Vicente Ferreira da Silva:
Não há inconstitucionalidades no Estatuto dos Deputados?

De acordo com o princípio da separação dos poderes, entre os poderes legislativo, executivo e judicial não existe a primazia de algum sobre os restantes, sendo, precisamente, o equilíbrio e o recíproco controlo inerente a esta trilogia de poderes que garante a autonomia e o bom funcionamento do sistema. Consequentemente, não é surpreendente que cada um destes poderes tenha uma função específica e que seja a complementaridade do conjunto dessas funções que defina as prerrogativas e alcances do exercício dos titulares da organização política duma nação e os direitos e deveres fundamentais que assistem todos os cidadãos de um país.

Os textos constitucionais são a nomenclatura por excelência para a sua expressão. É, precisamente, na Constituição da República Portuguesa (CRP) que estão plasmados os direitos e deveres dos cidadãos e, para além disso, também é a CRP que nos indica quais os órgãos de soberania portugueses e a função adstrita a cada um.

Assim, ao usufruírem de direitos, os cidadãos portugueses, tem poderes e, ao terem deveres, responsabilidades. Como podem, então, ser os cidadãos responsabilizados pelas suas acções e opções? São-no civil e criminalmente. Por toda e qualquer infracção que aconteça ou decorra das suas acções.

Por sua vez, ao serem democraticamente eleitos, os representantes do povo nos órgãos de soberania adquirem responsabilidades e poderes acrescidos pois cabe-lhes, em conformidade com a lei, decidir pelo todo da sociedade. No entanto, existem mecanismos que lhes facultam imunidades e irresponsabilidades pelas suas actividades, apesar de serem estas que estabelecem as normas de conduta do Estado e, consequentemente, dos seus cidadãos.

Se for estabelecido um comparativo entre titulares de órgãos de soberania, não é motivo de espanto que um magistrado seja irresponsável pelas sentenças que profere porque não é o juiz quem faz a lei. Apenas a aplica! Mas, muito é de admirar que um deputado tenha imunidade durante o desempenho das suas funções, i.e., enquanto elabora e decide as mesmas leis que determinam o comportamento dos seus concidadãos.

Se este cenário já permite algumas apreciações, quando comparamos a responsabilização exigida aos cidadãos eleitores e aos cidadãos eleitos é que verificamos a sua completa desigualdade. Porque é que aqueles podem ser civil e criminalmente responsabilizados a qualquer altura e estes apenas o serão se determinados parâmetros forem atingidos?

A CRP, através do seu 13º artigo, plasma a igualdade perante a lei. Se tivermos em consideração este principio e o relacionarmos com o Capitulo II do Estatuto dos Deputados, não serão os artigos 10º e 11º deste diploma inconstitucionais?

Não outorga o Estatuto dos Deputados privilégios a 230 cidadãos deste país? Não fere este diploma o principio da igualdade perante a lei?

Se os nossos representantes são pessoas de bem – e partimos do pressuposto que o são – porque é que precisam de imunidades?

O reequacionar de algumas circunstâncias devia ser imediato. Não basta pedir ou exigir determinados comportamentos aos cidadãos. Para tal, é imperativo dar o exemplo.

Vicente Ferreira da Silva nasceu no Porto a 14 de Junho de 1966. Tem formação em Gestão de Transportes e Estudos Europeus.É Auditor de Defesa Nacional e está a ultimar uma tese de doutoramento em Ciência Política e Relações Internacionais na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho.

É membro da Associação Portuguesa de Escritores. Publicou os seguintes livros de poesia: Letras, Palavras e Linhas: Gestos pela

diferença (2005), Metafísica [Poética] (2007) e Interlúdios da Certeza (2009). É autor dos blogues de poesia: do Inatingível e outros Cosmos e In-finito Azul.


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