O golpe de 25 de abril poderá ter evitado a minha
terceira prisão pelo regime ditatorial deposto – vendo aqui o peixe pelo
preço a que o comprei. Não tenho qualquer prova desta acerção, nem vi
nenhum documento em que fazer fidúcia. Apenas mo revelaram pessoas da
então Comissão de Extinção da PIDE-DGS: o meu nome constaria na lista dos
sessenta que seriam detidos no dia 28, no âmbito das chamadas “prisões
preventivas do Primeiro de Maio”. Apenas três dias e o golpe de Estado
evitaram as detenções e que vivesse as masmorras. Tudo indica que a
repressão se preparava para “limpar o terreno” logo que fosse resolvido o
seu sobressalto provocado pelo levantamento militar das Caldas da Rainha:
a minha movimentação nos últimos tempos da ditadura fascista concitava, de
resto, as atenções da repressão. Eu violara todas as regras de defesa.
Tinha regressado às lides literárias após anos de
agitação política. Era um retorno ainda ancorado em motivações
partidárias: reencontrara um companheiro dos anos 60 em cuja “República de
S. Ciro” morara durante alguns dias – o José Antunes Ribeiro, meu
companheiro no “velho” “O Tempo e o Modo”. Antunes fundara, com o Assírio
e o José Carlos Alvim, uma editora - a Assírio & Alvim -, e convidou-me
para com eles colaborar. Do entendimento com os editores nasceu a ideia de
criar uma nova coleção – Raízes do Tempo – da qual me encarregaria. O
primeiro livro foi uma recolha de autores históricos da revolução russa,
já quase pronto em vésperas do 25 de abril: “Reviver Ilich”. Em cima da
hora (abolida a censura, já se podia falar abertamente), tivemos que lhe
mudar o título para “Reviver Lenine”.
De imediato, com a colaboração de uma camarada, a
Piedade Martins, começámos a preparar uma coletânea de textos recolhidos
de antigos “Avante!” e “Militante”, denominada “O 18 de janeiro de 1934”
(documentos sobre a insurreição operária na Marinha Grande), logo seguida
de outra recolha de textos clandestinos dos anos 40, “A Frente Popular
Antifascista em Portugal”. Os materiais de recolha eram provenientes de
duas bibliotecas clandestinas que me chegaram às mãos: o José Alecrim
(antigo “camarada Rosário”) entregou-me uma delas, remetida pela viúva de
Alves Redol e o António Fradique Caldeira fizera-me chegar muitíssima
documentação que, tempos mais tarde, distribuí pela União Comunista, pelo
Carlos Oliveira, pelo Pacheco Pereira e pelo Eduíno Vilar.
Todas essas edições da Assírio & Alvim vieram a
público com a referência autoral de L. H. Afonso Manta, pseudónimo meu que
ganhara algum relevo nas páginas do “Comércio do Funchal”. Com as
publicações, surgiram os problemas na editora: os seus trabalhadores,
incitados pelo responsável da secção de vendas, o Hermínio Monteiro,
seguindo as práticas “revolucionárias” da época, sanearam os acionistas –
foi desse modo que a livraria-editora foi parar às mãos do Hermínio. Hoje,
consta que a empresa estava nessa altura em processo de falência – é o que
oficialmente se conta. Mas disso nunca tive conhecimento enquanto lá
estive, nem tal me transpareceu nas conversas que com o Assírio e o
Antunes mantive durante anos (o Alvim, nunca mais o vi). Nenhum dos
acionistas podia ser considerado “fascista” ou sequer da “direita
política”, antes pelo contrário - o que muito os deixou revoltados.
Assírio e Antunes continuaram editores e livreiros nas empresas que
mantiveram – a Ulmeiro e a Assírio. Diga-se, em abono da verdade, que o
Hermínio, à frente da editora, procedeu a uma profunda transformação sua,
contribuindo muito positivamente para o florescimento da cultura
portuguesa.
