O termo limerence (1) não é propriamente recente e foi traduzido por «enamoramento». Uma psicóloga, Dorothy Tennov, criou-o nos anos setenta do século XX para ajudar os seus alunos nas relações amorosas.
Hoje, Dorothy tem o cabelo cortado como uma menina do coro e já não é nada jovem. Vive isolada, desde há alguns anos, sem abandonar a sua casa. Dedicou-se a leccionar psicologia a idosos, a escrever e a tocar piano (2). Anteriormente, teve uma carreira promissora na Universidade americana de Bridgeport, onde leccionou psicologia experimental e escreveu um livro de sucesso assegurado: Love and Limerence: the Experience of Being in Love (3).
O acontecimento académico gerador do livro coloca-se da seguinte forma: por que é que os alunos podem ter insucesso escolar?
Um dia, uma aluna de Dorothy não fez o trabalho de casa. Quando foi falar com a docente começou a chorar e contou ter-se separado do namorado Mark, pelo que não conseguiria pensar senão nele.
A professora resolveu então passar um questionário aos estudantes e a outras pessoas que desejassem colaborar consigo. Feitas as contas, 98% dos inquiridos tinham experimentado um processo psíquico constante e previsível, ainda mais específico do que o amor, traduzido nas seguintes palavras: «cair de cabeça», «estar louco de amor»...
O livro traça, em pormenor, o que possibilitou saber-se desse processo mental a partir do método de auto-relato (introspecção), colocada a questão: «Define o que é o enamoramento».
Dorothy chegou à conclusão de que no amor existe a possibilidade de se estabelecer uma estrutura e uma função do enamoramento. Definiu e clarificou os seus elementos básicos. Na estrutura observa-se um sentimento impetuoso, impossível de ser ignorado, enquadrado no contexto. Quando ocorre um encontro a dois, se revê um amigo ou se troca um olhar, pode uma das pessoas não conseguir esquecer a outra nem o cenário contingente. Em termos de função, no enamoramento, o ser humano é sujeito à provação de desejar. Pode até ambicionar ser amado por várias pessoas ao mesmo tempo, antes que uma reciprocidade se estabeleça. O enamoramento tem a finalidade de desencadear um desejo.
A esse processo amoroso, Simone de Beauvoir (1908-1986) deu o nome de união extáctica (4) e Stendhal (1788-1842) denominara-o cristalização (5).
Nessa última condição associada ao cristal – na primeira cristalização, Stendhal deu o exemplo das minas de sal, perto de Salzburgo - Áustria, onde um bocado de madeira podia agregar cristais de sal depois de exposto algumas semanas em certas condições. É como se o ser amado agregasse qualidades, ou como uma varinha de condão em que tudo se transforma ao nosso desejo. Sente-se uma energia transbordante, a pessoa fica excitada e experimenta um óptimo bem-estar. Pode dizer viver a felicidade e a liberdade extremas.
Segue-se um período de dúvida e o segundo estado de cristalização inclui a imaginação de que cada acto é uma prova de amor.
No quotidiano, essa atribulada condição psíquica intromete-se a ponto do amado vir à mente, involuntariamente, entre 30% a 100% do dia. Esse é um dado no grupo de estudo de Tennov (6). Constatou ainda nos indivíduos inquiridos uma nítida perturbação quase obsessiva.