Daqui a quatro anos, entre 25 de janeiro e 1º de fevereiro, será
assinalada a passagem do bicentenário da morte do poeta Tomás Antônio
Gonzaga (1744-1810), nascido em Miragaia, no Porto, e falecido na Ilha
de Moçambique, na costa oriental da África. Embora Gonzaga tenha sido um
dos maiores poetas da Língua Portuguesa - capaz de se rivalizar em vida
com Bocage (1765-1805) em citações na Gazeta de Lisboa, embora estivesse
bem longe do Reino -, a levar-se em conta algumas experiências recentes,
não se pode esperar grandes comemorações para a data.
Faz-se este aviso com tanto tempo de antecedência com a esperança de que as forças
vivas da Invicta e, quem sabe, do Estado de Minas Gerais, onde fica a cidade de Ouro
Preto, a antiga Vila Rica, da qual Gonzaga foi ouvidor antes de se envolver na
conjuração mineira de 1789, deixem de lado a indiferença que tem marcado o seu
relacionamento com a figura do autor de Marília de Dirceu, a coleção de poemas
líricos mais popular da Língua Portuguesa, com um número de edições só superado por
Os Lusíadas, de Camões, como assinalou o poeta Manuel Bandeira (1886-1968).
Só um fato dessa envergadura, estivesse em causa um poeta de língua inglesa ou
espanhola, já seria suficientemente forte para que fossem realizadas festividades da
maior repercussão em ambos os lados do Atlântico. Infelizmente...
Seja como for, da direção da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, por
ocasião do Colóquio Internacional Leituras de Bocage nos séculos XVIII-XXI, ao final
de novembro, que marcou o bicentenário da morte do poeta, este historiador literário
trouxe para o Brasil a promessa da realização de um congresso similar em 2010.
Conhecendo-se a garra das docentes da FLUP, sob a direção da Profª.Drª. Maria de
Fátima Marinho, pode-se confiar que pelo menos esse colóquio haverá de ser
realizado.
Também se pode esperar da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Ouro Preto
que, por iniciativa do historiador Luiz Carlos Villalta, venha a dar a sua
contribuição, promovendo colóquio e outros eventos em homenagem ao poeta.
GONZAGA NO SUPERMERCADO
No que respeita a este articulista, já dei a minha contribuição com o livro Gonzaga,
um Poeta do Iluminismo, biografia do vate, a primeira desde que o professor M.
Rodrigues Lapa publicou um ensaio biográfico há mais de meio de século. E que
assinalou o meu doutoramento em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São
Paulo em 1997, sob a orientação do Prof. Dr. Massaud Moisés e com o apoio do Prof.
Dr. Fernando Cristóvão, da Universidade de Lisboa.
Lançado em 1999, pela Editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro, pelo empenho do
poeta Alberto da Costa e Silva, ex-embaixador do Brasil em Portugal e ex-presidente
da Academia Brasileira de Letras, autor do prefácio, não se pode dizer que o livro
tenha constituído um êxito de livrarias, embora tenha sido largamente citado em
ensaios acadêmicos e resenhado em periódicos do Brasil e Portugal.
Nos últimos dias, talvez porque estivesse ocupando espaço em seu depósito, a Nova
Fronteira vendeu o resto da primeira edição, com outros tantos livros encalhados,
para a rede de supermercados Extra, do Grupo Pão de Açúcar. Assim, os exemplares,
que inicialmente custavam R$ 44,00 (16,50 euros) cada, estão sendo liquidados nestes
primeiros dias de 2006 pela bagatela de R$ 9,90 (3,70 euros), em meio a beterrabas,
chuchus, bananas, cocas-colas e bugigangas chinesas. Como as pilhas de livros
decrescem a cada dia, conclui-se que a pouca cultura do povo brasileiro está
diretamente ligada à falta de dinheiro no bolso.
Diante disso, parece claro que a Nova Fronteira não deve estar muito animada a
discutir uma segunda edição. Mas, como detêm os direitos exclusivos para a Língua
Portuguesa, se alguma editora portuguesa quiser aventurar-se a uma edição terá de
chegar a um acordo com a sua congênere carioca, o que, convenhamos, é sempre um
obstáculo a mais.
