Fui a tua casa, Federico Garcia. Mas tu não
estavas,
nem o Horto era o que então havia. A porta fechada
escondia lendas vendidas com sobranceria. Tu não
estavas, Garcia, só o cicerone da casa que não tiveste
enquanto vagueavas em busca da tua morte, mesmo
a que não querias. A tua casa, Federico, não é a tua
casa: é uma porta por onde se entra para um vão de
escada e uma escada por onde se trepa até aos silêncios.
Granada nada sabe dos sortilégios nem por onde rumam
rotos de mortes, nem por onde sonham despidos
de mágoas. A tua casa, Garcia, já é branca e os curiosos
enfilam-se à porta com senhas nas mãos: matam-te
todos os dias, salvo nos de descanso. E às cinco da tarde
respeitam-te. Valem outras balas estas bulas de ironia
a cem pélas por visita, Federico Garcia. E os touros
que então havia e matavam como lhes cabia são agora
mansos ou embolados ou enojados. Crescem no Horto
nem nardos, nem cardos - só flores sem fantasia.
Fui a tua casa, Federico Garcia. Mas tu não estavas.
Os cicerones levavam-te para outra morte
em grupos de cinco. E cobravam a entrada. |
Nuno Rebocho - Nascido em 1945, em Queluz (Portugal), viveu em Moçambique desde os três meses de idade até 1962. Jornalista, poeta e andarilho – bastou-lhe ter estado preso por cinco anos na Cadeia do Forte de Peniche (por cinco anos, motivos políticos), para recusar ser animal sedentário. Viveu a imprensa regional (Notícias da Amadora, Jornal de Sintra, Aponte, A Nossa Terra, Jornal da Costa do Sol, Comércio do Funchal, entre outros), foi redactor da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, das revistas O Tempo e O Modo e Vida Mundial, em diferentes diários e semanários, e é chefe de redacção da Antena 2 da RDP. Colaborador de Acontece en Sorocaba (Brasil) e Liberal (Cabo Verde). Autor de “Breviário de João Crisóstomo”, “Uagudugu”, “Memórias de Paisagem”, “Invasão do Corpo”, “Manifesto (Pu)lítico”, “Santo Apollinaire, meu santo”, “A Nau da India”, “A Arte de Matar”, “Cantos Cantábricos”, “Poemas do Calendário”, “Manual de Boas Maneiras”, “A Arte das Putas” (poesia), “Estórias de Gente” (crónicas), “O 18 de Janeiro de 1934”, “A Frente Popular Antifascista em Portugal”, “A Companhia dos Braçais do Bacalhau” (investigação histórica), está representado em diversas antologias e colectâneas em Portugal, Espanha e Brasil. Tem colaborado em catálogos para exposições de artes plásticas: Ramón Catalan, Deolinda, Carlos Eirão, Alfredo Luz, Edgardo Xavier, João Alfaro, Maria José Vieira, Ricardo Gigante, Ana Horta, Isabel Teixeira de Sousa, Nuno Medeiros, Viana Baptista, Teresa Ribeiro, Rico Sequeira, João Ribeiro, José Manuel Man... Comissariou a Bienal do Mediterrâneo, Dubrovnik (Croácia), em 1999. |