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:::::::::::::::ADELTO GONÇALVES::::::::::::::
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MACHADO DE ASSIS
TRADUTOR
Jean-Michel Massa
Belo Horizonte: Crisálida Livraria e Editora
123 págs., 2008
E-mail: editora@crisalida.com.br Site: www.crisalida.com.br |
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Machado de Assis: tradutor ou recriador? |
I |
Se Machado de Assis (1839-1908) é hoje,
com certeza, o autor brasileiro mais discutido e analisado pela academia
nacional, além de bastante estudado em universidades estrangeiras, é de
lamentar que tenha sido necessário um período de quase quatro décadas
para que A juventude de Machado de Assis (1839-1870): ensaio de
biografia intelectual (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971), de
Jean-Michel Massa, recebesse uma nova edição, embora as livrarias do
País estejam abarrotadas de obras sem a menor importância e de conteúdo
duvidoso, o que é um indicador da pujança de nosso mercado editorial –
que se equivaleria ao mercado de língua espanhola em termos econômicos
--, mas também da indigência cultural à que a população, de um modo
geral, está relegada.
Se A juventude de Machado de Assis chega agora em junho de 2009 às
livrarias em lançamento da Editora da Universidade Estadual Paulista (Unesp),
é bom que o leitor saiba que, em 2008, a Crisálida Livraria e Editora,
de Belo Horizonte, deu à estampa o ensaio Machado de Assis tradutor, com
tradução do editor Oséias Silas Ferraz, que constitui um complemento à
tese de doutoramento que o professor Jean-Michel Massa defendeu em 1969
na Faculdade de Letras da Universidade de Poitiers, na França, e que
resultou naquela monumental biografia.
Originalmente, essa tese complementar traz um apêndice com traduções
(inéditas) de duas peças por Machado de Assis, “Os burgueses de Paris” e
“Tributos da mocidade”, que, porém, não constam deste livro impresso. Ao
lado de uma terceira peça traduzida, “Forca por forca”, essas duas
peças, aliás, compõem Três peças francesas traduzidas por Machado de
Assis, com notas de Jean-Michel Massa, que, em lançamento da Crisálida,
chega às livrarias juntamente que a segunda edição de A juventude (...).
Feliz coincidência.
Organizador de Dispersos de Machado de Assis (1965) e de Bibliographie
descriptive, analytique et critique de Machado de Assis (1957-1958) e
autor de numerosos artigos e ensaios sobre a produção machadiana, com
destaque para “La bibliothèque de Machado de Assis”, em que identifica
718 obras que pertenceram ao acervo particular do escritor, Massa, 79
anos, é um grande estudioso da literatura brasileira dos séculos XIX e
XX, com trabalhos sobre Manuel Antônio de Almeida (1831-1861), José de
Alencar (1829-1877) e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), do qual
traduziu Reunião (1983).
Em parceria com sua mulher, a professora Françoise Massa, também
organizou o Dictionnaire Encyclopedique de la Langue Portugaise, do qual
já foram publicados três volumes: um sobre a Guiné-Bissau, outro sobre
São Tomé e Príncipe e um terceiro sobre Cabo Verde. |
II |
Apesar de todo esse currículo, o que
tornou o nome do professor Massa um pouco mais conhecido entre nós foi
que, por meio de suas pesquisas, acabou por provar que Machado de Assis
não era o autor de Queda que as mulheres têm para os tolos, como a
crítica brasileira, contra todas as evidências, assegurou por muito
tempo e até recentemente por desconhecimento da própria obra do
estudioso francês, que saiu no Brasil em 1971, mas que hoje constitui
livro difícil de encontrar.
Aliás, Machado de Assis nunca disse que era autor de Queda (...), pois
na primeira edição da obra no Brasil, em 1861, pela Tipografia de F.de
Paula Brito, consta na capa com todas as letras que se trata de
“tradução do snr. Machado de Assis”. Mesmo assim, não foram poucos os
que insistiram que Machado seria o verdadeiro autor do opúsculo, embora
Massa já tivesse localizado o original num antigo catálogo de obras
anônimas da Biblioteca Nacional de Paris atribuído ao belga Victor
Hénaux.
Se alguma contribuição este historiador literário pode dar a essa
discussão depois de ter estudado a fundo as obras de dois poetas
setecentistas, é que no século XVIII e, provavelmente, no XIX, não havia
ainda a consciência ou o consenso de que a tradução deveria ser o mais
fiel possível ao original. Pelo contrário, o comum é que o tradutor
tomasse muitas liberdades -- que hoje não seriam admitidas -- em relação
ao texto original. Muitas vezes, alterava tanto o original de um poema
ou um trecho de prosa que acabava sentindo que fizera outro texto.