A pretexto de que “não se deve pagar ao
estalinista”, deixei de ter qualquer remuneração na editora, pelo que dela
me retirei trazendo comigo grande parte dos exemplares da coleção, que
entreguei à minha organização para os vender em recolha de fundos – caso
para dizer: para “revolucionário”, “revolucionário” e meio, situação que
vi repetida ao longo dos anos seguintes. Tivemos também, Dúlia e eu, uma
efémera colaboração nas Edições 70, dirigidas por outro grande amigo de
antigamente, o João Rafael Nunes.
Entretanto, Dúlia começara a intervir no Sindicato
dos Trabalhadores de Imprensa com o objetivo de nele criar células.
Assaltara a estrutura corporativa – vivia-se a democratização dos
sindicatos, a sua “desfascização”. Reconhecida como antifascista, foi
cooptada para a Comissão Organizadora do Primeiro de Maio de 1974, o que
vinha ao encontro dos nossos interesses: a ala cunhalista, a que
chamávamos “revisionista”, pediu-lhe um discurso para o comício que se
preparava e cujas linhas gerais foram aprovadas, mas censurou-lhe o texto
elaborado, entregando-lhe outro diferente para o ler nesse comício, o que
ela, evidentemente, recusou.
A manifestação do Primeiro de Maio de 1974 foi uma
jornada de enormes dimensões. Colocámo-nos a meio do cortejo saído da
Fonte Luminosa, trazendo atrás de nós sindicatos onde a URML, o PCP-ml e o
MRPP tinham forte influência (Químicos, Ourives, Estivadores, Bancários)
pelo que entrámos no Estádio Primeiro de Maio proclamando palavras de
ordem diversas das que a Comissão pretendia. Enquanto o fôlego nos
consentiu, os nossos gritos percorriam as fileiras; quando nos cansávamos,
os dos cunhalistas vinham ao de cimo. Não se sabia o que se gritava, a
multidão não tinha consciência do que apregoava: se acaso alguém soltasse,
em voz alta, um “viva o Sporting!” ou “viva o Benfica!”, todo o mundo
repetiria. Era o “espírito da época”: o importante era parecer
revolucionário, fosse lá o que isso fosse. A manifestação culminou a
condizer: discursaram os políticos (Mário Soares e Álvaro Cunhal, o que
não estava previsto) e debalde chamaram Dúlia Maia ao microfone para ler o
discurso que lhe impingiram. Chamaram em vão.
Tive então a tarefa de elaborar o primeiro
manifesto pela democratização sindical da chamada esquerda revolucionária.
Nele estavam claros os propósitos – a democratização acima de tudo.
Estrutura de massas, cabia-lhe um caminho próprio, centrado na luta
económica, não tendo por outro objetivo do que “exercitar” os
trabalhadores na luta, esperando-se que, posteriormente, pudessem alcançar
uma “etapa superior”. Essa linha geral veio, mais tarde, a ser considerada
“economicista”, criticada e substituída por uma orientação
intelectualizada contra a qual não tive capacidade para contrariar:
sucumbi às complicadas teses emanadas da direção da UC. Dúlia intuiu que
elas não levavam a nada de concreto, o mesmo acontecendo com a base que
atuava nas empresas e sindicatos. E todo o trabalho sindical então
esboçado se afundou por inconsequente.
Procurei reforçar a intervenção nos jornais, lá
onde era possível. Houve ensaios no “Jornal do Centro” (na Pampilhosa,
onde, com o Carlos Marinheiro, já vinha atuando nos últimos meses da
ditadura) e no “Margem Sul”, de Almada. Com um grupo democratizante
reunido em torno do Carlos Consiglieri, lançámo-nos à efémera aventura do
“Proletário” que desembocou numa tipografia quase artesanal, com uma
impressora offset que o Consiglieri ensaiou perto do Cais do Sodré.
Tentámos fazer dela uma base de apoio à estrutura política que se recusava
a sair da clandestinidade, dado que entendíamos que a democratização
estava longe de se consolidar. Outro erro de análise em que fui
corresponsável: a “clandestinite” entravou inevitavelmente a estruturação
da nossa organização. Lançámos em 1976 também um outro jornal
frentista, o “Luta e Unidade”.
Em fins de 1974, os agentes da PIDE presos
desencadearam um movimento insurrecional na Penitenciária de Lisboa.
