|
|
:::::::::::::::ADELTO GONÇALVES::::::::::::::
|
|
Em favor do Nobel para Lêdo Ivo |
|
I |
Fosse Lêdo Ivo poeta da língua inglesa ou francesa ou mesmo
castelhana, já teria sido galardoado ou ao menos indicado para o Prêmio
Nobel de Literatura. Como, porém, faz poesia num país periférico e de
pouca representatividade econômica e cultural, e vale-se de um idioma
que, embora falado por mais de 200 milhões, ainda é visto pelo resto do
mundo como um código secreto, essa é uma hipótese pouco viável, até
mesmo porque as próprias instituições acadêmicas do País, que deveriam
propor o seu nome, não se animam a fazê-lo.
E não deveria ser assim – pois, afinal, se países igualmente periféricos
e até menos representativos do ponto de vista econômico, como Chile e
México, já tiveram poetas reconhecidos com o Nobel, o Brasil não deveria
ser tão menosprezado pelos eruditos da Academia Sueca. A diferença é que
Gabriela Mistral (1889-1957), Nobel de 1945, e Octavio Paz (1914-1998),
Nobel de 1990, fizeram poesia na língua de Cervantes (1547-1616). Por
esse mesmo raciocínio, é de imaginar que se o galego Camilo José Cela
(1916-2002), Nobel de 1989, não tivesse desprezado tanto a cultura de
sua terra-mãe, a Galiza, e não tivesse escrito suas obras em castelhano,
provavelmente, nunca teria sido lembrado pela Academia Sueca.
Portanto, concluiria o desavisado leitor, o preterimento só se explica
pela pouca representatividade desta língua que Olavo Bilac (1865-1918)
chamou de “última flor do Lácio, inculta e bela”. Mas não é assim porque
a ideia perdeu força em 1998, quando o primeiro Prêmio Nobel de
Literatura saiu para a língua portuguesa, na pessoa do romancista José
Saramago. Se Portugal, praticamente, organizou uma força-tarefa para
garantir a premiação a Saramago – e o fez muito bem – e, com justa
razão, ainda luta para que António Lobo Antunes também seja reconhecido,
não há motivo para que o Brasil não apresente um bom candidato, ainda
que, em outros tempos, quando Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e
Jorge Amado (1912-2001) eram vivos, houvesse maiores possibilidades de
êxito.
Até porque, se uma língua é representativa na medida em que aqueles que
a falam desfrutam de riqueza material, o Brasil já começa a se aproximar
desse patamar, pois, segundo previsões das autoridades financeiras
mundiais, em 2016, o País deverá passar a quinta maior economia do
planeta. E, por esse ponto de vista materialista, a língua de Camões
(c.1524-1580) já começa a ganhar também representatividade. |
II |
Hoje, a candidatura brasileira resume-se a dois ou três nomes. E um
deles, com certeza, é o do poeta Lêdo Ivo, que, em quase sete décadas de
trabalho produtivo, oferece uma obra de respeito, como poderá comprovar
quem vier a ler sua extensa Obra Completa (1940-2004), de 1099 páginas,
publicada em 2004 pela editora Topbooks, do Rio de Janeiro, com estudo
introdutório do poeta Ivan Junqueira. É de notar que, se Junqueira foi o
último grande poeta-ensaísta, daqueles da estirpe de T.S.Eliot
(1888-1965), a se ocupar da análise da obra de Lêdo Ivo, outros
ensaístas de envergadura já o haviam feito, como Antonio Candido, Álvaro
Lins (1912-1970), Jorge de Lima (1893-1953), Murilo Mendes (1901-1975),
Wilson Martins, Fausto Cunha (1923-2004), Gilberto Mendonça Teles e,
mais recentemente, Assis Brasil, autor de A trajetória poética de Lêdo
Ivo: transgressão e modernidade, publicado pela Editora Universitária
Candido Mendes (Educam), do Rio de Janeiro, em 2007, que constitui, ao
mesmo tempo, um ensaio crítico e uma biografia.
Diz Junqueira que Lêdo Ivo chegou inteiro aos 80 anos de idade e inteira
também chegou a sua poesia. “E há em sua poesia o testemunho literário
de mais de meio século de experiência e de constante renovação estética
e estilística”, constata, lembrando que “sua poesia, embora severa do
ponto de vista do uso da língua, é polifônica e tem algo da composição
heteróclita daqueles retábulos medievais, abrangendo o cultivo de todos
os metros e de todas as formas”.
É Lêdo Ivo autor, entre tantas obras, de Finisterra (1972), talvez o
mais importante livro de poesia que um brasileiro escreveu no século XX,
como afiança Junqueira, destacando que essa reunião de poemas marca o
regresso definitivo do poeta as suas origens, o seu retorno à infância
mitificada na cidade de Maceió, capital do Estado de Alagoas, como se
pode constatar nestes versos:
Minha pátria é a água negra
-- a doce água cheia de miasmas –
dos estaleiros apodrecidos.
