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:::::::::::::::ADELTO GONÇALVES:
Ramalho Ortigão: vencido e vencedor da vida
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I |
No Brasil, entre
os autores clássicos da Língua Portuguesa, Eça de Queirós (1845-1900)
talvez só perca em popularidade para Machado de Assis (1839-1908). Já
Ramalho Ortigão (1836-1915), que foi professor de Francês de Eça no
Colégio da Lapa, no Porto, e deixou uma obra tão importante quanto a do
ex-aluno, ainda é bem pouco conhecido.
Foi para ajudar a reparar esse
desconhecimento e “por uma questão de justiça” que Ednilo Soárez, de 69
anos, diretor acadêmico da Faculdade Sete de Setembro, de Fortaleza, e
membro da Academia Fortalezense de Letras, escreveu Ramalho
Ortigão, um marco na literatura portuguesa (Fortaleza, Expressão
Gráfica Editora, 2008), que traz ainda prefácio assinado pelo professor
doutor Ernesto Rodrigues, do Departamento de Literaturas Românicas da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e textos de apresentação
de Linhares Filho e Dimas Macedo.
José Duarte Ramalho Ortigão nasceu no
Porto e estudou Direito na Universidade de Coimbra. De regresso ao
Porto, dedicou-se ao ensino, dando aulas de Francês no Colégio da Lapa,
do qual seu pai era diretor. Estabeleceu-se em Lisboa ao ser nomeado
oficial da secretaria da Academia das Ciências, começando a colaborar em
vários jornais e revistas. Fez várias viagens ao estrangeiro, idas que
influenciaram o seu modo de ver Portugal, mas residiu durante a maior
parte de sua vida na Calçada dos Caetanos, na freguesia da Lapa, em
Lisboa.
Ortigão e Eça foram amigos da vida
inteira e, inclusive, escreveram As Farpas, opúsculos de
capa alaranjada que começaram a aparecer nas bancas e quiosques de
Lisboa a 17 de junho de 1871. Na verdade, a publicação teve a
colaboração de Eça de Queirós pelo menos até o número de
setembro-outubro de 1872, quando o escritor partiu como cônsul para as
Antilhas espanholas.
Já a de Ramalho estender-se-ia ao longo de 11 anos.
Para quem quiser conhecer o que foi esta colaboração a quatro mãos dos
escritores, diga-se que saiu em 2004 uma nova edição de As
Farpas - crônica mensal da política, das letras e dos costumes, de Eça
de Queiroz e Ramalho Ortigão, livro editado sob coordenação-geral de
Maria Filomena Mônica (Cascais, Principia).
Em Ramalho Ortigão, um marco na literatura
portuguesa, Soárez traça um retrato da vida literária portuguesa do
século XIX, indo do Romantismo, de Alexandre Herculano (1810-1877), ao
Realismo, de Eça de Queirós, além de abordar as três principais obras do
autor, A Holanda, John Bull e As
Farpas, na impossibilidade de analisar uma obra imensa que reúne
pelo menos 21 livros, dos quais três em dois volumes. Para o autor, esta
obra é um reconhecimento pelo que o povo português fez pela nação
brasileira, pois “foi graças a Portugal que temos essa dimensão
territorial, essa miscigenação característica e essa diversidade de
religiões no Brasil”. |
II |
Como observa Dimas Macedo num dos textos de apresentação,
Ramalho Ortigão, um marco na literatura portuguesa não constitui uma
biografia no sentido clássico de uma descrição cronológica dos fatos de
uma vida, mas “um tributo à historiografia das ideias que determinaram a
formação e a autonomia de voo de Ramalho Ortigão”. É, acrescente-se,
mais uma “viagem sentimental”, um pouco à maneira de Laurence Sterne
(1813-1868), em que o ensaísta percorre de maneira figurada o Portugal
dos séculos XVIII e XIX para explicar como o país caiu na chamada
“questão coimbrã” que resultou da reação de uma plêiade de jovens
intelectuais, insatisfeitos com a situação de inferioridade à que estava
reduzida a nação.
A essa época, Ramalho Ortigão surge, ao
lado de Eça de Queirós, Antero de Quental (1842-1891), Teófilo Braga
(1843-1924), Oliveira Martins (1845-1894) e Guerra Junqueiro
(1850-1923), formados em Coimbra, como um dos espíritos mais lúcidos e
representativos deste momento da literatura portuguesa. Foi contra a
paralisia à que estaria relegado Portugal que esta geração turbulenta, a
chamada Geração de 70, revoltou-se, voltando os olhos especialmente
contra Antonio Feliciano de Castilho (1800-1875), que representava todo
o status de tradição e autoridade que os jovens de então não queriam
mais aceitar. Por isso, o grupo começou a idealizar um programa de
reforma social e política.
