JÚLIO CONRADO.
HUBBLE
Desferiste um golpe mortal

na nossa noção de eternidade.

 

Há grandes hipóteses de um dia, agora, daqui a horas,

nos dissolvermos num buraco negro

desses como quem come criancinhas ao pequeno almoço

num abrir e fechar de olhos

ou segundo a palavra de qualquer locutor desportivo

quando pretende ilustrar a ideia

do momento mais rápido que o instante

em que o guarda-redes defendeu por instinto

o remate que levava o selo de golo

- numa fracção de segundo, diz ele.

 

A ladina estrela solar não ultrapassará

uns escassos biliões de anos de vida

caso venha a morrer de morte natural.

Um buracão engole-a e a nós, com ela,

numa fracção de segundo, sem aviso prévio.

Pode ser já amanhã ou ainda hoje. É a chamada morte santa.

Não sentiremos nada. Desaparecemos e pronto.

Adeus História, adeus Posteridade, adeus Vida Eterna.

Não. Não haverá tempo para dizer adeus.

Será um simples puff!

Um puff! não dá sequer para acenar.

O céu perdeu o mistério, as estrelas já não são astros

fixos com luz própria, e o sol arrefecerá e deixará de haver Verão

quando, lá para daqui a dois ou três biliões de anos,

acusar como qualquer mortal, o peso da idade.

Será lamentável que então se deixe de falar daqueles

que talharam os seus próprios destinos

no pressuposto de um Verão eterno

no planeta azul, a sua passagem permanentemente

celebrada por um astro-rei par inter pares,

assegurando-lhes o rasto brilhante

entre gente ignara sem biografia.

Mais que a decrepitude desse porventura

impropriamente designado astro-rei

visto saber-se agora tratar-se de uma estrela de porte reduzido

e de fraca expressão luminosa à escala universal

os buracos negros podem deitar a perder

mesmo os super elaborados planos científicos

de sobrevivência virtual.

Basta um deles deitar o olho a uma estrela jovem e bonita

como o sol, para estar o mundo ( o nosso, claro) codilhado.

Não são de rodeios. Cortam a direito.

Desconhecem o significado civilizacional das expressões violação e assédio.

E então adeus, adeus, queridos imortais biografados

( perdão: não haverá tempo para dizer adeus).

O predador papa a estrela, a sua corte de planetas

e todos os discos rígidos supostos garantes

da vida para sempre,

na tal fracção de segundo.

Ouve-se ( ouve-se? haverá tempo para ouvir ?) o Puff!

talvez como um estalido, de nada valendo o golpe de rins do guarda-redes

e a defesa ao ângulo da bola com o selo de golo

defendida por instinto no preciso momento em que o buraco escuro

faz das suas à nossa bem-amada estrela e fiéis adjacências.

Puff!, queridos imortais com biografia

mais o guarda-redes da defesa ao ângulo para a fotografia.

Nem dá para acenar.

Puff! E já está.

 

A fome é negra, também no céu.

2005