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:::::::::::::::ADELTO GONÇALVES::::::::::::::
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Mendoza: vender novelas como churros |
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I |
...........No começo dos anos 90, a editora
Círculo de Lectores, de Barcelona, quando imaginou lançar a coleção
Maestros Modernos Hispánicos, dentro de sua Biblioteca Universal,
convidou o escritor Eduardo Mendoza (1943) para dirigi-la,
encarregando-o de selecionar títulos e autores. Sem maiores títulos
acadêmicos, além de um diploma de advogado, o catalão Mendoza sempre foi
um leitor contumaz do melhor das literaturas espanhola e
hispanoamericana, além de ser hoje talvez o maior romancista espanhol
vivo, o que, de certa forma, é reconhecido não só por boa parte da
crítica como pelo grande número de tiragens e edições que seus livros
alcançam. Por isso, não lhe foi difícil desempenhar uma tarefa que, de
antemão, já se sabia que seria muito difícil e sujeita a polêmicas.
Escreveu, assim, 24 apresentações para os títulos que escolheu, além de
dois prólogos, que agora saem reunidos em Quién se acuerda de Armando
Palacio Valdés? Explica-se: os outros 22 prólogos foram escritos por
autores que, ainda que não fossem especialistas, eram ao juízo de
Mendoza personalidades afins à obra ou ao autor em questão. A coleção
abrangia autores que viveram no período histórico que vai do final das
guerras napoleônicas até o início da guerra civil espanhola (ou da
Segunda Guerra Mundial, no caso da América espanhola), uma época extensa
e extremamente agitada, marcada por guerras, revoluções, quebra de
convenções sociais, ascensão de ideais reformistas, “grandezas e
misérias de uma sociedade complexa e desorientada”, como diz o autor no
prólogo que escreveu para as 24 apresentações e os outros dois prólogos.
Repetia, assim, tarefa que Jorge Luís Borges (1899-1986) desempenhou em
1974 em Prólogos com um prólogo de prólogos (Buenos Aires, Torres Aguero
Editor, 1975), que reúne os quase quarenta prólogos que escrevera entre
1923 e 1974, exercitando um gênero que, como observou, “na triste
maioria dos casos, confina com a oratória de sobremesa ou com os
panegíricos fúnebres e abunda em hipérboles irresponsáveis, que a
leitura incrédula aceita como convenções do gênero”. Não é, porém, o
caso de Borges e muito menos o de Mendoza. Quem vier a ler ambos os
livros só terá a ganhar, pois equivalem a um precioso roteiro para um
curso de literatura em língua castelhana, no primeiro caso, e de
literatura universal, no segundo. Até porque, para repetir Borges, o
prólogo, “quando são propícios os astros, não é uma forma subalterna de
brinde, mas uma espécie lateral da crítica”. |
II |
..........Como não poderia deixar de ser,
Borges também faz parte dos autores selecionados por Mendoza, com sua
Historia universal de la infamia (1935), que, por sinal, encerra o ciclo
cronológico da coleção. E o que o selecionador faz questão de ressaltar
é que, quando em seus verdes anos descobriu Borges, o que mais lhe
chamou atenção foi a erudição do autor, que “parecia utilizar seus
insondáveis conhecimentos para inventar fábulas e urdir alegorias
impensáveis”. Só mais tarde descobriria que muitos dos conhecimentos de
Borges eram, na realidade, apócrifos: versículos da Bíblia que não
existem, edições de antigas enciclopédias que nunca vieram à luz.
