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Revista TriploV
de
Artes, Religiões e Ciências
Nova Série |
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JOÃO SILVA DE SOUSA |
Professor da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Académico Correspondente da Academia Portuguesa da História. |
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Lendo Fernando Pessoa e os
“discípulos” da sua imaginação (1888-1935) |
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Um ser que é coisa a achar
E a quem nada é preciso.
Quer somente
consistir
No nada que o cerca ao ser,
Um começo de existir
Que acabou antes de o Ter.
É o sentido
que existe
Na aragem que mal se sente
E cuja essência consiste
Em passar incertamente. |
Flui,
indeciso na bruma…
Mais do que a bruma indeciso
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1. De compleição psíquica muito própria porque excessivamente
complexa, Fernando António Nogueira de Seabra Pessoa, cedo mostrou uma
certa tendência para a loucura e uma preferência acentuada para a
Teosofia, esoterismo e astrologia.
Assim, Pessoa
vai revelando temáticas que, afinal, nos pareceram constantes na sua
obra: o ceticismo, o idealismo, uma personalidade fragmentária, a dor de
pensar, a melancolia, o tédio, o abismo, o mistério...
Ah, perante esta única realidade, que é o mistério,
Perante esta única realidade terrível - a de haver
uma realidade,
Perante este horrível ser que é haver ser,
Perante este abismo de existir um abismo,
Este abismo de a existência de tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
Pelo ceticismo, a verdade de todo o conhecimento, sem excepção, devia
ser sempre posta em causa e a investigação exaustiva teria de ser um
processo de dúvida permanente. Esta atitude extremista, de um regular
cepticismo, é um estado de espírito que faz questionar incessantemente,
entre outras, todas as doutrinas e imagens religiosas fundamentais.
Concluindo,
tratar-se-ia de uma concepção, segundo a qual o conhecimento do real
seria impossível à razão humana. Portanto, o homem deveria renunciar à
certeza, suspender o seu juízo sobre as coisas e submeter toda afirmação
a uma dúvida cartesiana. Como tal, para Pessoa, a
dúvida possibilitava a reflexão. Mas era necessário ressaltar que não
haveria uma dúvida no sentido radical como queriam os Céticos, outrossim
uma dúvida metódica, pois ela é tomada como método para alcançar algo de
verdadeiro, que fosse indubitável.
No idealismo,
podemos considerar o primado do Ego subjectivo como central em toda a
corrente, o que não significa necessariamente reduzir a realidade ao
pensamento. Assim, na filosofia pessoana, o postulado básico é que Eu
sou Eu, no sentido de que o Eu é objecto para mim (Eu). Ou seja, a velha
oposição entre
sujeito e
objecto traduz-se no idealismo como incidente no interior do próprio
Ego, uma vez que o próprio Eu é o objecto para o sujeito (Eu). Conforme
Rodrigo Silva Ferreira, para Pessoa "o idealismo tem elementos em comum
com o preconceito, ou seja, sempre pensar no ideal. Mas na sociedade
humana não deveria existir 'o ideal', pois todos nós somos diferentes e
isso faz a evolução da sociedade ser maior. O ideal, então, é a mistura
das diferenças".
Entre a árvore e o vê-la
Onde está o sonho?
Que arco da ponte mais vela
Deus?... E eu fico tristonho
Por não saber se a curva da ponte
É a curva do horizonte...
Entre o que vive e a vida
Pra que lado corre o rio?
Árvore de folhas vestida -
Entre isso e Árvore há fio?
Pombas voando - o pombal
Está-lhes sempre à direita, ou é real?
Deus é um grande Intervalo,
Mas entre quê e quê?...
Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê?
Erro-me... E o pombal elevado
Está em torno na pomba, ou de lado?
Na verdade, o mundo não é para o Poeta o que as suas percepções revelam.
São meras aparências, e estas são apenas isso, carecem de autenticidade.
A vida mais não é que sonho, ilusão e sombra. Entra aqui o ocultismo:
Será que existe um além-mundo? O oculto não é mais do que o
"conhecimento não revelado" ou "conhecimento secreto", em oposição ao
"conhecimento ortodoxo" ou que é associado à ciência convencional. Para
Pessoa, sugerimos que o conhecimento oculto fosse algo comum e
compreensível em seus símbolos, significados e significantes. Este mesmo
conhecimento "não revelado" ou "oculto" é assim designado, por estar em
desuso ou permanecer nas raízes das culturas, naquilo que ele tenta
decifrar. Então, a percepção do oculto consiste, não em aceder a factos
concretos e mensuráveis, outrossim a trabalhar com a mente e o espírito.