Como disse Antero de Quental numa das
famosas conferências do Cassino, em duzentos anos, a Península não
produzira um só único homem superior, que se pudesse colocar ao lado dos
grandes criadores da ciência moderna. Para Antero e para os seus
companheiros de geração, enquanto as grandes nações européias fixaram
sua riqueza na indústria e na agricultura, portugueses e espanhóis, com
a conquista, teriam arruinado seu comércio, indústria e agricultura,
propiciando as condições para o surgimento de gerações que haviam
condenado Portugal ao atraso.
Como mostra Soárez, se essas conferências
inflamadas serviram para incendiar o ambiente cultural e político de
Lisboa, o foi por pouco tempo porque logo, com a passagem dos anos,
esses jovens veriam que não seria possível, por meio da literatura,
devolver a Portugal as glórias (ainda que hiperbólicas) das grandes
navegações do século XVI. Frustrados, os antigos jovens de Coimbra
formaram o grupo dos Vencidos da Vida, fixado em onze
componentes porque Eça de Queirós, por pura superstição, não queria que
fossem treze nem doze (para evitar qualquer associação com o número
considerado fatídico). |
III |
Munido de vasta bibliografia, Soárez recupera os caminhos
cruzados de Ortigão e Eça, detendo-se especialmente no ódio que ambos
devotavam à classe política portuguesa do tempo que, como no Brasil,
ainda não é muito diferente da de hoje– é bem provável que, tanto lá
como cá, seja ainda pior. Lembra o autor que Ortigão
criticava os políticos porque usavam frases de efeito, sem consistência
prática, além de cometer muitos erros. “O plebeísmo da palavra torna
rasteira a opinião. Uma Câmara que fala mal é impossível que proceda
bem”, dizia.
Quem quiser, por exemplo, usar esta
frase, ao se referir ao Congresso brasileiro, por certo, não agirá mal.
Ou ainda esta desta Eça de Queirós: “O corpo legislativo há muitos anos
que não legisla. (...) vem apenas a ser uma assembléia muda, sonolenta,
ignorante, abanando com a cabeça que sim”.
Soárez, porém, não só louvaminha Ortigão
e Eça, pinçando as suas melhores frases aqui e ali. Destaca também que
Ortigão não escapou aos preconceitos de seu século, embora tivesse sido
um dos espíritos mais lúcidos de uma geração brilhante, deixando-se
trair pelo espírito machista, quando afirma: “(...) Nada a prende ao
colégio: nem a serenidade da vida – porque é o sangue buliçoso e
sacudido dos seus quatorze anos que aspira a repousar: nem o estudo –
porque a mulher pela constituição de seu cérebro não adere aos
interesses do estudo e da ciência”.
Para Soárez, a vida e a obra de Ramalho
Ortigão representam uma síntese perfeita do que foi o século XIX,
especialmente com As Farpas, que ocupam um capítulo
especial no conjunto de sua produção literária, tal a mestria com que
maneja a ironia. Um exemplo pinçado por Soárez é a maneira sarcástica
como pinta os diplomatas portugueses de seu tempo, que passariam
apertados em razão da pouca disponibilidade do erário régio para
sustentá-los no exterior. “(...) E se eles não podem alcançar bons
tratados para o país – é porque andam ocupados em arranjar mais
roast-beef para o estômago. Se não fossem os jantares da corte e as
ceias dos bailes, a posição de diplomata português era insustentável. Lá
fora sabe-se isto: e é sempre com terror que os donos da casa vêem
entrar o embaixador português, à frente do seu pessoal esfomeado”. |
IV |
O livro de Soárez foi apresentado no dia 8 de novembro de 2008 na
Reitoria da Universidade de Lisboa, em sessão que contou com a
participação do professor Ernesto Rodrigues, autor do prefácio, e com a
presença do reitor António Nóvoa, e do embaixador do Brasil, Celso
Marcos Vieira de Sousa, abrindo o ano acadêmico da instituição.
Soárez é ainda membro da Academia
Cearense de Retórica e sócio-efetivo do Instituto do Ceará e da
Associação Brasileira de Bibliófilos. Escreveu o livro didático
Idéias gerais para uma sala de aula feliz, a biografia
Edilson Brasil Soárez, um marco na Educação, o romance A
brisa do mar e o ensaio Miscigenação nos Trópicos. |
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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br |
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