Jorge Lúcio de Campos
«Monogramas»

EXIBIÇÃO AMOROSA
 

a Francis Picabia

Quem
pudera 

o nácar
de um

meio-dia –
seu azul

de imóvel
cirro –

se meu
corpo já

não sente
o que é

ter alma –
sob o sol

de um
torvelinho

ser a nuca
de tuas

mãos
vazias

MONOGRAMA

a Robert Rauschenberg

1

Suave a
teia em

que me
enrosco –

quer eu
queira

ou não:
o que me

ocorre
aqui?
 

2

Decerto
não o que

eu queria −
o que eu

não devia
crer
 

3

É melhor
um mundo

triste: as
gradações

que, um
dia, o

branco
há de

ter
 

4

Já te disse
que este

mundo só
me deu

porrada
embora

eu pouco
tenha

visto o
seu

mistério

5
 

que, em
pleno dia

fica à
espreita e

entope
minha boca

com palavras
cruas
 

6

Porém
sempre

tento
algo

após o
esforço

em que
me bato
 



Com isso
eu alucino −

sob o sol
quase

não tenho
o pulso

em que
me lanço

rumo a
outro

céu
intátil

8

Devo dar
um passo

em torno
de meu eixo

e atenuar
a pele, o

visco que
me esfola

e dentro
assola

minhas trocas
azuladas
 

INSULA DULCAMARA

a Paul Klee

Uma junção sugere redes, desdobradas por cima, foscas por baixo, em que se destacam faixas e cânulas.

No entanto, nela cresce, no sépia dominante, uma corcova cujos tons se isolam e, aberrantes, dão no que seja um prazer carnal.

Não se sabe por que, mas carece de anagramas que lhe trariam um júbilo de cinco ou seis ou, mesmo, três quartos de polegada.

BIBLIOTECA VERMELHA No. 1

a Laurie Simmons

Envernizaram-no, o que não impede que ranhuras se avivem em seus arabescos, onde tudo é um só mosaico em voz baixa.

Os passantes o imaginam sem as lentes e arriscam adivinhar o que veriam aqueles olhos que, por um minuto, parecem pensar, prenhes de segredos.

Como foi dito, há muito a reler no busto que não vê, mas, se o fizesse, não diria, indefectível à nossa inocência curiosa.

Jorge Lucio de Campos nasceu no Rio de Janeiro em 15 de setembro de 1958. Professor de Filosofia, Arte e Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), publicou, como ensaísta, Do simbólico ao virtual (Perspectiva, 1990) e A vertigem da maneira (Revan, 2002) e, como poeta, Arcangelo (EdUERJ, 1991), Speculum (EdUERJ, 1993), Belveder (Diadorim, 1994), A dor da linguagem (Sette Letras, 1996), À maneira negra (Sette Letras, 1997) e, recentemente, Prática do azul (Lumme, 2009).

 

Entrada no TriploV: 13.02.2010