É
de lembrar que no “prólogo de prólogos”, Borges revela que tinha em
conta escrever um livro de “índole análoga” em que reunisse uma série de
prólogos de livros que não existem, com citações exemplares dessas obras
possíveis. “Há argumentos que se prestam menos à escritura laboriosa que
aos ócios da imaginação ou ao indulgente diálogo, tais argumentos seriam
a impalpável substância dessas páginas que não se escreverão”,
justificava. É de destacar ainda que em Historia de la eternidad (1936)
Borges faz a resenha de um livro que só existia em sua imaginação e que
para Ficções (1944) escreveu prólogo em que deixou esta observação:
“Desvario laborioso e empobrecedor o de compor extensos livros; o de
espraiar em quinhentas páginas uma idéia cuja perfeita exposição oral
cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que esses livros
já existem e oferecer um resumo, um comentário”. |
III |
.........À falta de espaço, não se pode
aqui tecer comentários sobre todos os autores escolhidos por Mendoza
para a coleção que dirigiu, mas deve-se lembrar que, entre os
escolhidos, além de Borges, estão grandes nomes como Benito Pérez Galdós
(1843-1920), Ramón del Valle-Inclán (1869-1936), Pío Barroja
(1872-1956), Juan Valera (1824-1905), Leopoldo Alas Clarín (1852-1901),
Rosalía de Castro (1837-1885), José Zorrilla (1817-1893), Miguel de
Unamuno (1864-1936), Carmen de Burgos (1867-1932), Emilia Pardo Bazán
(1852-1921) e Ramón J. Sender (1901-1982), entre os espanhóis, e Horacio
Quiroga (1879-1937), Lydia Cabrera (1899-1991), Ricardo Palma
(1833-1919), Rómulo Gallegos (1884-1969) e Domingo Faustino Sarmiento
(1811-1888), entre os hispanoamericanos.
Até aqui, temos nomes conhecidos, pelo menos entre os estudiosos da
literatura hispânica, mas o que surpreende é que Mendoza tenha
ressuscitado também autores que o esquecimento havia atirado ao limbo,
como a cubana Gertrudis Gómez de Avellaneda (1814-1873) e Antonio Ros de
Olano (1808-1886), nascido em Caracas, filho de um militar catalão e
igualmente oficial do exército espanhol, que se tornou mais conhecido
por ter inventado um gorro militar que leva o seu nome (ros). Ou ainda
Armando Palacio Valdés (1853-1938). |
IV |
.........Mas quem foi Armando Palacio
Valdés? Ao responder essa pergunta no extenso prólogo de 15 páginas que
escreveu, Mendoza lembra que Valdés, até sua morte, foi um dos mais
célebres escritores não só na Espanha, mas também em outros países, como
Estados Unidos, onde era admirado por estudiosos e por um público-leitor
expressivo, e na França, onde recebeu a Legião de Honra. Além disso, seu
nome figurou freqüentemente entre os candidatos ao Prêmio Nobel. E
vários de seus romances foram levados ao cinema.
Hoje, porém, seu nome figura apenas em rodapés dos modernos manuais de
literatura espanhola. E o Wikipedia, na Internet, só lhe reserva duas
linhas e uma foto, além da lista de suas obras. A única biografia que
lhe fizeram é de 1949 e está fora de catálogo, prejudicada por uma
retórica franquista. Por que teria sido condenado a tão implacável
olvido? É o que Mendoza procura responder em seu ensaio à guisa de
prólogo.
Nascido em Entralgo, aldeia de Astúrias, Valdés era proveniente de uma
família bem posta na vida: seu pai fora um advogado que preferira deixar
a profissão para cuidar da propriedade rural da família da mulher.
Estudou em Oviedo e, depois, em Madri, onde se diplomou em Leis, como o
pai, mas nunca exerceu a advocacia. Atraído por amigos literários,
fez-se sócio do Ateneo, entidade equivalente a uma academia literária,
da qual foi presidente, cargo a que renunciou por causa da postura
subversiva de seus sócios, que criticavam a ditadura de Primo de Rivera
(1923-1930). Por aí se vê que seria um homem de idéias de direita.
Foi, porém, mais tarde, republicano militante, ainda que nunca tenha se
candidatado a cargo público. Fosse como fosse, ainda que de convicções
algo retrógadas, diz Mendoza, Valdés foi sempre um republicano confesso,
de opiniões moderadas, afável no trato, que vivia de rendas e escrevia
por gosto. Casou-se duas vezes e foi por influência de sua segunda
mulher que se tornou profundamente religioso. Mas nunca foi extremista:
inimigo de todo fanatismo, defendeu o voto feminino e condenou sempre a
injustiça social flagrante que existia na Espanha de seu tempo.