Acorri aos protestos contra o movimento dos
pides e redigi um manifesto a
incitar a “caça aos pides”,
estivessem eles onde estivessem: considerava fundamental julgar os crimes
cometidos pela repressão fascista, denunciar os “informadores” da
miserável polícia política salazarista. Acudindo ao movimento contra os
pides insurretos, reencontrei Adelino Gomes que fazia a reportagem
dos acontecimentos para Rádio Clube Português: caímos nos braços um do
outro. Conhecêramo-nos nos anos 60, no Café Riviera, que eu frequentava
(ao pé do Jardim Zoológico): um dos seus familiares, João Gomes, fora meu
camarada no PC. O meu “controleiro” alertara-me que tivesse cuidado com o
Adelino, então na Rádio Universidade. Relacionava-se com indivíduos tidos
como perigosos, caso do Pechirra, da Frente de Estudantes Nacionalistas,
de quem nos anos 80 fui amigo.
Chamaram-me da Comissão de Extinção da PIDE/DGS.
Esperava que me elucidassem sobre a minha prisão em 1967, que
desmascarassem o informador ao serviço da PIDE (embora, para mim, isso não
fosse mistério). Mas não! Apenas queriam que me “vestisse de herói”,
relatasse torturas havidas na PIDE, que denunciasse os seus agentes, como
se tal fosse ainda necessário. A diligência irritou-me. Resolvi retorquir
e desafiar: “não vim aqui para reclamar heroísmos. Quem o quiser, que
vista essa farpela. Querem que eu aponte nomes? Então, tenho apenas que
falar em defesa do ex-inspetor Tinoco que, em 1973, quando fui preso pela
segunda vez, me tratou como um gentleman”. O funcionário às ordens da Comissão de Extinção
embatucou. E nunca mais me chamaram.
O encontro com Adelino Gomes reatou uma amizade
que, apesar de incidentes vários, deveria perdurar e dar frutos. Foi um
dos reencontros que os novos tempo me trouxeram. Outro foi com Francisco
Martins Rodrigues, um dos últimos a ser libertados do Forte de Peniche
onde (ódios velhos não cansam) o queriam continuar a reter, juntamente com
os outros dirigentes do CMLP (também João Pulido Valente e Rui d’Espiney)
a pretexto de que, nos anos 70, tinham morto um
pide: histórias do post-abril
que alguns pretendem apagar da memória e envergonhadamente silenciam.
Quando regressou à liberdade, Martins Rodrigues,
com o propósito de procurar unificar os grupos maoístas que estavam
dispersos, procurou-me. E terá ficado desgostado com o facto de, em
contradição com o que havíamos acordado, também eu resvalara para o
sectarismo. Procurou retomar as bandeiras que tínhamos em comum: a
independência das colónias era uma delas. Nasceu assim a Unidade
Anticolonial, a UAC: juntavam-se três ou quatro organizações, a UC entre
elas. A residência de Ana Maria Barradas, a Campo de Ourique, serviu de
base para algumas reuniões: uma tarde, em busca de casa de banho, entrei
na cozinha e dei de caras com o Henrique Neto, também acabado de libertar
de Peniche, e outros angolanos que faziam um encontro à parte. Depreendi
mais tarde que preparavam o seu regresso a Angola, onde se terão junto à
“Revolta Ativa”, uma das dissidências no MPLA, pondo em causa o poder
absoluto de Agostinho Neto.
Oficialmente, a UAC não tomava partido por nenhuma
das fações nacionalistas africanas, não se imiscuía nos assuntos internos
dos novos países: competia aos povos africanos decidirem o que fazer e
como fazer e à esquerda portuguesa somente o auxiliá-los. Mas óbvio era
que preferíamos que as correntes anti soviéticas (pelo menos, naquele
momento) tomassem a dianteira: a “Revolta Ativa” e a UNITA mereciam as
nossas preferências. Com diversos comunicados, que “oleavam” as
organizações maoístas portuguesas e encaminhando-as para um primeiro
embrião de unidade a partir do nascido CARP-ML (de uma rotura no CML de P
e a que, de certo modo, estiveram ligados Francisco Martins Rodrigues, os
Espiney e… Manuel Quirós), se marchou para as independências das
ex-colónias, perturbadas com os acontecimentos em Angola. O MPLA de
Agostinho Neto, fragilizado pelas dissidências da “Revolta Leste” e da
“Revolta Ativa” e pelas oposições armadas da FNLA e UNITA, a que se
juntaram os invasores sul-africanos, optou pela declaração da
independência unilateral, o que, na nossa opinião, mergulharia aquele país
numa sangrenta guerra civil e no drama dos chamados “retornados”,
colocando-o nas garras dos soviéticos.
