A notícia da morte do professor Claudio Guillén (1924-2007), na noite de sábado, dia 27 de janeiro, em sua morada em Madri, vítima de problemas cardíacos, entristeceu os hispanistas de todo o mundo. No Brasil, não foi diferente, especialmente entre aqueles que tiveram a oportunidade de privar de sua amizade ou de assistir às aulas que deu entre abril e maio de 1991 na Universidade de São Paulo, quando atuou como professor-visitante do Programa de Pós-Graduação em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana, a convite do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).
Além do curso sobre “Literatura e exílio”, Guillén, com o apoio da Embaixada da Espanha, deu conferências em São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Rio de Janeiro, Niterói e Belo Horizonte. Convidado a participar do 2º Congresso Brasileiro de Hispanistas, realizado na USP em 2002, segundo o professor Mario Miguel González, da FFLCH/USP, não pode comparecer por problemas de saúde. Para o professor González, “a perda de Guillén foi irreparável para todos nós”.
Um dos maiores estudiosos da Literatura no século XX e professor emérito das Universidades de Harvard e Barcelona, Guillén, filho do poeta Jorge Guillén (1893-1984), era membro da Real Academia de la Lengua Española desde 21 de março de 2002. Nasceu em Paris e, depois de mudar-se para a Espanha, partiu para um largo exílio nos Estados Unidos com seu pai, integrante da Geração de 27, uma plêiade de autores que surgiu no panorama cultural espanhol ao redor do ano de 1927, em que se celebrou o tricentenário da morte do poeta barroco Luis de Góngora.
Cláudio Guillén estudou na França e, a partir de 1939, nos Estados Unidos e Canadá. Durante a Segunda Guerra Mundial, alistou-se como voluntário nas forças do general Charles De Gaulle. Como o pai, exerceu a docência em várias universidades norte-americanas, como Princeton, e foi catedrático de Literatura Comparada nas universidades de San Diego (1965-1976) e de Harvard (1978-1987).
Retornou a Espanha em 1982 como catedrático da Universidade Autônoma de Barcelona e, posteriormente, da Universidade Pompeu Fabra, na mesma cidade, dedicando-se também à atividade editorial. Foi ainda professor-visitante em universidades da Alemanha e Itália, entre outros países. Era considerado o decano dos estudos de Literatura Comparada em língua espanhola, tendo deixado numerosos seguidores de sua linha de trabalho tanto na Espanha e países hispano-americanos como no Brasil.
Em 1999, obteve o Prêmio Nacional de Ensaio com o livro Múltiples Moradas. Ensayos de Literatura Comparada (Barcelona, Tusquets, 1998) e, em 2006, conquistou o Prêmio Internacional de Ensaio Caballero Bonald com Entre lo uno y lo diverso: Introducción a la Literatura Comparada: ayer y hoy (Barcelona, Tusquets, 2005), livro que já havia saído em 1985, mas que reformulou e aprofundou duas décadas mais tarde.
Apesar da idade avançada, Guillén mantinha o vigor de seus melhores anos. Ainda na quinta-feira passada, assistira à homenagem da Academia de la Lengua Española ao escritor Francisco Ayala. E acabara de escrever o prólogo "Algunas literariedades de una obra maestra" para uma nova edição de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, que será publicada em março, durante o Congresso Internacional da Língua Espanhola.
O livro A Literatura como Sistema, de Guillén, é considerado uma obra fundamental para os estudos de Literatura Comparada. Saiu inicialmente em inglês, Literatura as System, em 1971, pela Princeton University Press, de New Jersey. Entre os livros mais recentes de Guillén, estão também Teorías de la historia literária (Madri, Austral, 1989) e Entre el saber e el conocer (Valladolid, Universidad de Valladalid, 2001). Entre seus livros, também se destacam El primer Siglo de Oro (1988), El sol de los desterrados (1995) e Europa, ciencia e inconsciencia (1997). Em Portugal, saiu o ensaio “Del canon imposible” na revista O Escritor, de Lisboa, nº 13-14, 1999, pp. 262-266.
Guillén publicou ainda estudos sobre Garcilaso, Quevedo, Julio Caro Baroja, Antonio Machado e outros grandes nomes da literatura espanhola. Um ensaio muito citado de Guillén é “Cervantes y la dialéctica, o el diálogo inacabado”, publicado em Les Cultures ibériques en devenir... Essais...à la Mémoire de Marcel Bataillon, Paris, Fondation Singer-Polignac, 1979.
Embora não o afirme peremptoriamente, foi, com certeza, pensando em Fernando Pessoa (1888-1935) que Guillén optou pelo título Entre lo uno e lo diverso: Introducción a la Literatura Comparada (ayer y hoy). Afinal, nenhum outro poeta como Pessoa, com seus heterônimos e semi-heterônimos, soube sentir tão dramaticamente o diálogo entre o "eu" e os outros, entre o singular e o plural, entre o único e o múltiplo, lo uno y lo diverso.
O livro de Guillén, um perfeito manual de Literatura Comparada, não é uma introdução à investigação da literatura em geral nem uma teoria da literatura. É, isso sim, uma tentativa de compreender os textos, a partir da Literatura Comparada que, como se sabe, se obtivera nos anos 50 e 60 algum prestígio nas universidades européias e norte-americanas, andou em baixa na década de 70, quando o interesse acadêmico voltou-se para a teoria literária, a semiótica e a valorização do texto por si mesmo como preconizava o new criticism.
Por Literatura Comparada, dizia Guillén, deve-se entender certa tendência ou ramo da investigação literária que se ocupa do estudo sistemático de conjuntos supranacionais. Pode-se entender a expressão como a definição para o exame das literaturas de um ponto de vista internacional, comparando-se as tendências que as literaturas nacionais ou regionais seguiram ao longo dos séculos.
Enfim, constitui uma reflexão sobre a história literária, sua configuração, seus condicionamentos, seu perfil temporal e possível sentido. Sem Guillén, esses estudos hão de perder muito, mas, felizmente, o crítico deixa seguidores, que haverão de dar continuidade ao cultivo da Literatura Comparada.
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