Nos jogos de silêncio envenenado
que frequentam os bastidores da Glória
um certo escritor assinalado
foi sumariamente banido da História.
Morreste! – decretou o juiz de turno
detentor da verdade sobre a verdade
de quem é la crême de la crème
no jardim à beira-mar plantado
encomendando antes do instante aprazado
por procuração da própria Eternidade
o caixão do escriba taciturno.
- Dá de frosque, lítere moribundo!
O sujeito em questão deveras admirado
ao ser tido por escritor defeituoso
na palavra sobre a palavra
de juiz tão pouco escrupuloso
quanto à garantia
de quem vai e quem não vai ficar
E não sendo por acaso, ela, vítima,
do género choramingas
mas ao contrário um tipo atreito a pôr em sentido
qualquer ladrão das migalhas de Glória
por direito suas
Fingiu colaborar no funeral
tendo por único fito tramar
o juiz troca-tintas atarefadíssimo
a mandá-lo desta para melhor
prematuramente, na maior das calmas.
E quando o juiz, lui-même, se preparava
para fazer descer a tampa do caixão
(sobre o outro a mimar o rigor-mortis sem a menor falha,
debaixo da mortalha)
dando por concluído mais um crime perfeito
com a naturalidade do carrasco
que escarafuncha o pão nos açougues da Lei
o escritor assinalado pensou,
porra, o que é de mais cheira mal.
Soerguendo-se até ao ângulo recto
recitou o poema de um só verso
acompanhado do clássico gesto maquinal:
TOMA!
O juiz de turno, perplexo e atarantado
desistiu logo de fechar o caixão
abandonando a passo estugado o local
face ao significante insolente
emergindo como um espanta sustos
das brumas para onde o remetera a alta velocidade.
Ninguém me avisou, desculpou-se depois
para evitar a palmatoada da Eternidade,
de que o escritor “moribundo”
se dedicava nos últimos tempos
a compor poesia minimal.
Bem se quis limpar mas não se safou.
A Eternidade, que não é de modas,
cancelou-lhe a avença à mesma. |