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:::::::::::::::ADELTO GONÇALVES:
‘Oeste’: haicai brasileiro fiel às origens orientais
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OESTE (NISHI), de Paulo Franchetti, edição
bilíngue, tradução para o japonês de H.Masuda Goga, caligrafia em shodô
Kazuyo Morishita. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 160 págs., R$ 40,00. Site:
www.atelie.com.br E-mail: ateliê@atelie.com.br |
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I |
Chegado ao Brasil no início do século 20,
o haicai (conhecido no Japão e na maioria dos países como haiku) é um
poema de origem japonesa, que hoje conta com muitos praticantes e
estudiosos brasileiros. Segundo o norte-americano Harold G. Henderson
(1880-1974), em Haiku in English, o haicai clássico japonês sempre tem
17 sílabas japonesas, divididas em três versos de cinco, sete e cinco
sílabas, contém alguma referência à natureza, refere-se a um
acontecimento particular e apresenta esse fato no presente.
Ao passar para outros países, algumas das regras anteriores foram
seguidas com maior ou menor fidelidade, enquanto outras acabaram mesmo
ignoradas, dependendo de cada poeta ou da escola seguida, como explica
H. Masuda Goga (1911-2008), que foi o maior incentivador da modalidade
no Brasil. Entre os brasileiros hoje, o haicai ficou reduzido a qualquer
conjunto de três versos no qual haja uma referência à natureza e um
trocadilho ou uma observação mais arguta, de que é melhor exemplo a
modalidade praticada por Millôr Fernandes (1923). Na maioria das vezes,
não mantém a tradição quanto à métrica e rimas.
Mas nem todo conjunto de três versos rimados, que evoquem natureza e
tragam uma “sacada” espirituosa, pode ser considerado um haicai. É o que
diz o haijin ou haicaísta Paulo Franchetti (1954) na introdução de seu
livro Oeste (Nishi), edição bilíngue de haicais compostos por ele nos
últimos quinze anos e lançada pela Ateliê Editorial em 2008. Para o
autor, é preciso ir além: portar uma estratégia própria de composição e
recepção do poema que demonstre com sensibilidade determinada atitude
diante do mundo e da linguagem poética.
Segundo o autor, o haicai é ainda a arte de anotar em linguagem
despojada as sensações fugazes (especialmente aquelas provocadas pela
passagem do tempo e pela sucessão das estações do ano), bem como as suas
ressonâncias nas várias cordas da sensibilidade. Ao adotar essa postura,
o autor mantém-se fiel às origens do haicai, tal como o poeta Guilherme
de Almeida (1890-1969), grande divulgador do gênero no Brasil.
Para Franchetti, reclamar a herança do haicai só faz sentido se isso
significar uma tentativa de obter algo radicalmente novo. “E a novidade
que o haicai oferece a um ocidental é o fato de ele ter por objetivo não
a beleza da imagem ou da combinação dos sons, mas o registro de uma
sensação”, explica, observando que esse é o núcleo da forma do haicai.
“E é o que julgo que vale a pena tentar incorporar, por meio da leitura
dos clássicos japoneses”. |
II |
Depois de refutar a idéia de que o haicai
seja síntese, Franchetti lembra que o haicai “é um texto que se limita
voluntariamente a apenas situar uma dada percepção sensória e traz para
o leitor a presentificação de um instante como algo inacabado, aberto,
um esboço ou um diagrama do choque entre a sensação fugaz e irrepetível
e seu longo ou profundo ecoar nas diversas cordas da sensibilidade e da
memória”.
Em outras palavras: o haicai seria a arte de anotar sensações fugazes,
de forma despojada e sensível, especialmente as provocadas pela passagem
do tempo, representadas, por exemplo, nas estações do ano, como se vê
logo no primeiro haicai preparado por Franchetti para este livro:
Demorou este ano,
Mas de repente, em toda a parte –
Primavera!
