Até há pouco os ideais marchavam à
frente, e muitos de nós os perseguíamos como costumam os cães fazer. Os
ideais eram sólidos e palpáveis, e não nos queixamos do médico que nos
curou da loucura. Temos tantas razões hoje para recusarmos os grandes
ideais que suspeito ser esta a razão de sermos indiferentes à história
e, pior, tristemente liberados de toda obrigação para com ela, se
obviamente isso fosse possível.
Quando os traficantes de penas e
essências chegam dia a dia à fortaleza da selva amazônica trazendo
notícias de comércio e violência, carregando arranha-céus dentro de
valises, os altíssimos lucros não bastariam para devolver a muitos de
nós as velhas crenças? E aí mano, o que que tá pegano? Os ideais não se
reencantam novamente nas bocas dourando a existência para um real que
não fosse só vaidade. De que tu estás a falar, ô gajo?
Cada um de nós pensa ser tantos
que mal cabemos em nossa subjetividade autoafirmativa de quereres e
(a)fazeres. No limite, muitas vezes se experimenta tanta multiplicidade
e fragmentação que à aceitação do diferente não corresponde um lastro de
sanidade. Nacionalismos extremados e radicalismos de direita estão na
ordem do dia na Europa. Homofobia e misantropia de fundo patológico
ganham prestígio nas redes de relacionamento na internet. Mas, cara,
aqui não é Europa!
Arianos típicos (segundo as
representações astrológicas), coragem e heroísmo impulsionaram suas
vidas. Intelectos avantajados pelo estudo, homens de aguda consciência
política e militância. Cada um em seu tempo e lugar de atuação foi
intelectual engajado na causa nacionalista. (Não, meus caros, penso que
identidade e nacionalismo não necessariamente são algo pernicioso.)
Ambos homens públicos influentes que compartilharam o fogo e o espírito
prometeico. Combativos extremados, titãs solitários: o português
Antero de Quental e o brasileiro
Monteiro Lobato. Ambos
nascidos a 18 de abril, data instituída aqui como Dia
Nacional do Livro Infantil. E...
... em tempos de web, a literatura
não tem absolutamente custo algum. Sem nem ao menos gastamos caneta e
papel, publicar hoje custa o preço do pensamento. Zero. Mas publicar o
quê? Nossas dores subterrâneas de fundo literário? Nossas, o quê? A
literatura não pode ser compartilhada se não recuperarmos o sentido de
valores comuns? Como é que é? A literatura só pode nos salvar do
silêncio? E...
... a literatura é um complexo de
palavras com foros de impasse. O século XX não acabou. O XIX é aquele
cadáver ignorado no armário que as midiáticas atenções vez ou outra
iluminam. Carandiru, Vigário Geral, Realengo não deixam dúvidas? Um país
se faz com homens e livros, disse um. O outro: – Não vos queixeis, ó
filhos da ansiedade, // Que eu mesmo, desde toda a eternidade, // Também
me busco a mim... sem me encontrar.
Vale a pena lê-los, ou
esquecê-los? |
Marco Aqueiva, poeta, autor de Neste embrulho de nós (Scortecci, 2005), vencedor do III Prêmio Literário Livraria Asabeça, é professor de literaturas brasileira e portuguesa no ensino superior. É o idealizador, editor e administrador do Projeto Valise 2008 no endereço http://aqueiva.wordpress.com/ |