(...) Vindo das ilhas inacabadas,
nunca aprendo a separar
o que é da terra e o que é da água.
|
III |
III
Já Assis Brasil prefere destacar a trajetória de Lêdo Ivo como
franco-atirador na poesia brasileira, mostrando como seu fazer poético
nunca esteve atrelado ao Modernismo da Semana de Arte Moderna de 1922,
em São Paulo, ao contrário do que muitos críticos e professores,
principalmente aqueles ligados à Universidade de São Paulo (USP),
procuraram defender, em sua ânsia de sistematizar tendências e
influências. Assis Brasil lembra que Lêdo Ivo, embora alagoano de
nascimento, estudou no Colégio Carneiro Leão, no Recife, cidade em que
começou o seu aprendizado poético não só com João Cabral de Melo Neto
(1920-1999), mas com Willy Lewin (1908-1971) que, de uma geração
anterior e dono de uma vasta biblioteca, funcionava como uma espécie de
corifeu para os mais jovens que o procuravam.
Mudando-se para o Rio de Janeiro em 1943, Lêdo Ivo, ao se valer das
relações pessoais que já construíra no mundo literário do Recife, foi
bem recebido por Manuel Bandeira (1886-1968), Jorge de Lima, Graciliano
Ramos (1892-1953), José Lins do Rego (1901-1957) e Augusto Frederico
Schmidt (1906-1965), entre outros, o que lhe facilitou a tarefa de
divulgar seu trabalho e, principalmente, encontrar editoras que se
dispusessem a apostar num jovem poeta. É de 1945 Ode e elegia, livro que
marca definitivamente o rompimento de qualquer ligação que poderia ter
tido a sua produção inicial com o Modernismo inconseqüente de 1922.
À falta de melhores rótulos, a crítica literária passou a inserir Lêdo
Ivo como o poeta mais representativo da Geração de 45, movimento de
reação estética contra o clima demolidor e anarquista da primeira fase
do Modernismo, reivindicando uma volta à disciplina e à ordem. Mas
também aqui a inclusão do poeta foi um tanto forçada e a sua revelia,
funcionando mais como uma forma cronológica de definir determinados
poetas que apareceram na década de 1940, sem maior rigor nas
preferências estéticas de cada um.
Depois de experimentar o verso livre, Lêdo Ivo voltou a algumas formas
poéticas fixas, como o soneto, mas conservando uma postura extremamente
livre e pessoal, cunhando assim uma poesia com características próprias
em que se destacava o pleno domínio das suas técnicas e da linguagem, o
que só era possível porque, além de poeta, desde o início, sempre fora
um estudioso do gênero e não um mero diletante. E mais: um ensaísta de
mão cheia, com 13 livros publicados, entre os quais se destaca O
universo poético de Raul Pompéia (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de
Letras, 2ª ed., 1996). |
IV |
Muitos foram os livros de Lêdo Ivo e relacioná-los aqui seria
exaustivo, até porque também publicou livros de contos, crônicas, duas
autobiografias e três de literatura infanto-juvenil. Mas é de destacar
que foi na década de 1980, em plena maturidade, que sua poesia se
cristalizou, a partir de Mar oceano (1987), a que se seguiram Crepúsculo
civil (1990), Curral de peixe (1995), O rumor da noite (2000) e os
textos até então inéditos reunidos em Plenilúnio (2000). Como bem
observou Ivan Junqueira, ao contrário de muitos poetas cuja produção se
amesquinha na velhice, a de Lêdo Ivo cresce ainda mais, alcançando a
transcêndencia inata da obra de arte em poemas em prosa ou em excertos
de prosa poética espalhados por Mar oceano.
Em grande parte desses poemas, percebe-se o uso medido não só do oxímoro,
um dos recursos estilísticos preferidos de Fernando Pessoa (1888-1935),
e outras figuras de linguagem, como de certa nostalgia de “uma luz
perdida” que remete para Camilo Pessanha (1867-1926), o que faz de Lêdo
Ivo não exatamente um poeta de idéias, mas de imagens, um poeta abstrato,
cerebral, essencialmente intelectual, em sua obsessão pela musicalidade
do verso, como se pode constatar nas palavras que seguem:
Sempre andei me buscando e não me achei.
E ao pôr-do-sol, enquanto espero a vinda
Da luz perdida de uma estrela morta,
sinto saudade do que nunca fui,
do que deixei de ser, do que sonhei
e se escondeu de mim atrás da porta.
É de notar ainda que a poesia de Lêdo Ivo atravessou incólume a
década de 60 sem se deixar levar pela cantilena dos concretistas de São
Paulo, meros adoradores de Ezra Pound (1885-1972) e James Joyce
(1882-1941), cujos versos hoje são praticamente ininteligíveis. Embora
estudioso de Herman Melville (1819-1891), Nathaniel Hawthorne
(1804-1864) e William Carlos Williams (1883-1973), como assinalou Assis
Brasil, Lêdo Ivo manteve-se fiel aos grandes poetas da língua
portuguesa. É o que se vê na intertextualidade que pratica neste poema
com famosos versos de Fernando Pessoa:
Minha pátria não é a língua portuguesa.
