Desferiste um golpe mortal
na nossa noção de eternidade.
Há grandes hipóteses de um dia, agora, daqui a horas,
nos dissolvermos num buraco negro
desses como quem come criancinhas ao pequeno almoço
num abrir e fechar de olhos
ou segundo a palavra de qualquer locutor desportivo
quando pretende ilustrar a ideia
do momento mais rápido que o instante
em que o guarda-redes defendeu por instinto
o remate que levava o selo de golo
- numa fracção de segundo, diz ele.
A ladina estrela solar não ultrapassará
uns escassos biliões de anos de vida
caso venha a morrer de morte natural.
Um buracão engole-a e a nós, com ela,
numa fracção de segundo, sem aviso prévio.
Pode ser já amanhã ou ainda hoje. É a chamada morte santa.
Não sentiremos nada. Desaparecemos e pronto.
Adeus História, adeus Posteridade, adeus Vida Eterna.
Não. Não haverá tempo para dizer adeus.
Será um simples puff!
Um puff! não dá sequer para acenar.
O céu perdeu o mistério, as estrelas já não são astros
fixos com luz própria, e o sol arrefecerá e deixará de haver Verão
quando, lá para daqui a dois ou três biliões de anos,
acusar como qualquer mortal, o peso da idade.
Será lamentável que então se deixe de falar daqueles
que talharam os seus próprios destinos
no pressuposto de um Verão eterno
no planeta azul, a sua passagem permanentemente
celebrada por um astro-rei par inter pares,
assegurando-lhes o rasto brilhante
entre gente ignara sem biografia.
Mais que a decrepitude desse porventura
impropriamente designado astro-rei
visto saber-se agora tratar-se de uma estrela de porte reduzido
e de fraca expressão luminosa à escala universal
os buracos negros podem deitar a perder
mesmo os super elaborados planos científicos
de sobrevivência virtual.
Basta um deles deitar o olho a uma estrela jovem e bonita
como o sol, para estar o mundo ( o nosso, claro) codilhado.
Não são de rodeios. Cortam a direito.
Desconhecem o significado civilizacional das expressões violação e assédio.
E então adeus, adeus, queridos imortais biografados
( perdão: não haverá tempo para dizer adeus).
O predador papa a estrela, a sua corte de planetas
e todos os discos rígidos supostos garantes
da vida para sempre,
na tal fracção de segundo.
Ouve-se ( ouve-se? haverá tempo para ouvir ?) o Puff!
talvez como um estalido, de nada valendo o golpe de rins do guarda-redes
e a defesa ao ângulo da bola com o selo de golo
defendida por instinto no preciso momento em que o buraco escuro
faz das suas à nossa bem-amada estrela e fiéis adjacências.
Puff!, queridos imortais com biografia
mais o guarda-redes da defesa ao ângulo para a fotografia.
Nem dá para acenar.
Puff! E já está.
A fome é negra, também no céu.
2005
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