Vítor Oliveira Jorge

Electri-Cidade - Index

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que?

 

Que quer a mulher?

Quer dançar

Puxando o ardor dos intestinos

Até ao peito

E nesse jeito alçar

Os músculos da canção

Expremer os frutos no ar

 

Que quer a mulher?

Um disparate que está

Em todos os bichos:

Esticar o véu que cobre

Os exageros, esse suor de pêlos

E bigodes e estrelas de fantasia

Nos sovacos.

 

Que transporta a mulher?

A lua curva, com uma ponta na vulva

E a outra no ânus;

E nesse incómodo caminha sempre

Esticando o corpo, julgando que este

Lhe pertence.

 

Que aperta a mulher?

O nosso olhar, que lhe dobra o pé

Esse pé terrível onde começa

A rendição.

A mulher é atravessada por uma cobra,

De alto a baixo.

 

E se a cobra dança, a mulher dança.

E se a cobra dorme, a mulher suplica.

A mulher quer ser libertada

De um suplício que há milênios se tenta

Saber qual é.

 

A mulher pousa sobre a poesia,

Sem que que se possa adivinhar

Qual o significado dessa frase,

Quanto mais do movimento!

 

A mulher posa, pousa, repousa

Sobre a sua ansiedade vertical

De fascinar, torturada desde os intestinos

Pelo frutos do momento.

 

A mulher está colada aos frutos.

A mulher estica os pássaros

Até à lingerie.

A mulher é uma gaiola em movimento

De pássaros presos.

 

Expele licra, lantejoulas, reflexos

Estica a paragem até à máxima altura

Do poste, da cobra que a come por dentro

Saindo ora do ânus, ora da boca, ora da vagina

 

A mulher é um cruzamento de elásticos,

De ligas, uma tessitura de exageros,

Nunca revelando o verdadeiro odor

Da sua intimidade, mesmo quando uma tocha lhe explora

As cavernas profundas do movimento.

 

A mulher é uma parede em que bate

A face enigmática da pergunta.

A mulher estica a pergunta

Demasiadamente, desalmadamente.

 

Num disparate de atavios,

Num despropósito de propósitos.

A mulher é anti-natural.

Abusando das simetrias.

Colocando-se à beira

De abismos, de cloacas, do focinho de bichos

Cheios de pêlos e de suor.

 

A mulher é atravessada verticalmente

Pela cobra, pela parede por onde trepam

As sombras desvairadas, o entornar das córneas.

 

A mulher quer ser sodomizada

Pelos cornos volantes

Da sua própria suspensão, da sua real

Indecisão.

 

Num esticar de licras.

Disparatado.

 

Suplicante.

De quê? Com mil diabos,

De quê?

 

 

homenagem a salvador dali

TriploV, 1.11.2008

Conjunto de 10 poemas para o livro
ELECTRI-CIDADE
(a publicar em 2009)

Vítor Oliveira Jorge. Nasceu em Lisboa em Janeiro de 1948.
Formou-se em História na Faculdade de Letras daquela cidade em 1972.
Desde Setembro de 1974 é docente da Faculdade de Letras do Porto, onde se doutorou em 1982.
Poeta, arquéologo, ensaísta, dirigente associativo, tem tido uma actividade diversificada.