Nenhuma língua é a pátria.
Minha pátria é a terra mole e peganhenta onde nasci
e o vento que sopra em Maceió.
São os caranguejos que correm na lama dos mangues
e o oceano cujas ondas continuam molhando os meus pés quando sonho.
(...)
|
V |
Para quem pensa em Lêdo Ivo só como poeta, diga-se que ele é
também grande romancista, autor de cinco obras no gênero. Seu romance
Ninho de cobras (1973) foi traduzido para o inglês, sob o título Snake’s
Nest, e em dinamarquês, sob o título Slangeboet. É um romance de feitura
inovadora, repleto das figuras de linguagem que costuma utilizar em seu
fazer poético, que recupera a Maceió da década de 1930, à época do
governo de Getúlio Vargas (1882-1954) que redundaria na ditadura do
Estado Novo (1937-1945).
Trata-se de uma bem elaborada crítica dos regimes de força que
manietaram o Brasil durante boa parte do século XX, uma denúncia do
comportamento hesitante e apático da maioria da população que sempre
assistiu, indiferente, ao assassinato daqueles que ousavam ir contra os
poderosos do dia. E que, lido hoje pelas novas gerações, pode constituir
um bom alerta para quem ainda dá ouvido a alguns nostálgicos dos regimes
de força, que sempre começam pelo pretexto do combate à corrupção
política e acabam num mar de sangue.
Mas não foi só o romance de Lêdo Ivo que encontrou boa receptividade em
outros idiomas. Sua poesia está espalhada também pelo mundo hispânico.
No México, saíram várias coletâneas de seus poemas, entre as quais La
imaginaria ventana abierta, Oda al crepúsculo, Las pistas e Las islas
inacabadas. Em Lima, Peru, foi editada uma antologia, Poemas, e na
Espanha saiu a antologia La moneda perdida. Antologias de seus poemas já
foram traduzidas para o inglês por Kerry Shawn Keys (Landsend: selected
poems, Pennsylvania, Pine Press, 1998), para o holandês por August
Willemsen (Poetry, Roterdã, Poetry International, 1993; Vleermuizen em
blawe krabben, Sliedrecht, Wagner & Van Santen, 2000) e para o italiano
por Vera Lucia de Oliveira (Illuminazioni, Salerno, Multimidia Edizioni,
2001).
Em Portugal, críticos do quilate de João Gaspar Simões (1903-1987) e,
mais recentemente, Eugénio Lisboa, escreveram artigos em que destacaram
a excelente qualidade da poesia de Lêdo Ivo. Gaspar Simões, inclusive,
chegou a escrever que, se existisse uma Jerusalém celestial à parte
destinada aos poetas, Lêdo Ivo seria um dos escolhidos, o que,
praticamente, foi dito com outras palavras por Fausto Cunha, para quem o
poeta “será um dos poucos que ficarão”. Por tudo isso, seria
recomendável que as instituições que podem fazê-lo começassem a pensar
em apresentar o nome de Lêdo Ivo à Academia Sueca. Afinal, está na hora
de a Literatura Brasileira também conquistar o seu Prêmio Nobel. |
|
Adelto Gonçalves, nascido em Santos,
Brasil, é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa e mestre em
Língua Espanhola e Literaturas Espanholas e Hispanoamericana pela
Universidade de São Paulo (USP). É autor de Bocage: o perfil perdido
(Lisboa, Caminho, 2003), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Fernando Pessoa: a
voz de Deus (Santos, Universidade Santa Cecília, 1997), Os vira-latas da
madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio, 1981) e Mariela morta (Ourinhos-SP,
Complemento, 1977). É colaborador da revista Vértice, de Lisboa, desde
1994. Escreve também no quinzenário As Artes Entre as Letras, do Porto,
e na Revista Forma Breve, da Universidade de Aveiro, No Brasil, escreve
na Revista Brasileira, da Academia Brasileira de Letras, no Jornal
Opção, de Goîânia, e na Revista Philologus, do Círculo Fluminense de
Estudos Filológicos e Lingüísticos. É membro da Academia Brasileira de
Filologia (Abrafil). É professor de Jornalismo na Universidade Santa
Cecília, de Santos, e no curso de Direito da Universidade Paulista (Unip),
campus Rangel, em Santos. Ganhou os prêmios Assis Chateaubriand, de
1987, e Aníbal Freire, de 1994, da Academia Brasileira de Letras, e Ivan
Lins de Ensaios, de 2000, da Academia Carioca de Letras e União
Brasileira de Escritores, do Rio de Janeiro.Escreveu prefácios para dois
livros de contos de Machado de Assis publicados em 2006 e 2007 pelo
Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de
São Petersburgo, Rússia, em edição bilíngüe russo-portuguesa. Jornalista
desde 1972, trabalhou em O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Editora
Abril e A Tribuna, de Santos. Foi correspondente em Lisboa da revista
Época em 1999-2000.
E-mail: adelto@unisanta.br |
|
|
|