Os escritores da minha geração estão a despedir-se.
Desta vez foi Maria Isabel Barreno, para muitos uma das célebres “Três
Marias” das Novas Cartas Portuguesas que escreveu com Maria Velho da Costa e
Maria Teresa Horta, para mim isso mais a notável autora de
Crónica do Tempo, quem acrescentou o número daqueles que “por obras
valerosas se vão da lei da morte libertando” (verso e épico sempre muito
recordados nestas ocasiões).
Não fui um estudioso da obra de Maria Isabel Barreno, apenas um
contemporâneo atento a vários dos seus trabalhos. Quis porém o acaso
que, por indicação do Centro Português da Associação Internacional dos
Críticos Literários, eu tivesse feito parte do júri do Prémio Fernando
Namora, de 1991, criado pelo Casino Estoril para homenagear a memória do
romancista de Domingo à Tarde,
prémio que ainda subsiste, tendo aparecido a concurso um livro
intitulado Crónica do Tempo ao
qual eu já dedicara um comentário crítico no
Jornal de Letras. Era então
supervisor do Prémio e membro do júri pela entidade promotora, Nuno Lima
de Carvalho.
Bati-me energicamente pelo livro e a sua consagração como obra vencedora
fez-se por unanimidade. Nem o júri era frouxo, nem a concorrência fraca.
Basta referir que estavam a concurso obras de José Saramago (História
do Cerco de Lisboa), Teolinda Gersão (O
Cavalo de Sol), Fernanda Botelho (Festa
em casa de Flores) e Mário Cláudio (Quinta
das Virtudes), isto é, a nata da literatura portuguesa da época.
Dois ilustres escritores estrangeiros assistiram à cerimónia de entrega
do prémio: Jorge Amado e sua mulher Zélia Gattai.
Creio que só voltei a cruzar-me com Maria Isabel Barreno no ano 2000, no
Salon du Livre, em Paris. Teve então a amabilidade de me citar no
folheto de apresentação da sua biobibliografia. Uma senhora.
Deixou-nos a 3 de Setembro.
É curioso observar a desenvoltura (para não dizer leviandade) com que
MIB foi rotulada de feminista por alguns dos especialistas que lhe
redigiram o obituário. Respigo de uma entrevista que a escritora me deu
para o Jornal de Letras,
publicada em 7/4/1992, algumas frases alusivas ao que ela pensava sobre
a matéria:
“Fiquei associada ao feminismo a partir de
Novas Cartas […] e com a
adesão a movimentos que apareceram depois, embora, como lhe disse, eu
não seja muito grupal.”
“Os grupos reduzem sempre as coisas. Tenho a certeza de que eles são
necessários mas julgo que o mundo é mundo na medida em que as pessoas se
completam umas às outras.”
“Umas pessoas têm jeito para grupos e outras não.”
“Eu, nos grupos, acabo sempre por achar que há coisas que são redutoras,
que há comportamentos que não me interessam, que há tricas internas a
mais, de modo que tenho muitas dificuldades em me integrar neles.
Acompanhei de perto esses grupos, mas nunca fui membro a
tempo inteiro.”
“Também A Morte da Mãe levou as pessoas a conotarem-me com o feminismo […] A
minha ficção dessa fase andou sempre pela zona do irreal.”
“Chão
Salgado
é uma metáfora relativamente a espaços que ficaram desertos e ninguém
visita […] E assim regresso à literatura de tipo fantástico.”
Já agora o título da entrevista, a propósito da publicação de
Chão Salgado, o livro que se
seguiu a Crónica do Tempo:
“Maria Isabel Barreno entre o realismo e o fantástico.”
Talvez este “Bilhete Postal” ajude alguém a corrigir ideias feitas
recicladas em comentários apressados.
RECTIFICAÇÃO
No “Bilhete Postal” em que evoquei a figura de Serafim Ferreira consta
uma inexactidão. Esclarece Liberto Cruz ter sido ele e não o autor de
Litoral do Espanto, o
responsável pela proposta de edição de
O Pássaro Pintado, de Jerzy Kosinski, pela Ulisseia. Liberto
precedeu Serafim como director literário da editora. O seu a seu dono.
Agradeço a Liberto Cruz a sua pertinente
informação.
Júlio Conrado
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