Judite Maria Zamith Cruz

PSICOLOGIA DO AMOR ROMÂNTICO - II
O prodígio das histórias de amor na transformação humana

INDEX

1. Alegoria e compreensão do mundo

Michel Foucault (1) defendeu que, ao longo dos últimos trezentos anos, diversas formas de sexualidade originaram uma autêntica explosão discursiva (2). Afirmou-o quando as histórias de amor disparavam com a revolução dos costumes.

Todavia, as histórias deixaram de fazer sentido para o racionalismo científico, ainda que sejam convincentes para os seres humanos (3). Uma história, nesse sentido psicológico actual (4), é uma noção bem ampla do termo brasileiro estória. Integra narrativas da esfera literária, rituais simbólicos, explicações para a ciência, exemplos clarificadores e mímicas corporais. Esses são relatos abertos – tiram-se ilações, inferências e significados possíveis para as ocorrências descritas.

Uma alegoria ou grande metáfora congrega e arrasta essa função das estórias: é uma «moral da história». Substitui-se uma realidade abstracta (por exemplo, a origem do mundo) por uma «realidade concreta que a simboliza por analogia, encadeando de forma lógica metáforas, comparações e outras figuras de estilo» (5). No fim, qual é o significado partilhado?

Nessa base narrativa (e da mudança da mente), pense-se que um líder ou qualquer indivíduo socialmente competente é observado pelo psicólogo Howard Gardner como um contador de histórias, desde que construa a grande narrativa de um povo ou de um grupo sócio-político. Essa alegoria, directamente comunicada pelo líder em discursos orais inflamados, alerta para visões da existência corporificadas nas suas acções e na sua vida. Ele é o modelo biográfico a seguir. Portanto, o que faz o líder é transmitir em linguagem corporal e em linguagem verbal uma clara versão do mundo (6).

Assim sendo, com palavras encantatórias e pensamento figurado, o contador de histórias esgrime os mitos e os exemplos concretos em que as audiências se revêem. Em Portugal, figuras destacadas dos Descobrimentos fazem-nos sentir parte de «um povo de aventureiros», enquanto na América os seus políticos apelam à invencibilidade de uma nação.

(1) Michel Foucault (1984). Didier Eribon (1989, trad. port. 1990) escreveu uma curiosa biografia de Michel Foucault.

(2) Clifford Bishop (1996, trad. port. 1997, p. 91).

(3) Howard Gardner (1995, trad. bras. 1996).

(4) Gardner, ibid, p. 39.

(5) Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (2001).

(6) Howard Gardner (1995, trad. bras. 1996, p. 39).

Judite Maria Zamith Cruz é doutorada em Psicologia pela Universidade do Minho, onde lecciona cursos de licenciatura e mestrado dedicados ao estudo do desenvolvimento humano e do auto-conhecimento do profissional de educação, desde 1996, é membro de instituições nacionais e internacionais dedicadas ao estudo e investigação da sobredotação, talento e criatividade e, em 1997, integrou equipa internacional e interdisciplinar, coordenada pela Professora Doutora Ana Luísa Janeira, nos domínios de ciência, tecnologia e sociedade - «Natureza, cultura e memória: Projectos transatlânticos». Colabora, desde 2000, no Instituto de Estudos da Criança, em projectos centrados na educação matemática; depois, na área da língua portuguesa e artes plásticas, como membro do Centro de Investigação «Literacia e Bem-Estar da Criança» (LIBEC) da Universidade do Minho .

Entre Janeiro e Julho de1982 foi professora de psicologia e de pedagogia em Escola de Formação de Professores do Ensino Básico de Torres Novas. De Junho a Setembro de 1982, assumiu o lugar de Assistente Estagiária na Universidade de Lisboa – Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, de que se afastou para desempenhar funções de psicóloga clínica em cooperativa dedicada a crianças e jovens deficientes motores e mentais, em Lisboa – CRINABEL (1982-1985). De 1985 a 1988 foi professora do Ensino Secundário, em Braga, leccionando a disciplina de psicologia na Escola D. Maria II. De novo ocupou funções de psicóloga clínica em associação dedicada à educação de crianças e jovens deficientes auditivos (APECDA-Braga), entre 1988 e 1992. Em 1987, realizou trabalho como psicóloga no Hospital Distrital de Barcelos, de que se afastou em 1990 para efectuar curso de mestrado. Em 1992 ocupou o ligar de Assistente de metodologia de investigação, na Universidade do Minho, em Braga, onde é professora auxiliar.