Refere-se a um treino mental, psicológico e espiritual que permite o
despertar de faculdades laterais e desconhecidas.
Da minha ideia do mundo
Caí...
Vácuo além de profundo,
Sem ter Eu nem Ali...
No ocultismo, o Poeta encontra a essência, a ideia, que tem
correspondentes na Terra, onde se localizam as existências. Ele mesmo é
o reflexo de alguém, de um outro que não conheceu nem sabe quem é: -
Apenas uma sombra. Se, pelo menos, através do intelecto, pudesse ter o
retrato de quanto se situa para além do Mundo… Tudo lhe é profundamente
misterioso. Talvez apenas a morte lhe consiga revelar, desvendando o
impossível. O Poeta, porém, não quer essa hora porque teme ir ao
encontro do que lhe é desconhecido. Será que prefere ignorar? Ou não
sabe, nem sequer imagina, por falta de capacidade extrospectiva?
Entre a árvore e o vê-la
Onde está o sonho?
Que arco da ponte mais vela
Deus?... E eu fico tristonho
Por não saber se a curva da ponte
É a curva do horizonte...
Entre o que vive e a
vida
Pra que lado corre o rio?
Árvore de folhas vestida -
Entre isso e Árvore há fio?
……..
Deus é um grande
Intervalo,
Mas entre quê e quê?
Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê?
Nos campos da consciência e da Personalidade, Pessoa dá-se conta de que
tudo muda, de que o Mundo (a Vida) é feito de mudança, como o tinha
notado Camões, entre os demais Clássicos da nossa Literatura, no século
XVI. A água do rio em que mergulha os pés num instante, numa centésima
de segundo depois já não é a mesma. O rio, deveras, simboliza a
caducidade fragmentária da vida humana. Talvez por isso, o Poeta não
possa ter consciência da sua personalidade una, porque o seu ego é
fragmentário. O que ele foi há vinte anos, não é ele, mas outro e
totalmente desconhecido. Mudou radicalmente.
EU AMO TUDO o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errónea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
Desta feita, o passado
já não existe e o futuro ainda não veio. Quanto ao Presente, ele não é
mais do que uma divisória ideal e não real, entre o Passado que já não
é, e o Futuro que ainda não chegou. Portanto, o Presente nada é. As
dores, quando as canta, já as não tem. Tudo muda. E se modificou. É,
deste modo, um fingidor. Finge para poder exprimir esteticamente:
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que
escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de
roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
O nosso Poeta julga-se, ainda e repentinamente, dotado de
uma inteligência hipertrofiada, bem diminuída. Sente, então, saudades da
inconsciência. Pensar tortura-o. Tem, pois, inveja das pedras, das
árvores, dos gatos que diz brincarem ao sol por instinto. Nada se dá
conta de nada. O ideal: ser conscientemente inconsciente. O ideal, pois,
para a sua vida psíquica: deixar conduzir-se pelo coração e não pelas
ideias. Mas, como escreve, está bem longe deste princípio, que se nos
afigura nele expressivamente erróneo: uma liberdade poética, como muitas
outras.
Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis
fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és
assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
O seu estádio de eterna melancolia e tédio, advém-lhe da infância dura e
triste que fez dele um anti-sentimental. Vê-se isolado no seu egoísmo,
como em tudo o mais; desconhece o que têm de bom a vida afectiva, o
amor; pois quando ama, fá-lo em sonho, é um idealista, como já assim se
revela, desde muito cedo: uma completa renúncia a todo o amor sensível.
Acha-se esgotado, sem alento, num stress difícil de ultrapassar.
Inquieto, deseja o desconhecido. Quer viajar, partir para muito longe,
para o indefinido, para todo o lado, desde que se não meçam distâncias.
Qual quimera, todavia. Mudar de lugar para poder sentir-se outro? Para
ganhar consciência? Que há e onde está o que ele pensa que lhe cria
obstáculos aos órgãos dos sentidos?
Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
- Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
- Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo. |
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2. Por tudo o que ficou
sumariamente dito, fácil é subentender que Fernando Pessoa (ou seja quem
for por quem ele se queira fazer passar, por mais histórias que conte…)
teria levando uma vida relativamente apagada, movimentando-se num
restrito círculo de amigos que frequentavam as tertúlias intelectuais
dos cafés da capital, envolvendo-se nas discussões literárias e
políticas da época, fumando e bebendo, sem se dar conta de quanto, até
transtornar o cérebro e limitando os seus comandos, pelo excesso de
álcool e ópio e pela mistura destes dois.
