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Bilhete postal para Serafim Ferreira |
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Cada vez sobra menos
gente, palavras de Maria Estela Guedes a propósito de um recente
desaparecido ilustre, que faço minhas perante a notícia que tardiamente
me chegou via Internet da morte de Serafim Ferreira, um escritor da
minha geração, no primeiro trimestre deste ano de 2015. Há muitas
maneiras de recordar o Serafim: o crítico literário, o editor, o
ficcionista, o agitador cultural, a sua controversa opção política
quando nada na sua história pessoal faria prever o rumo que tomou, sem
todavia abdicar das suas amizades e referências (Vergílio Ferreira,
Almeida Faria, Herberto Helder e José Marmelo e Silva, entre outros). Eu
prefiro lembrá-lo como principal crítico da página literária do Jornal
de Notícias quando comecei a colaborar nesse diário, nos anos sessenta,
convizinhando a intensa atenção por ele dedicada à literatura portuguesa
e ao merecido destaque que ao seu nome e aos seus textos era conferido
pelo responsável da página, Nuno Teixeira Neves.
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Em certo sentido,
Serafim Ferreira era a réplica nortenha do lisboeta João Gaspar
Simões enquanto presenças constantes e interventoras na cena
literária doméstica, e não raro as suas opiniões sibilinas
exasperaram alguns monstros sagrados do neo-realismo ou
aparentados, dos quais recolheu a sua ração de ódio e vindicta.
Em Lisboa, todavia, Serafim Ferreira pontificaria
como editor ao leme da Ulisseia, e sob a sua orientação foram
publicadas algumas obras chave da cultura europeia: lembro
As Obras Completas de
Sally Mara, de Raymond Queneau, um portento de ironia e
divertimento que nessa sorumbática época foi uma corrente de ar
fresco na sisuda compostura dominante, e
O Pássaro Pintado, do
polaco naturalizado norte-americano Jerzy Kosinski (edição do
final dos anos sessenta apreendida pela Pide) a propósito de
cuja morte se escreveu num jornal tratar-se de escritor de
notável craveira jamais editado em Portugal. |
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Do ficcionista
Serafim Fereira, retenho um livro que na altura não mereceu particular
destaque porque outra era a tendência em voga mas que viria a preceder
Saramago no trato solto da
sintaxe: Litoral do Espanto.
Dele guardo três
críticas a livros meus que lhe mereceram especial simpatia:
As Pessoas de Minha Casa,
Era a Revolução e
Desaparecido no Salon du Livre.
Sobre este último escreveu: “[…] receio pelos amargos de boca que te
esperam. O meio é pequeno e a gente dele não é grande.”
Acertaste na
mouche, como sempre.
O que mais posso
fazer, caro Serafim, senão envolver a memória de ti num grato abraço de
despedida?
S. João do
Estoril, 30 de Julho de 2015
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Júlio Conrado. Ficcionista, ensaísta, poeta . Olhão, 26.11.1936 . Publicou o primeiro livro de ficção em 1963 e o primeiro ensaio na imprensa de âmbito nacional em 1965 (Diário de Lisboa). Exerceu a crítica literária em vários jornais diários de referência e em jornais e revistas especializados como Colóquio Letras, Jornal de Letras e Vida Mundial. Participação em colóquios e congressos internacionais. Participação como jurado nos principais prémios literários portugueses. Membro da Associação Portuguesa de Escritores, Associação Internacional dos Críticos Literários, Associação Portuguesa dos Críticos Literários e Pen Clube Português. A sua obra ensaística, ficcional e poética está reunida numa vintena de livros. Alguns livros e ensaios foram traduzidos em francês, alemão, húngaro e inglês.
Ver bio-bibliografia alargada em:
http://penclube.no.sapo.pt/pen_portugues/socios/julio_conrado.htm
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