Face a tais previsíveis ameaças nasceu um
“movimento contra a independência unilateral de Angola”, iniciativa da UC
que aglutinou o PCP-ML, também o CML de P, a Juventude Social-Democrata
(representada pelo Pedro Rebelo de Sousa) e a UNITA (estava para o efeito
destacado o Alexandre Riscado). Os acontecimentos do “Processo
Revolucionário em Curso”, o PREC, precipitavam-se.
Para quantos alinhavam na UC (nisto eram
coincidentes com PCP-ML, o CML de P e mesmo o MRPP), o inimigo principal a
combater naquele momento em Portugal seria o PCP, por nós apelidado de
“revisionista” e “social-fascista”: intentava a conquista do poder e era o
melhor estruturado para o efeito (ainda não houvera eleições democráticas
em Portugal), beneficiando de uma poderosa máquina de propaganda, do forte
apoio da União Soviética e da falta de esclarecimento político de grande
parte das massas populares. A posição face ao PC dividia claramente a
esquerda revolucionária em duas fações antagónicas. Quanto a mim, a
chamada manifestação da “maioria silenciosa” evidenciara que estava em
marcha um processo profundamente antidemocrático: estivera na barricada de
Sacavém, às portas de Lisboa, para impedir a “entrada” na capital da
“maioria silenciosa”. Vira que, contrariamente ao que foi noticiado em “O
Século” (controlado pelo PC), não fora detetada alguma carrinha funerária
carregada de armas: se tal carrinha e essas armas tivessem existido, não
faltariam fotografias, filmagens, enfim, imagens em catadupa. Quando
protestei contra as notícias, tive resposta que me embasbacou:
“necessidades da propaganda”. Lembrei-lhes Lenine: “só a verdade é
revolucionária”. Virei as costas e bati com a porta.
Fora um golpe profundo nas minhas convicções. Foi
nesse ambiente que o PCP começou a tomar conta dos jornais. O precente
fora “O Primeiro de Janeiro”, depois o “Diário de Notícias”. Seguiu-se “O
Século”: os anti cunhalistas resolveram abandoná-lo em grupo, lançar uma
edição independente e a redação do jornal ficou ocupada pela fação do PC.
Organizou-se uma manifestação contra “O Século” ocupado, onde me integrei
juntamente com o Pedro Martins e outros camaradas. Quando passei em frente
do jornal vi que uma mole de militantes do PC a protegia e que nela
estavam nem mais nem menos que o meu pai e a minha madrasta (as voltas que
o mundo dá!: porventura, convencidos de que eu era militante do partido de
Álvaro Cunhal, tinham a ele aderido. Como lhes explicar as coisas?). Com a
carga da Polícia Militar, tivemos que nos retirar: fugi para as bandas das
traseiras do que é hoje a Fundação Mário Soares e, abrigando-nos nas
portas das casas, sentimos as balas passarem em volta.
Nessa época, a UC arrendara instalações na Rua do
Ferragial, que serviam de redação de “A Classe Operária”, jornal de que eu
era o principal escriba, impresso pelo Joaquim Dias, tipógrafo de “O
República”. Uma noite, vieram-me informar que “O República” fora ocupado e
que o Joaquim Dias estava entre os ocupantes. Corri para o jornal e mandei
chamar o Dias. “O que estás a fazer? Acabas de participar num golpe
preparado pelo PC”. Que não, explicou-me ele. Os comunistas tinham-se
retirado dias antes em bloco do jornal e tornaram esse facto público para
que não houvesse dúvidas (pelos vistos, perceberam o que se preparava):
quando o Belo Marques chegara à tipografia do jornal anunciar que “O
República” estava em risco, que não havia dinheiro, iniciando assim a
revolta e a ocupação, não estava lá ninguém identificado com o PC. Os
factos comprovavam que o PCP apenas servia de passa-culpas.
