Tanto se cruzam os caminhos como os paladares. Chegando eu, da primeira vez, aos brancos de Cuba (Alentejo) para mesendar no Lucas, deparo com a sopa de tomate, a melhor que já devorei nas voltas do Alentejo e dei comigo a lembrar-me do caldo de peixe da Cidade Velha, a antiga Ribeira Grande da ilha de Santiago, em Cabo Verde: num tasco sobre a arriba, ao ar livre, com o mar a desinquietar os olhos. Interessa saber que esta Cidade Velha foi a primeira urbe que os portugueses construíram quando desafiaram o mar temeroso para a rota das índias: levaram as gentes ao arquipélago deserto e levaram sabores, que o caldo de peixe que por lá se faz descende de certeza deste modo que achamos pelos alentejos, como a cachupa descende do nosso cozido só que enfarpelado com os produtos que a terra dá por aquelas bandas, tão diferentes dos que por cá colhemos.
Faz-se em Cabo Verde o caldo com a mandioca e o inhame. O bom do Lucas com batata a acrescentar à couve e à cenoura. Já deparei com pimento e nabo também. Mas a base é o caldo de peixe tomatado e ervado, como cabe na maneira própria, alentejana, de cozinhar. De norte a sul, do alto ao baixo Alentejo, podemos dizer que, mais coisa menos coisa, a sopa de tomate é assim: uma sopa de peixe, especialmente corvina. Ainda que também se faça, a norte, com bacalhau ou á falta da corvina se opte pelo cherne, pela garoupa, pela pescada, o que der no jeito. O melhor, sem dúvida, é um peixe de qualidade: a corvina.
Não tem muito que saber: a melhor cozinha do Alentejo é aquela mais simples, sempre com recurso às ervagens do campo, o poejo, o coentro, o oregão. Claro que o requinte exige truques e a sopa de tomate não foge a esta regra, tal como aprendi pelos lados da Orada. Um truque com lógica. Ora, tente-se – comece-se a cozedura pelos vegetais: batata, cenoura, alho, cebola, nabo, pimento. A água absorve-lhes a alma. Depois que se retiram do caldo estes ingredientes é que nele se coze o pescado por forma que lhe passe à carne os sabores da terra. Por fim, cozido e sonegado o peixe à panela, fabrica-se a tomatada que segue à parte para a mesa. No prato de sopa, com pão casqueiro, depositam-se os vegetais e o peixe, bem regados com o espantoso caldo.
Mandam as regras o tempero comedido: sal, logo na primeira fervura. Para quem goste, um fio de azeite abafado na tomatada. Por mim, dispenso. Mesmo que a receita fosse, nos tempos idos, repasto de lavrador, esta sopa de tomate quer-se sem muitos arrebiques. Singela.
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