Liberal, segundo Mendoza, Valdés encarnou um velho sonho espanhol: o de
uma direita civilizada. Seus escritos, sobretudo os dos últimos anos,
estão, porém, impregnados de um ar de palácio e sacristia que tanta
irritava seus contemporâneos, diz. Mas não era um autor que encarnasse a
velha direita espanhola, que haveria de empolgar o poder depois da
guerra civil com o general Francisco Franco à frente. Literariamente,
pertencia à escola naturalista francesa: seus personagens não tinham
muita profundidade psicológica. Mas era um romancista raro: um católico
com sentido de humor. “É um homem cujos rígidos princípios morais vão
perdendo força, talvez sem que ele saiba, por influência voltaireana”,
define Mendoza.
O
resultado disso é que seus romances mostram de vez em quando alguns
detalhes
extravagantes
que os redime de qualquer anacronismo. Para provar o que diz, Mendoza
transcreve trecho de um dos romances mais célebres de Valdés, Marta y
María, em que uma de suas protagonistas, a jovem religiosa María, para
imitar os santos da antiguidade, decide se flagelar e, sendo moça de boa
família, convoca uma criada para manejar o chicote, até que alcançasse o
êxtase místico. Segundo Mendoza, são cenas que fariam corar o marquês de
Sade (1740-1814).
Fosse como fosse, talvez isso explique por que os romances (ou novelas,
em bom espanhol) de Valdés vendessem em sua época como churros.
Tratava-se de um cínico? “Nunca o saberemos”, conclui Mendoza para logo
observar que não há como deixar de sentir simpatia por um homem que, ao
final da vida, ainda publicou um ensaio intitulado El gobierno de las
mujeres em que defendia que a política fosse confiada integralmente ao
sexo feminino porque governaria a coisa pública tal como a privada. |
V |
Eduardo Mendoza Garriga nasceu em Barcelona e viveu dez anos em
Nova York (de 1973 a 1982), época em que trabalhou como tradutor da
Organização das Nações Unidas (ONU). Atualmente, vive em Barcelona dos
direitos autorais de seus livros que igualmente vendem como churros.
Surgiu para a literatura espanhola em 1975, três meses antes da morte do
generalíssimo Franco, com a publicação de La verdad sobre el caso
Savolta (até hoje não traduzido no Brasil). Seu grande livro é La ciudad
de los prodígios (1986), publicado no Brasil pela Companhia das Letras
em 1987.
Escreveu ainda outros bons romances que atraem por sua agilidade
cinematográfica, como El misterio de la cripta embrujada (1978), El
laberinto de las aceitunas (1982), Sin noticias de Gurb (1990), Una
comedia ligera (1996), La aventura del tocador de señoras (2001), El
último trayecto de Horacio Dos (2002) e Maurício o las elecciones
primarias (2006). Em 1989, publicou La isla inaudita, romance bem
diferente dos demais, que mostra a sua preocupação em não se repetir.
É
autor de um perfil biográfico de Pio Baroja, Baroja la contradicción
(2001). Escreveu ainda duas obras teatrais: Restauración (1990) e Gloria
(2007). Em colaboração com sua irmã Cristina, é também autor de
Barcelona modernista (1989). Suas obras, na maioria, foram publicadas
pela Seix Barral, de Barcelona. Maiores informações na página oficial do
autor na Internet: www.clubcultura.com/clubliteratura/.../mendoza/ |
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QUIÉN SE ACUERDA DE ARMANDO PALACIO
VALDÉS?: escritores de lengua espanõla: veinticuatro presentaciones e
dos prólogos, de Eduardo Mendoza. Barcelona: Galaxia Gutenberg/Círculo
de Lectores, 118 págs., 2007, 14,90 euros. |
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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br |
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