:::::::::::::::SOARES FEITOSA::::
ANTOLOGIA DE POEMAS
Réquiem em sol da tarde

“Grita, para ver se alguém te responde” (Jó, 5,1)

Sim, 
a porteira do caminho do rio
ainda era a mesma.

A direção do rio também; 
presumo não tenham mudado o rio.

O benjamim, 
disseram, morrera na Seca do 93;
arrancaram-no pelo tronco.

Não replantaram sombra, 
nem pássaro.

O banco de aroeira, 
racharam-no em lenha de fogo;
O curral das vacas,
também racharam-no.

O chiqueiro das ovelhas, 
à esquerda da casa
e o dos bodes, 
à esquerda do das ovelhas,
sumiram todos.

O batente da porta-da-frente, 
e abaixo dele, outro batente,
onde uma pedra,
com um caneco d’água 
lavei os pés,
ainda estão lá,
os batentes;
e nos batentes também estavam
meus rastros em riscos de fogo,
que continuam.

Os canários amarelos, 
os mofumbos florados,
não os vi;
nem Flor...
que também não vi.

Os armadores da rede,
na sala-da-frente, sim, 
estavam no lugar,
outra vez

prontos para rangir.

E daquelas pessoas, 
quando perguntei por elas,
fizeram-me um gesto distante.

Perguntei por mim,
ninguém sabia quem era.

Eu disse:
é um conhecido meu que gostava muito
daqui.

Perguntaram-me quem eu era.

Um amigo — disse —,
e fiz um gesto
ao tempo.

Ficaram sentidos por não saberem
nem de mim, nem do “outro”.

Uma criança pequena começou a gritar, 
lá dentro.

A mãe correu 
para acudir.

Despedi-me 
sem dizer palavra.
 

Salvador, boca da noite, 14.05.1995

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