MARCO AQUEIVA::::..........:

Nós em torno de Antero e Lobato

Até há pouco os ideais marchavam à frente, e muitos de nós os perseguíamos como costumam os cães fazer. Os ideais eram sólidos e palpáveis, e não nos queixamos do médico que nos curou da loucura. Temos tantas razões hoje para recusarmos os grandes ideais que suspeito ser esta a razão de sermos indiferentes à história e, pior, tristemente liberados de toda obrigação para com ela, se obviamente isso fosse possível.

Quando os traficantes de penas e essências chegam dia a dia à fortaleza da selva amazônica trazendo notícias de comércio e violência, carregando arranha-céus dentro de valises, os altíssimos lucros não bastariam para devolver a muitos de nós as velhas crenças? E aí mano, o que que tá pegano? Os ideais não se reencantam novamente nas bocas dourando a existência para um real que não fosse só vaidade. De que tu estás a falar, ô gajo?

Cada um de nós pensa ser tantos que mal cabemos em nossa subjetividade autoafirmativa de quereres e (a)fazeres. No limite, muitas vezes se experimenta tanta multiplicidade e fragmentação que à aceitação do diferente não corresponde um lastro de sanidade. Nacionalismos extremados e radicalismos de direita estão na ordem do dia na Europa. Homofobia e misantropia de fundo patológico ganham prestígio nas redes de relacionamento na internet. Mas, cara, aqui não é Europa!

Arianos típicos (segundo as representações astrológicas), coragem e heroísmo impulsionaram suas vidas. Intelectos avantajados pelo estudo, homens de aguda consciência política e militância. Cada um em seu tempo e lugar de atuação foi intelectual engajado na causa nacionalista. (Não, meus caros, penso que identidade e nacionalismo não necessariamente são algo pernicioso.) Ambos homens públicos influentes que compartilharam o fogo e o espírito prometeico. Combativos extremados, titãs solitários: o português Antero de Quental e o brasileiro Monteiro Lobato. Ambos nascidos a 18 de abril, data instituída aqui como Dia Nacional do Livro Infantil. E...

... em tempos de web, a literatura não tem absolutamente custo algum. Sem nem ao menos gastamos caneta e papel, publicar hoje custa o preço do pensamento. Zero. Mas publicar o quê? Nossas dores subterrâneas de fundo literário? Nossas, o quê? A literatura não pode ser compartilhada se não recuperarmos o sentido de valores comuns? Como é que é? A literatura só pode nos salvar do silêncio? E...

... a literatura é um complexo de palavras com foros de impasse. O século XX não acabou. O XIX é aquele cadáver ignorado no armário que as midiáticas atenções vez ou outra iluminam. Carandiru, Vigário Geral, Realengo não deixam dúvidas? Um país se faz com homens e livros, disse um. O outro: – Não vos queixeis, ó filhos da ansiedade, // Que eu mesmo, desde toda a eternidade, // Também me busco a mim... sem me encontrar.

Vale a pena lê-los, ou esquecê-los?

Marco Aqueiva, poeta, autor de Neste embrulho de nós (Scortecci, 2005), vencedor do III Prêmio Literário Livraria Asabeça, é professor de literaturas brasileira e portuguesa no ensino superior. É o idealizador, editor e administrador do Projeto Valise 2008 no endereço http://aqueiva.wordpress.com/