POUCO ÂNIMO
Aparentemente, porém, nem mesmo a proximidade do bicentenário da morte do poeta
parece animar as editoras portuenses a colocar no mercado a biografia de um ilustre
filho da cidade: pelo menos a Campo das Letras e a Edições Caixotim, ambas do
Porto, já declinaram gentilmente o oferecimento, tendo em conta as atuais
circunstâncias do mercado livreiro em Portugal, sobretudo nas áreas de ensaísmo,
biografia literária etc. Pelo jeito, o bicentenário da morte de Gonzaga passará sem
que sua nova biografia ganhe edição portuguesa.
Aliás, antes da assinatura do contrato com a Nova Fronteira, o original havia sido
aprovado para publicação pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, de Lisboa. Depois,
com o interesse da Nova Fronteira, houve até a possibilidade de uma edição conjunta,
mas a oferta que partiu do Rio de Janeiro não animou a IN-CM, que desistiu de vez.
Em razão disso, em Portugal, quem quiser conhecer o livro terá de consultá-lo na
Biblioteca Pública Municipal do Porto, na Biblioteca Nacional de Lisboa ou na
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra - para onde enviei, à época, exemplares
de minha cota de autor. No Porto, o interessado pode também passar pela Livraria
Nova Fronteira, na Galeria Brasília, na Rotunda da Boavista, que lá, até dois meses
atrás, havia alguns raros exemplares em exposição.
EM BUSCA DA MUSA CLIO
A outra alternativa, mais fácil porque em edição portuguesa, é adquirir o livro
Tomás Gonzaga: Em Busca da Musa Clio, de Danyel Guerra, em que Gonzaga, um Poeta do
Iluminismo está fartamente citado e elogiado. Trata-se de um belíssimo ensaio de um
jornalista brasileiro, nascido em Bangu, no Rio de Janeiro, radicado no Porto e
licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
O principal objetivo desse trabalho de divulgação histórica, segundo seu autor, é
tornar conhecido (e reconhecido) o homem oculto sob o criptônimo Dirceu, antes de
mais, na sua cidade natal. Com isso, por meio de Tomás Gonzaga: Em Busca da Musa
Clio, o autor procura iluminar a história pessoal e evocar a memória dessa figura
tutelar da poesia neoclássica luso-brasileira, cujo estro antecipou o
Pré-Romantismo.
Vivendo há mais de 20 anos no Porto, Guerra surpreendeu-se com o desconhecimento que
o portuense dedica a seu conterrâneo, cuja memória está preservada numa ruela de
Miragaia e numa placa afixada no prédio onde nasceu. "Muitos portuenses julgam-no
nascido em Coimbra ou em Lisboa. (...) Alguns arriscam o Brasil como país natal.
Hipótese que, ainda hoje, é aventada pela maioria dos brasileiros", lamenta-se
Guerra. Não é só. Como lembra Guerra, um autor brasileiro, Júlio José Chiavenato, no
livro Inconfidência Mineira: as várias faces, publicado em 2000, teve a desfaçatez
de admitir que Gonzaga nasceu em Moçambique.
Não é o caso de repetir aqui dados biográficos de poeta, mas apenas lembrar que,
para Guerra, Gonzaga, um Poeta do Iluminismo é um sólido contributo para o que
designa de "processo de dessacralização dos inconfidentes", que, de certa maneira,
foi iniciado pelo historiador inglês radicado nos Estados Unidos Kenneth Maxwell,
autor de A Devassa da Devassa (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977).
Já que elogio em boca própria soa como vitupério, passamos ao leitor a incumbência
de tirar as suas próprias conclusões, inteirando-se cada vez mais da história de
vida e da obra do poeta que sonhou transformar-se no paladino daquela que teria sido
a primeira república da América do Sul.
Sem assumir-se como uma ação investigativa, Tomás Gonzaga: Em Busca da Musa Clio,
segundo seu autor, constitui "um ensaio historizante, a vocação mágica de agir como
um fósforo que, repentinamente aceso, "com´on baby and light my fire" está fadado
para deflagrar um fogo intenso, duradouro e purificador". Que ajude a despertar
instituições públicas e privadas, editoras, universidades e, principalmente,
estudantes para a importância da obra de Gonzaga é também o que esperamos. 2010
logo chega.
|