JÚLIO CONRADO.
A AVENÇA

Nos jogos de silêncio envenenado

que frequentam os bastidores da Glória

um certo escritor assinalado

foi sumariamente banido da História.

 

Morreste! – decretou o juiz de turno

detentor da verdade sobre a verdade

de quem é la crême de la crème

no jardim à beira-mar plantado

encomendando antes do instante aprazado

por procuração da própria Eternidade

o caixão do escriba taciturno.

- Dá de frosque, lítere moribundo!

 

O sujeito em questão deveras admirado

ao ser tido por escritor defeituoso

na palavra sobre a palavra

de juiz tão pouco escrupuloso

quanto à garantia

de quem vai e quem não vai ficar

 

E não sendo por acaso, ela, vítima,

do género choramingas

mas ao contrário um tipo atreito a pôr em sentido

qualquer ladrão das migalhas de Glória

por direito suas

 

Fingiu colaborar no funeral

tendo por único fito tramar

o juiz troca-tintas atarefadíssimo

a mandá-lo desta para melhor

prematuramente, na maior das calmas.

 

E quando o juiz, lui-même, se preparava

para fazer descer a tampa do caixão

(sobre o outro a mimar o rigor-mortis sem a menor falha,

debaixo da mortalha)

dando por concluído mais um crime perfeito

com a naturalidade do carrasco

que escarafuncha o pão nos açougues da Lei

 

o escritor assinalado pensou,

porra, o que é de mais cheira mal.

Soerguendo-se até ao ângulo recto

recitou o poema de um só verso

acompanhado do clássico gesto maquinal:

 

TOMA!

 

O juiz de turno, perplexo e atarantado

desistiu logo de fechar o caixão

abandonando a passo estugado o local

face ao significante insolente

emergindo como um espanta sustos

das brumas para onde o remetera a alta velocidade.

Ninguém me avisou, desculpou-se depois

para evitar a palmatoada da Eternidade,

de que o escritor “moribundo”

se dedicava nos últimos tempos

a compor poesia minimal.

 

Bem se quis limpar mas não se safou.

A Eternidade, que não é de modas,

cancelou-lhe a avença à mesma.