TITO IGLESIAS
CARLOS AVILEZ, REI MIDAS DO TEATRO LUSO,
E MARIA VIEIRA, INTÉRPRETE EXCEPCIONAL
EM «A BOBA» DE MARIA ESTELA GUEDES
In: Poetas e Trovadores, Guimarães, nº 45, Abril/Junho de 2008

Conheço há longos anos, apesar do meu nomadismo, o cintilante percurso de Avilez em Cascais, Lisboa, e agora no Monte Estoril, onde, em vez de se derrubarem edificações para as transformar em "caixotes", se adaptaram inteligentemente construções emblemáticas, como a escola de equitação do professor Possolo, hoje convertida no Teatro Municipal Mirita Casimiro, onde actua o Teatro Experimental de Cascais. No primeiramente citado recinto equestre, contemplei várias vezes, menino ainda sendo, a senhora condessa de Barcelona, mãe de D. Juan Carlos I de Espanha, cavalgando no seu exílio estorilense.

Mas verdadeiramente mirífica, pode considerar-se a recentíssíma conversão dos sempre claros e harmoniosos "Chalet" Madalena / Residencial Boaventura (em ruínas há lustros), no Conservatório de Música de Cascais e sede da Orquestra de Câmara de Cascais e Oeíras, resultante da sábia e louvável iniciativa do exemplar Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Dr. António d'Orey Capucho.

Mas, voltando a subir ao telhado do título deste artigo, recordo que enverga Carlos Avilez as roupagens de Rei Midas da dramaturgia lusa, pois tudo o que toca é transformado em ouro teatral...

Nos anos iniciais de 1980 assisti, na megalópole brasileira de São Paulo, ao esplendoroso êxito das peças escolhidas por Carlos Avilez, para deliciar a copiosa assistência do Teatro Ruth Escobar. Foram actuações inesquecíveis!

Recentemente acompanhei, no supracitado teatro, o causídico Eduardo Gouveia e sua mulher, a decoradora Maria da Saúde Villar, ela minha amiga da mais tenra juventude na Costa do Estoril, assim como de minhas duas irmãs e de meu falecido irmão mais jovem, no Reino Unido. Íamos apreciar a peça "A BOBA" de Maria Esteia Guedes, escritora por mim quase desconhecida, exceptuando um seu magnífico texto sobre Cruzeiro Seixas e o surrealismo, evidenciando mente e cultura adultas, recebido há poucos meses, de L. Abreu Beirão. Mas admirada já por um meu amigo que fora professor de filosofia chamado António Castilho Borges, também presente. Autora que me impressionou vivamente, pela sua vasta cultura, insólita inovação e cadência teatral.

Finda a exibição, estávamos todos, além de outras dezenas de espectadores, sobre-maravilhados com o longo e eclético desempenho de Maria Vieira - actriz única durante toda a peça! - que até então outros factores temáticos e televisivos nos haviam feito menosprezar a sua impressionante capacidade cénica.

Lamentei que as por mim amadas províncias de Minho e de Trás-os-Montes não viessem a usufruir desta tripla obra-prima de Maria Esteia Guedes, Maria Vieira e Carlos Avilez... E ocorreu-se-me telefonar ao director e proprietário do jornal "Poetas & Trovadores", Dr. João Barroso da Fonte - um verdadeiro agitador cultural - indagando se não haveria na cidade berço um teatro onde pudesse sugerir a Carlos Avilez a exibição desta peça teatral, na qual se declama maviosamente Camões e se cita o inesismo renovador de Agustina Bessa Luis. Esclareceu-me o intelectual nortenho que não, que o Teatro Jordão, em Guimarães, estava encerrado. Dias depois, recebia eu, na caixa do correio, cópia de uma carta da Maria da Saúde, neta aliás do mestre aguarelista Alberto de Sousa, e na juventude conhecida familiarmente pelo nome de Saudinha, que espelha tudo aquilo que todos nós pensávamos e exprimíamos após o cair do pano e a seguir se reproduz:

«Maria Vieira,

Por falta de oportunidade, não lhe escrevi quando queria. Seria no dia a seguir à sua representação genial, no teatro do Monte Estoril "MiritaCasimiro", no dia 18 de Abril passado.

Genial, é a palavra certa para exprimir a minha opinião.

Grande Senhora do Teatro!

Parabéns a esta Maria Vieira.

Eu detestava a outra, e quando me convidaram para ver a "Boba" e me disseram o nome da intérprete, hesitei... Porém, houve am para ver a "Boba" e me disseram o nome da intérprete, hesitei... Porém, houve uma certa curiosidade em ver que tipo de peça seria...

Acontece que desde o "tropeção" do princípio, passando pela ingenuidade, às broncas ditas com tal subtileza que nem se ouviam da mesma maneira, à classe e grande porte e gaiatice, tudo é impecável e de mestra.

- E que memória!

- E as andas?!

Do tirar e pôr dos sapatos, com toda a elegância, é, como nós vemos, nascer uma Rainha! Claro que o texto é, sem dúvida, de arrepiar as "dondocas", mas aí é que está a sua genial interpretação.

Eu não corei e situei-me no tempo rude, apreciando especialmente a sua mímica excelente.

E quando despida, e de cartola, qual "cabaret", nos deu um "show" incrível, tudo foi formidável!

Parabéns, Maria Vieira, continue neste ritmo que é o de uma grande Artista - deixe a mediocridade sem nível; esta é a opinião dn sua nova fã, que lhe deseja todas as maiores felicidades e um grande futuro.

Cumprimento-a.

Maria da Saúde Jardim de Gouveia».

A frustração por não poder convosco partilhar o nosso generalizado encantamento, forçou-me a publicar estas linhas.

Tito Iglesias
(Paço de Arcos - Oeiras, Maio de 2008)

A Boba no TriploV









Tito Iglesias
. Poeta em Português de nacionalidade espanhola, residente em Paço d'Arcos (Lisboa), de teor surrealista, com larga vivência no Brasil. Membro da Academia Brasiliense de Letras.