Esse é, portanto, um dos aspectos
recorrentes de Oeste (Nishi), ao lado do tema do deslocamento, que
aparece sob a forma de viagens (para Oeste, para a terra natal ou
durante o Ano Novo). E que, aliás, estão presentes também nos versos das
Oito Elegias Chinesas que traduziu para o português o poeta luso Camilo
Pessanha (1867-1926), autor profundamente estudado por Franchetti e a
quem recentemente homenageou com a publicação de O essencial sobre
Camilo Pessanha (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2008). Como
exemplo, basta lembrar estes versos traduzidos por Pessanha:
(...) E, na algarvia dos grasnidos, oiço os gansos darem o alarme p´ra o
regresso.
E ler este haicai de Franchetti:
Com que certeza
Voam todas para oeste,
Garças desta manhã!
Ou este:
Patos selvagens.
Por que iriam dois para o norte
E dois para o sul?
Ou mais este:
Bem junto à placa
De “É proibido nadar”
A algazarra dos gansos.
Como se vê por estes exemplos, o haicai é
um poema concentrado que capta em poucas palavras a expressão de um
momento, como numa fotografia. Em outros termos: se a foto capta a
imagem, o haicai registra o abstrato, o segredo, o sentido ou haimi. Por
isso, quem faz haicai é haijin ou haicaísta.
Se o haicai diz muito, afirma o haicaísta Franchetti, ele “o faz por
meio do vazio que fica entre os dois elementos justapostos ou entre o
que é dito concretamente e o que poderia ser dito, o que fica como pano
de fundo ou silêncio voluntário”. Ou seja, o bom texto do haicai “é
aquele que consegue, com o mínimo, obter apenas o suficiente”.
Professor titular de Teoria Literária na Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), Paulo Franchetti consegue com seu livro, de maneira
exemplar, unir a erudição teórica com uma prática de quem muito bem se
preparou para desenvolver uma modalidade que “descobriu” há quase trinta
anos, quando começou a estudar a língua japonesa com o objetivo de
traduzir alguns haicais clássicos que, finalmente, foram publicados em
1990 em versão igualmente bilíngüe com Elza Taeko Doi. |
III |
Diretor-presidente da Editora Unicamp, Franchetti é autor, entre outros
livros de ensaios, de Alguns Aspectos da Teoria da Poesia Concreta
(Campinas, Editora Unicamp, 1989) e Nostalgia, Exílio e Melancolia –
Leituras de Camilo Pessanha (São Paulo, Edusp, 2001), das edições
comentadas de Primo Basílio (1998) e Iracema (2007), ambos publicados
pela Ateliê Editorial, da edição crítica de Clepsydra, de Camilo
Pessanha (Lisboa, Relógio D´Água, 1995), das antologias Haikai
(Campinas, Editora Unicamp, 1990) e As aves que Aqui Gorjeiam – a Poesia
do Romantismo ao Simbolismo (Lisboa, Cotovia, 2005) e da novela O Sangue
dos Dias Transparentes (Cotia, Ateliê Editorial, 2003), além de Estudos
de Literatura Brasileira e Portuguesa (Cotia, Ateliê Editorial, 2007).
Já H.Masuda Goga, que fez a tradução para o japonês dos haicais de
Franchetti, foi artista plástico (pintor), poeta e jornalista. Nasceu no
Japão em 1911, tendo emigrado para o Brasil em 1929. Haicaísta e
estudioso do haicai, compôs tanto em português como em japonês.
Foi ainda seguidor de Nempuku Sato, mestre já falecido e responsável
pela divulgação do haicai entre os imigrantes japoneses no Brasil.
Publicou em 1987 O Haicai no Brasil, considerado um marco do haicai
brasileiro. Organizou as antologias 100 Haicaístas Brasileiros (1990) e
Antologia do Haicai Latino-americano (1993). Em 2004, recebeu do Japão o
Masaoka Shiki International Haiku Grand Prize por sua contribuição à
difusão internacional do haicai. Faleceu a 28 de maio de 2008, às
vésperas do lançamento de Oeste (Nishi).
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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br |
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