar entre Peloponeso e a Grécia continental. Mas há quem diga que naquela época o mar estava mais avançado naquele espaço de terra, como provariam algumas marcas antigas que se vêem em pedras na montanha que costeia o litoral próximo.

O assentamento neolítico durou aproximadamente dois mil anos, mas até agora foram descobertos poucos vestígios de casas e poucos utensílios domésticos dessa época. No começo do segundo milênio, a povoação foi destruída por causas desconhecidas. Depois de uma fase obscura, Corinto ressurgiu por volta do ano 1000 a.C., ocupando o mesmo lugar de povoados pré-históricos ao pé do monte Acrocorinto.

É a partir do século VIII a.C. que Corinto apresenta um florescimento notável como resultado de sua independência política e econômica que, até hoje, enche os gregos de orgulho, a tal ponto que tem sido usada como argumento na recente refrega política com a União Europeia, especialmente com a Alemanha, que se recusa a apoiar uma ajuda financeira a um país à beira da bancarrota. “Quando os alemães ainda viviam em cavernas, nós já fazíamos tudo isto”, costumava repetir, por estes dias, todo guia grego ao turista que se mostra maravilhado com as peças expostas no Museu de Corinto.

O auge de Corinto, porém, dá-se à época de Cípselo, que em 657 a.C., depois de tomar o poder da família Baquíades, passou a governar a cidade à frente de uma ditadura, e, sobretudo, na época posterior de seu filho, Periandro, seu sucessor. Por esse tempo, novos mercados foram construídos, em razão do aumento da produção local e daquela que chegava de barcos que singravam o mar Jônico, estabelecendo contatos especialmente com o Oriente Médio.

DECADÊNCIA

Veio depois a época de esplendor de Atenas, ou seja, a época das guerras persas, que significaram a decadência de Corinto. Houve muita rivalidade entre Corinto e Atenas, especialmente ao tempo da guerra de Peloponeso. Corinto saiu derrotada, recuperando-se só mais tarde ao tempo do domínio macedônico, quando, então, converteu-se pela segunda vez em centro comercial.

Vieram, porém, os romanos que saquearam e, praticamente, destruíram Corinto. Seus habitantes que sobreviveram foram vendidos como escravos e seus tesouros artísticos levados para Roma. Foi a partir de 44 a.C., ao tempo de Júlio César, que começou a se recuperar, depois de permanecer por mais de um século tal como hoje está, uma cidade deserta e arruinada. Tornou-se colônia romana, atraindo muitos estrangeiros, especialmente hebreus. Foi por essa época, 51 e 52 a.C., que o apóstolo Paulo a visitou.

Mais tarde, ao tempo do imperador Vespasiano, um terremoto destruiu boa parte da cidade. Até que o imperador Adriano a mandou reconstruir. Dessa época são um aqueduto que trazia água de um distante manancial e as termas públicas cujas ruínas ainda são visíveis à céu aberto. Em 375 d.C. um novo terremoto sacudiu Corinto tanto quanto as invasões dos godos do rei Alarico.

A cidade voltou a crescer, mas um novo terremoto em 521 d.C. interrompeu sua trajetória ascensional. Em tempos mais recentes, em 1210, Corinto foi ocupada por piratas e, de 1358 a 1395, ficou sob domínio dos mercadores florentinos. Em 1548, caiu nas mãos dos turcos que a dominaram até 1822, com exceção de um período breve em que esteve ocupada por venezianos, de 1687 a 1715.

A cidade, mais uma vez, teve de enfrentar a destruição por um terremoto em 1858. Foi a partir de então que se começou a construir uma nova cidade portuária, a atual Corinto. A antiga Corinto reduziu-se, então, a um pequeno povoado de modestas casas baixas e brancas junto ao conjunto arqueológico, que segue lá até hoje. Muitos atenienses mantêm lá casa de veraneio ou fim de semana. Dois novos terremotos em 1928 e 1930 abalaram a Corinto antiga e a moderna, obrigando seus moradores a reconstruírem suas casas com precauções antissismo.

Ao final do século XIX, as sete colunas dóricas monolíticas do templo de Apolo e as ruínas de uma muralha constituíam os únicos restos visíveis da antiga Corinto. Depois, a partir de 1896, escavações foram deixando à luz do sol outras ruínas, por iniciativa da Escola Americana de Estudos Clássicos. As primeiras escavações dos arqueólogos norte-americanos se limitaram a descobrir a Ágora, o mercado da cidade antiga, estabelecendo antigos logradouros com base no relato que deixou o turista Pausanias que visitou a Corinto romana por volta de 155 d.C. Vieram à luz as fontes Peirene e Glauce e pôde-se chegar à conclusão de como teria sido o templo de Apolo. Foram achados também esculturas e objetos de barro e de metal.

Também o Acrocorinto, onde ficava o templo da deusa Afrodite, e outros povoados pré-históricos foram investigados ao largo do século XX, com interrupções durante as guerras mundiais. Debaixo das ruínas romanas, foram achados restos da cidade mais antiga, além de um cemitério do período arcaico, um ponto de partida do hipódromo e ruínas de edifícios da Corinto grega. No período romano imperial, Corinto era a capital da Acaia, a cidade mais importante da Grécia.

TEMPLO DE APOLO

Abaixo, ao final da parte amuralhada, fica Lequeo, porto da cidade, onde havia um santuário dedicado a Poseidon e Afrodite. Ali restam ainda ruínas de uma grande basílica paleocristã. O segundo porto, mais afastado, era Cencrias onde o apóstolo Paulo embarcou rumo a Éfeso. Ali existiam instalações portuárias e edifícios da época romana que hoje estão debaixo das águas.

No centro da cidade antiga, está o templo de Apolo, o principal sítio arqueológico de Corinto, edificado sobre uma elevação rochosa, com as sete colunas que restaram do edifício original. Mais adiante, vêem-se as ruínas das grandes termas da época imperial com uma cisterna e restos de mosaicos no piso. Mais ao Sul estão os banheiros públicos e uma fileira de lojas muito bem conservadas. Até Lequeo, junto ao mar, há uma série de edifícios em ruínas da época romana.

Depois do templo de Apolo, ao Sul, está o Museu de Corinto, edificado pela Escola Americana de Estudos Clássicos em 1932-33. Ali podem ser vistas estátuas de cidadãos romanos vestidos com a toga característica e outros objetos da época da civilização grega antiga, como os famosos vasos de Corinto, além de outros importados de diversos lugares do Mediterrâneo. Há ainda uma pequena sala em que estão expostos numerosos ex-votos de barro que datam do século IV a.C.: pernas, mãos, órgãos genitais, seios e cabeças de tamanho natural, que recordam muito os atuais ex-votos das igrejas católicas feitos de cera.

Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br