Outras vezes, anunciava que fizera determinado poema “à imitação de
(...)”. Ou seja, inspirava-se num poema que quase sempre seria francês
para escrever outro em português.
Manuel Maria de Barbosa du Bocage (1765-1805), por exemplo, traduziu
muito do francês – entre outros, Grecourt, Piron, Dorat, Logouvé,
Chenier, Bernard, Fontanel, Delille, Castel, segundo José Agostinho de
Macedo (1761-1831) -- e sempre com excessiva liberdade (aos menos para
os olhos de hoje). Em alguns poemas, valeu-se do recurso “à imitação de
(...)”, como no caso do poema em que deixou explícito que imitara o
francês Évariste de Parny (1753-1814). Já em outros poemas permanecem
dúvidas quanto à autoria. É o caso de Cartas de Olinda a Alzira
(ilustradas), trabalho de alto mérito literário, filosófico, científico
e moral atribuído ao grande poeta Bocage (Porto, s/d) em que não há uma
mínima referência a Portugal, o que leva à suspeita de que seja uma
tradução.
Para reforçar a suspeição, há um manuscrito na Biblioteca Nacional de
Lisboa (Reservados, códice 10576, fls.81-112) que carrega o extenso
título “Miscelânea Curiosa ou Colecção de diversas Poesias & vários
Autores: a maior parte de Bocage, ou traduções originais; algumas de
J.A.da C. (José Anastácio da Cunha) e outras por autores incertos e que
não conheço; e juntas por José Câncio Ferreira de Lima em Coimbra
(acabado e revisto em Março de 1825)”, no qual se lê que “Cartas de
Olinda a Alzira” foram traduzidas por Bocage de Voltaire (1694-1778). O
problema é que, até hoje, não apareceu o original que seria de Voltaire.
E, portanto, o poema continua a ser aceito como da lavra de Bocage. |
III |
Não se quer dizer que tenha sido esse o
caso de Machado de Assis, mas é provável que o jovem tradutor, que na
época tinha 20 anos de idade, tenha tomado algumas liberdades em relação
ao texto de Hénaux, o que, certamente, ainda oferecerá panos para manga
porque sempre haverá um crítico disposto a mostrar que haveria muito
mais do escritor brasileiro naquela tradução do que do autor francês. Em
outras palavras: quando traduzia, dentro de Machado de Assis, a veia do
escritor seria mais forte que a do tradutor.
Aliás, é o que Massa conclui quando diz na Introdução para Machado de
Assis tradutor: “(...) o confronto entre o ponto de partida (o texto
original) e o ponto de chegada (a versão brasileira) é precioso para
conhecer o nível lingüístico do tradutor-escritor que pode se
metamorfosear em escritor-tradutor”. Mais adiante, ele reforça essa
tese, quando se refere à peça “Hoje avental, amanhã luva”, estudada em A
juventude de Machado de Assis, ao afirmar que, “apesar da referência
explícita a um texto estrangeiro, a contribuição de Machado de Assis é
tamanha que temos diante de nós uma obra repensada senão reescrita”. Em
outras palavras: estaríamos diante de uma co-autoria, uma adaptação ou
uma recriação. Mas, segundo Massa, não seria esse o caso de Queda (...),
que “é pura e simplesmente uma tradução, e nada mais que isso”.
Mas quem vier a ler Queda (...), que é um texto de poucas páginas, na
versão machadiana, com certeza, não vai deixar de constatar que ali já
haveria muito do Machado de Assis escritor, assim como a “Capitu da
praia da Glória já estava dentro da de Matacavalos”. O professor Mauro
Rosso, por exemplo, que promete lançar neste ano pela Editora PUC-Rio/Edições
Loyola Queda que as mulheres têm para os tolos: Machado de Assis, o
subterfúgio, o feminino, a transcendência literária, defende que a obra
de Hénaux serviu de inspiração a Machado para a escrita de sua primeira
peça teatral, de seu primeiro romance e, por fim, de sua obra definitiva
e consagradora, explicando que todos esses textos têm por modelo essa
teoria amorosa, a de que as mulheres dariam preferência aos tolos (ou
aos imbecis) do que aos homens de espírito (os intelectuais).
