a não ser que
assisto às tuas metamorfoses
ao teu ballet
sempre com o mesmo espanto
e indecisão.
arabescos, que quereis de mim?
que pássaros clamam
por detrás das paredes
de onde me olhas,
que florestas, que desertos,
nascem do lado de lá
e se transmutam
constantemente?
há alguma fresta onde eu possa
introduzir a faca,
alguma pele de escamas
que eu possa amanhar,
para ver o que se esconde
debaixo deste cântico,
desta dança interminável?
passos hesitantes de nudez.
que está por dizer?
os teus pés. as tuas mãos.
que há por fazer?
que horizontes se podem abrir aqui,
que espaços para o meu corpo
avançar,
e te enterrar fundo a arma branca,
sim, o gesto único possível
capaz de parar esta música interminável
que vem de detrás das paredes,
este cântico incansável.
estamos talvez em damasco,
e um conjunto de sufis chamam
para a oração,
enquanto tu,
oh impúdica,
chamas para a partilha dos frutos
já tão saboreados e sempre,
sempre
capazes de me deixar aqui
sem saber o que fazer
a não ser aproximar-me
dos teus odores e sabores,
levantar-te as pernas bem alto
e como um bicho lamber-te
empurrado por essa terceira figura
que está sempre por detrás
das paredes, e não sei
se é um palmeiral,
se nele
frutificam as tâmaras,
ou se aí pousam os lacraus negros
que de noite nos cobrem
e embebedem no seu veneno
fatal.
paralisia, eis o que a tua proximidade
me traz, na sua litania de arabesco,
de ventre clamando à oração
da língua, do sexo, puxando-me
para dentro,
talvez para renascer do lado de lá
da parede, não sei se no céu
se no inferno.
maldita sejas, hei-de matar-te a frio,
depois de me entregar total
e incondicionalmente
à tua hábil sucção,
oh libidinosa,
sensual entre todas as mulheres,
ungida dos óleos que te saem
de todos os orifícios,
esticada para a frente da loucura,
como corrente de água
em que o corpo mergulha e
num prazer de fonte
se liquefaz totalmente,
ardendo em febre,
escorrendo pelo suor da tua
epiderme interior.
e sempre este apelo do cântico
em background,
chamando os fiéis,
deve ser em damasco,
deves ser uma dançarina
deve ser o teu ventre, oh portadora
do prazer sem limites
que ergue a realidade alto
como as palmeiras
e as fazes frutificar lá em cima
em tâmaras tensas de polpa e sumo.
devem ser esses os teus passos
hesitantes.
oh imagem indecifrável,
presença terrível e assustadora,
que me deixas a meio
desta indecisão,
a maior de todas,
a do músico que tem de atirar ao chão
todas as suas vestes, e pautas, e alaúdes,
e para ti avançar como se empunhasse
(ou empunhando mesmo)
o mortífero alfanje
que julga que estás pedindo
- a não ser que este encontro seja
um radical mal-entendido,
que ele não seja possível.
que por detrás das paredes
não esteja nada,
apenas efeitos de um delirante
músico velho,
agarrado ao braço do seu alaúde.
|