Judite Maria Zamith Cruz

PSICOLOGIA DO AMOR ROMÂNTICO - II
O prodígio das histórias de amor na transformação humana

INDEX

3.4. O enamoramento é limerence

O termo limerence (1) não é propriamente recente e foi traduzido por «enamoramento». Uma psicóloga, Dorothy Tennov, criou-o nos anos setenta do século XX para ajudar os seus alunos nas relações amorosas.

Hoje, Dorothy tem o cabelo cortado como uma menina do coro e já não é nada jovem. Vive isolada, desde há alguns anos, sem abandonar a sua casa. Dedicou-se a leccionar psicologia a idosos, a escrever e a tocar piano (2). Anteriormente, teve uma carreira promissora na Universidade americana de Bridgeport, onde leccionou psicologia experimental e escreveu um livro de sucesso assegurado: Love and Limerence: the Experience of Being in Love (3).

O acontecimento académico gerador do livro coloca-se da seguinte forma: por que é que os alunos podem ter insucesso escolar?

Um dia, uma aluna de Dorothy não fez o trabalho de casa. Quando foi falar com a docente começou a chorar e contou ter-se separado do namorado Mark, pelo que não conseguiria pensar senão nele.

A professora resolveu então passar um questionário aos estudantes e a outras pessoas que desejassem colaborar consigo. Feitas as contas, 98% dos inquiridos tinham experimentado um processo psíquico constante e previsível, ainda mais específico do que o amor, traduzido nas seguintes palavras: «cair de cabeça», «estar louco de amor»...

O livro traça, em pormenor, o que possibilitou saber-se desse processo mental a partir do método de auto-relato (introspecção), colocada a questão: «Define o que é o enamoramento».

Dorothy chegou à conclusão de que no amor existe a possibilidade de se estabelecer uma estrutura e uma função do enamoramento. Definiu e clarificou os seus elementos básicos. Na estrutura observa-se um sentimento impetuoso, impossível de ser ignorado, enquadrado no contexto. Quando ocorre um encontro a dois, se revê um amigo ou se troca um olhar, pode uma das pessoas não conseguir esquecer a outra nem o cenário contingente. Em termos de função, no enamoramento, o ser humano é sujeito à provação de desejar. Pode até ambicionar ser amado por várias pessoas ao mesmo tempo, antes que uma reciprocidade se estabeleça. O enamoramento tem a finalidade de desencadear um desejo.

A esse processo amoroso, Simone de Beauvoir (1908-1986) deu o nome de união extáctica (4) e Stendhal (1788-1842) denominara-o cristalização (5).

Nessa última condição associada ao cristal – na primeira cristalização, Stendhal deu o exemplo das minas de sal, perto de Salzburgo - Áustria, onde um bocado de madeira podia agregar cristais de sal depois de exposto algumas semanas em certas condições. É como se o ser amado agregasse qualidades, ou como uma varinha de condão em que tudo se transforma ao nosso desejo. Sente-se uma energia transbordante, a pessoa fica excitada e experimenta um óptimo bem-estar. Pode dizer viver a felicidade e a liberdade extremas.

Segue-se um período de dúvida e o segundo estado de cristalização inclui a imaginação de que cada acto é uma prova de amor.

No quotidiano, essa atribulada condição psíquica intromete-se a ponto do amado vir à mente, involuntariamente, entre 30% a 100% do dia. Esse é um dado no grupo de estudo de Tennov (6). Constatou ainda nos indivíduos inquiridos uma nítida perturbação quase obsessiva.

(1) Dorothy Tennov (1979).

(2) Simon Andreae (1998, trad. port. 2003, p. 223).

(3) Dorothy Tennov (1979).

(4) Simone de Beauvoir (1949; trad. port. 1976).

(5) Stendhal (1822). Stendhal foi o pseudónimo do francês Marie Henri Beyle, considerado ter um espírito romanesco. Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo, dedica-lhe um capítulo e Diane Ackerman (1994, trad. cast. 2000, pp. 135-141) relata a sua rejeição por Métilde Viscontini Dembowski.

(6) Dorothy Tennov (1979; cit. por S. Andreae, 1998, trad. port. 2003, p. 225).

Judite Maria Zamith Cruz é doutorada em Psicologia pela Universidade do Minho, onde lecciona cursos de licenciatura e mestrado dedicados ao estudo do desenvolvimento humano e do auto-conhecimento do profissional de educação, desde 1996, é membro de instituições nacionais e internacionais dedicadas ao estudo e investigação da sobredotação, talento e criatividade e, em 1997, integrou equipa internacional e interdisciplinar, coordenada pela Professora Doutora Ana Luísa Janeira, nos domínios de ciência, tecnologia e sociedade - «Natureza, cultura e memória: Projectos transatlânticos». Colabora, desde 2000, no Instituto de Estudos da Criança, em projectos centrados na educação matemática; depois, na área da língua portuguesa e artes plásticas, como membro do Centro de Investigação «Literacia e Bem-Estar da Criança» (LIBEC) da Universidade do Minho .

Entre Janeiro e Julho de1982 foi professora de psicologia e de pedagogia em Escola de Formação de Professores do Ensino Básico de Torres Novas. De Junho a Setembro de 1982, assumiu o lugar de Assistente Estagiária na Universidade de Lisboa – Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, de que se afastou para desempenhar funções de psicóloga clínica em cooperativa dedicada a crianças e jovens deficientes motores e mentais, em Lisboa – CRINABEL (1982-1985). De 1985 a 1988 foi professora do Ensino Secundário, em Braga, leccionando a disciplina de psicologia na Escola D. Maria II. De novo ocupou funções de psicóloga clínica em associação dedicada à educação de crianças e jovens deficientes auditivos (APECDA-Braga), entre 1988 e 1992. Em 1987, realizou trabalho como psicóloga no Hospital Distrital de Barcelos, de que se afastou em 1990 para efectuar curso de mestrado. Em 1992 ocupou o ligar de Assistente de metodologia de investigação, na Universidade do Minho, em Braga, onde é professora auxiliar.