Rosso, mesmo depois da afirmação de Massa, ainda sustenta ser Queda uma
criação original de Machado “inspirada” na obra De l´amour des femmes
pour les sots, de Hénaux, acrescentando que, em todos os textos do
Machado mais amadurecido, haveria essa ideologia da ambigüidade, pois
todos abordam a questão da escolha que a mulher deve fazer entre um
homem de espírito e um homem sem juízo. Aliás, o reflexo da tese da
"queda pelos tolos" na obra de Machado de Assis foi analisado pela
Eliane Fernanda Cunha Ferreira em sua tese de doutoramento Para traduzir
o século XIX: Machado de Assis, publicada pela Academia Brasileira de
Letras/Annablume Editora em 2004. |
IV |
Diz Massa na segunda parte de Machado de
Assis tradutor que, se nos deixarmos levar pelas aparências, o escritor
conheceria, além do francês, os idiomas inglês e italiano. Mas, na
verdade, as traduções que fazia eram sempre a partir do francês. Aqui
também Bocage serve como contraponto. O poeta setubalense sempre
traduziu do francês, mas há um anúncio da Oficina do Arco do Cego num
livro de 1801 que prometia traduções de Bocage de “edições dos poetas
gregos”, embora não se saiba que tenha algum dia aprendido a língua
grega. Tratava-se, obviamente, de um exagero, uma irresponsabilidade
editorial que seria comum no século XIX.
No caso de Machado de Assis, Massa diz que o tradutor tinha também
conhecimentos do espanhol, além de ler em inglês, o que não significa
que estivesse em condições de se lançar à tarefa de traduzir textos em
inglês. E mostra como exemplo a tradução que fez de Oliver Twist, de
Charles Dickens (1812-1870), cuja versão brasileira segue passo a passo
uma tradução francesa. Desempenhando uma atividade mal remunerada –
aspecto que, aliás, no Brasil de hoje, não mudou muito –, o jovem
Machado, aparentemente, assumia muito trabalho e, às vezes, traduzia a
vôo de pássaro – na maioria, trabalhos encomendados, como peças
teatrais. É ao estudo destes textos que Massa dedica um capítulo de sua
tese complementar.
É de lembrar que o escritor começou a traduzir em 1857, aos 18 anos de
idade, e sua atividade nesse campo continuou até 1894, provavelmente uma
época da sua vida em que, funcionário público bem situado na carreira,
já não precisaria dessa remuneração-extra para manter o orçamento
doméstico. Seja como for, as traduções ocupam um período bastante longo
em sua carreira, como assinala o mestre francês. Seriam 44 traduções,
segundo a Bibliografia de José Galante de Sousa (1913-1986), mas, de
acordo com Massa, o número chegaria a 46, pois o estudioso localizou
ainda uma tradução integrada a uma crônica e uma peça inédita. |
V |
Para quem quiser conhecer Queda (...), na
versão machadiana, é de lembrar que há no mercado duas edições recentes.
Uma é aquela que a Crisálida publicou em 2003, à qual o editor e seu
organizador, Oséias Silas Ferraz, juntou outros textos de Machado: “O
ideal do crítico” (1865), “Literatura Brasileira – instinto de
nacionalidade” (1873), “Elogio da vaidade” (1878), “Teoria do medalhão”
(1882) e o poema “À Carolina” (1906), que o autor dedicou a sua
companheira de toda a vida. De assinalar é que o editor preferiu manter
a grafia da época.
A outra é a edição da Editora da Unicamp lançada no ano passado, com
estabelecimento do texto de Ana Cláudia Suriani da Silva, apresentação
de Élide Valarini Oliver e introdução crítico-filológica de Ana Cláudia
Suriani da Silva e Eliane Fernanda Cunha Ferreira. Nesse livro, Ana
Cláudia e Eliane Fernanda mostram quem foi Hénaux, “um belga, jurista de
profissão, que provavelmente atuava em Liège, dado serem todas as suas
outras publicações relativas a essa cidade”. Elas levantaram que De
l´amour teve repercussão na época de sua publicação na Bélgica, “uma vez
que existem pelo menos quatro edições da obra, duas tendo sido
publicadas num intervalo de apenas um ano”.
Qualquer que seja a escolha, imprescindível é ao leitor conhecer também
Machado de Assis tradutor, de Jean-Michel Massa, não só para saber
pormenores a respeito de sua versão da obra de Hénaux, mas
principalmente para constatar como funcionava o trabalho de tradução do
bruxo do Cosme Velho, sua capacidade e aptidões. Depois disso, só nos
restaria fazer aqui um fecho à imitação de Dom Casmurro. Vamos à segunda
edição de A juventude de Machado de Assis. |
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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br |
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