Perante os factos, dei indicações para que o Dias
se mantivesse entre os ocupantes e introduzisse um homem nosso na futura
redação – foi o João Marques de Almeida o escolhido. Entretanto, criou-se
uma redação ocupante onde estavam nomes ligados ao CARP (como o Alexandre
Alhinho de Oliveira), aos grupos trotskistas e quejandos. Passei à busca
de soluções para “O República”, com apoio da Natália Correia, em cuja casa
houve reuniões – com o chamado “Grupo dos Nove” do MFA e mesmo com
Francisco Sá Carneiro. Percebendo o que se estava a passar, nenhum deles
quis “queimar as mãos” com este caso.
Estava à vista o desenlace do que foi o PREC
(Processo Revolucionário em Curso) e os acontecimentos firmavam-me no
campo democrático, cada vez mais afastado da esquerda revolucionária.
Preparámos uma entrevista com o coronel Vasco Lourenço que quase seria uma
espécie de “bomba” lançada em terreno inimigo: planeado isto, o Marques de
Almeida gravou a entrevista, eu tirei-a do gravador e introduzimo-la no
jornal através da tipografia, à revelia da redação ocupante. A sua edição
quase coincidiu com o contragolpe do 25 de novembro.
Não teve todas as repercussões que esperávamos a
entrevista com Vasco Lourenço porque, entretanto, estava em marcha a
insurreição dos paraquedistas e do RALIS, o que deveria ser o assalto
final ao poder. De imediato se preparou a resistência em volta do Grupo
dos Nove: João Marques de Almeida, Dúlia e eu, juntamente com o tenente
Frederico, fomos voluntários para uma rede para recolha de informações
que, à pressa, se montou. Marques de Almeida, a pretexto de que era
redator de “O República”, conseguiu introduzir-se no RALIS, ao pé do
Aeroporto de Lisboa, e desse modo tivemos a certeza de que as tropas ali
acantonadas se não oporiam aos “comandos” quando contra este
aquartelamento fossem enviadas. Chegara-nos a notícia de que a base aérea
do Montijo, tomada pelos paraquedistas insurretos, se rendera. Os quatro
(Dúlia, Marques de Almeida e eu), num carro do Estado conduzido pelo
Frederico, de imediato para lá nos dirigimos. Era rebate falso.
Conseguimos fugir a tempo.
O contragolpe comandado por Jaime Neves venceu. O
PREC chegou ao fim e, em democracia, pudemos avançar para as primeiras
eleições livres em Portugal. Os factos fizeram que, sem dramas de maior,
sem roturas, eu me afastasse da UC e dos conceitos maoístas, principiando
uma nova etapa da minha vida, com ingresso no jornalismo profissional e o
regresso às lides literárias. Nos últimos dias, houvera uma tentativa de
infiltração de um “guerrilheiro do Cristo Rei” (extremíssima direita
espanhola): um camarada em Lisboa do Partido del Trabajo (organização
maoísta de Espanha) revelou-nos os pormenores. Fui encarregado de o abater
e quis levá-lo uma noite para a Margem Sul para casa de um camarada. O
infiltrado percebeu a tempo e escapou.
Nos dias imediatos à derrota dos insurretos,
reuni-me com Igrejas Caeiro, então deputado do PS: propus-lhe o regresso
de Raul Rego a “O República”, com a condição de não haver despedimentos
nem represálias de qualquer espécie. Se necessário, Raúl Rego entraria no
jornal aos ombros dos trabalhadores. Disse que me daria resposta em 48
horas. Raúl Rego recusou-o – segundo o que Igrejas Caeiro me narrou, o PS
sempre esteve minuciosamente informado de quanto se passava dentro do
jornal e sabia que a resistência dos tipógrafos não podia durar muito mais
tempo.
Da campanha de angariação de fundos para a
aquisição de uma nova rotativa para “O República”, lançada ainda durante o
fascismo (e de que se constatou ter sido alvo de um desfalque dias antes
da ocupação do jornal) nunca mais se falou. E o desfalque nunca foi
desmentido.
Nuno Rebocho
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