Colaborou em
A Águia, uma revista bimensal, e depois mensal, de literatura, arte,
ciência, filosofia e crítica social, que se publicou no Porto, entre
1910 e
1932, como órgão do movimento de acção sociocultural autodenominado
a
Renascença Portuguesa.
O período mais
fecundo da revista correspondeu aos anos de
1912 a
1916, quando o movimento renascentista estava no seu auge e se
publicou a segunda série das quatro que podem distinguir-se ao longo da
vida daquele periódico. Apesar de ter tido diversos directores, a maior
parte dos números foi publicada sob a orientação do difícil
escritor-filósofo
Teixeira de Pascoaes, considerado o seu vulto máximo e teorizador do
saudosismo metafísico que inspirou boa parte da produção literária
ali impressa. O que mais admirava Pessoa em Pascoaes era, na verdade, a
sua poesia encontrar-se de costas voltadas para o lirismo tradicional
português, a realidade para além do sensorial, o saudosismo (como já
referimos), com um estilo pouco coloquial.
A revista tinha
a particularidade de apenas aceitar material inédito em Portugal. Pessoa
cimentava o princípio de que o “Saudosismo”, enquanto doutrina
político-social, nada dizia aos espíritos práticos e positivistas.
Ó sino da minha aldeia
dolente na tarde calma,
cada tua badalada
soa dentro da minha alma...
E é tão lento o teu
soar,
tão como triste da vida,
que já a primeira pancada
tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas
perto,
quando passo, sempre errante,
és para mim como um sonho,
soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
vibrante no céu aberto,
sinto o passado mais longe,
sinto a saudade mais perto...
A revista iniciou a sua publicação em Dezembro de
1910, descrevendo-se como quinzenal ilustrada de literatura e
crítica. Conheceu, então, como seu director e proprietário
Álvaro Pinto. Dois anos depois, passou a ser propriedade da
Renascença Portuguesa, descrevendo-se esta como seu órgão, e tendo
como director
Tércio de Miranda. Contava subjacente com um ideal nacionalista
ligado, no plano literário e filosófico, ao neo-garrettismo e a um
sebastianismo quase messiânico.
Enquanto
agrupamento de acção sociocultural, a Renascença Portuguesa desenvolveu
uma notável actividade, com aspectos originais, obedecendo ao propósito
de "dar conteúdo renovador e fecundo à revolução republicana" (Jaime
Cortesão). Teve como principal mentor, sobretudo até
1916, o já acima referido
Teixeira de Pascoaes, com a sua teoria do saudosismo e, numa segunda
fase,
Leonardo Coimbra.
A Renascença
Portuguesa, com artigos de crítica literária sobre a nova poesia
portuguesa, imbuídos de um sebastianismo animado pela crença no
surgimento de um grande poeta nacional, “Luís de Camões”, publica, em
1913, as «Impressões do Crepúsculo» (poema tomado como exemplo de uma
nova corrente, o paúlismo, designação advinda da primeira palavra do
poema) e, em 1914, dá-se o aparecimento dos seus três principais
heterónimos, segundo indicação do próprio Fernando Pessoa, em carta
dirigida a Adolfo Casais Monteiro, sobre a origem destes, sem considerar
outros recentemente descobertos e o ortónimo que Casais Monteiro era
figura venerada por Pessoa, dada a sua rebeldia propositada contra os
princípios rudimentares da arte poética tradicional. |
Em 1915, com Mário de Sá-Carneiro (seu dilecto amigo, com o qual
trocou intensa correspondência e cujas crises acompanhou de
perto, por nunca se ter ajustado à vida prática), Luís de
Montalvor e outros poetas e artistas plásticos com os quais
constituiria o grupo «Orpheu», lançou a revista com o mesmo
nome, marco do modernismo português, onde publicou, no primeiro
número, Opiário e Ode Triunfal, de Campos, e O Marinheiro, de
Pessoa ortónimo, e, no segundo, Chuva Oblíqua, de Fernando
Pessoa ortónimo, e a Ode Marítima, de Campos. |
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Capa
do n.º 4 (1912) de A Águia, órgão da Renascença Portuguesa |
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ATRAVESSA esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes
navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...
