para depois do frio, para o frio que realmente há-de vir
Não compareceste.
Em três raios de luz te pedi.
Em três arcos levantados te pedi.
Em três reflexos te pedi.
Em três janelas rasgadas te pedi.
Em três incisões feitas na pele te pedi.
Em três aves puras que te expedi.
Em três cadeiras te sentei.
Em três cadeiras te alinhei.
Em três hinos, em três palcos,
Te celebrei.
E mesmo assim
Não compareceste.
Em três microfones te ouvi.
Em três órgãos te toquei.
Em três violinos te convoquei.
Em três estofos o meu corpo
Te aguardou, depois de ter arrancado
O meu coração do peito
E de ficar com ele a sangrar
Na mão levantada.
Três pedaços de estuque
Caíram do céu
Antes que soassem os três toques
Que anunciavam o começo
Do meu desfalecimento.
E não compareceste.
Mas a sala iluminou-se toda
Da tua ausência.
Uma, duas, três vezes.
Laudamus te.
Adoramus te.
Glorificamus te.
Na tua gloriosa ausência
Te saúdo, anjo desnudo
Da anunciação.
Até já como mulher te aguardei.
Até já como criança te aguardei.
Até já como servo te aguardei.
Até já como o animal do sacrifício te esperei.
E mesmo assim
Não compareceste.
Oh tu que trazes numa mão
A palma, o lírio,
E na outra o punhal da traição
Mesmo os meus lábios mortos,
Frios
Para a toda a eternidade te esperarão.
Manda entrar os músicos.
Quero acabar ao fim do dia
Rodeado de uma orquestra
De mil violinos, de mil vozes,
Acende cada um dos meus dedos;
Quero senti-los a derreterem-se
Como velas
Celebrando a tua suprema ausência
A traição da tua ausência no próprio momento
Em que mais uma vez
Não compareceste.
No chão liso me rojei
E fui arrastado pelo meu próprio sangue
Por vagas de sangue
Que desceram das três cadeiras
Que para ti
Há tantos anos
Amorosamente postei.
Apartado da segunda pessoa
Tentei os três acordes
Agarrei-me à corda sublime
Que devia ter retirado.
E segurando a minha culpa
Sobre o soalho, quando entraram as tubas,
Coincidindo com o fim do texto
Confundi-me com a luz
Dos três reflexos.
Concluído e inconcluso.
Frio.
Frio.
Frio. Tão frio.
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