Que desgraça, meu Deus!
Tenho a Ilíada aberta à minha frente,
Tenho a memória cheia de poemas,
Tenho os versos que fiz,
E todo o santo dia me rasguei
À procura não sei
De que palavra, síntese ou imagem!
Desço dentro de mim, olho a paisagem,
Analiso o que sou, penso o que vejo,
E sempre o mesmo trágico desejo
De dar outra expressão ao que foi dito!
Sempre a mesma vontade de gritar,
Embora de antemão a duvidar
Da exactidão e força desse grito.
Mudo, mesmo se falo, e mudo ainda
Na voz dos outros, todo eu me afogo
Neste mar de silêncio, íntima noite
Sem madrugada.
Silêncio de criança que ficasse
Toda a vida criança,
E nunca conseguisse semelhança
Entre o pavor e o pranto que chorasse.
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