O porto que sonho é
sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...
Liberto em duplo,
abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...
Não sei quem me sonho...
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
e vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse
desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em
aquele porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma...
Colaborou ainda no Portugal
Futurista, Atena, Eh Real!, Centauro, Exílio Sudoeste e Orpheu, entre as
já antes citadas e muitas outras.
Publicou, ainda
em vida, Antinous (1918), 35 Sonetos (1918), e três séries de Poemas
Ingleses (dados à estampa, em 1921, pela editora Olisipo, fundada por
ele mesmo). Em 1934, concorreu com Mensagem a um prémio da Secretaria de
Propaganda Nacional, que conquistou na categoria B, devido à reduzida
extensão do livro. Colaborou ainda nas revistas Exílio (1916), Portugal
Futurista (1917), Contemporânea (1922-1926), de que foi co-director e
onde publicou O Banqueiro Anarquista, conto de raciocínio e dedução, e o
poema Mar Português, Athena (1924-1925, igualmente como co-director e
onde foram incluídas algumas odes de Ricardo Reis e excertos de poemas
de Alberto Caeiro e Presença, todos ainda hoje difíceis de escolhermos
pelo interesse histórico-literário informativo neles contido.·
A sua obra, que
permaneceu maioritariamente inédita, foi difundida e valorizada pelo
grupo da Presença. A partir de 1943, Luís de Montalvor deu início à
edição das obras completas de Fernando Pessoa, abrangendo os textos em
poesia dos heterónimos e de Pessoa ortónimo. Nos anos de 1980 a 1983,
Joel Serrão dava-nos conta da imensidade de originais manuscritos que se
encontravam ainda por ler, classificar e publicar. A este enorme volume
de textos denominámos de Arca, como se estivessem guardados a eito numa
peça de mobiliário (ou em duas ou mais), por estudar.
Foram ainda
sucessivamente editados escritos seus sobre temas de doutrina e crítica
literárias, filosofia, política e páginas íntimas. Entre estes,
contam-se a organização dos volumes de Poesias (de Fernando Pessoa),
Poemas Dramáticos (de Fernando Pessoa), Poemas (de Alberto Caeiro),
Poesias (de Álvaro de Campos), Odes (de Ricardo Reis), Poesias Inéditas
(de Fernando Pessoa, dois volumes), Quadras ao Gosto Popular (de
Fernando Pessoa), e os textos de prosa de Páginas Íntimas e de
Auto-Interpretação, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica
Literárias, Textos Filosóficos, Sobre Portugal — Introdução ao Problema
Nacional, Da República (1910-1935), Ultimatum e Páginas de Sociologia
Política, além do seu belíssimo Cancioneiro. Do vasto espólio em causa
foram também retirados o Livro do Desassossego (composto por Bernardo
Soares, ajudante de Guarda-livros na cidade de Lisboa) e uma série de
outros textos de capital importância para conhecer diferentes fases por
que passou um dos Poetas (e Prosadores), dos mais distintos, entre os
que honraram Portugal.
O recurso de
Fernando Pessoa à heteronímia começou cedo quando ele mesmo inventou, em
1894, um primeiro nome, tinha 6 anos, o Chevalier de Pas. E esta é a
faceta que tem sido mais estudada. Pierre Léglise-Costa escreveu que,
“ao criar mais de 70 heterónimos, Pessoa ofereceu-se um teatro em que
ele próprio é dramaturgo, encenador e único espectador”.
A questão humana
dos heterónimos, não está ainda no seu campo toda apurada, nem mesmo as
meramente literárias que têm atraído as atenções gerais e que, estamos
convictos, mais o farão.
Concebidos como
individualidades distintas da do autor, este criou-lhes uma biografia e
até um horóscopo próprios. Encontram-se ligados a alguns dos problemas
centrais da sua obra: a unidade ou a pluralidade do eu, a sinceridade, a
noção de realidade e a estranheza da existência…Traduzem, todos, de per
si, por assim dizer, a consciência da fragmentação do Ego, reduzindo o
eu «real» de Pessoa a um papel que não é maior que o de qualquer um dos
seus heterónimos na existência literária do mesmo.
Assim, questiona
Pessoa o conceito metafísico de tradição romântica da unidade do sujeito
e da sinceridade da expressão da sua emotividade através da linguagem.
Tomando um caminho analítico por vários fingimentos, que aprofundam uma
teia de polémicas fundamentadas entre si, opondo-se e completando-se, os
heterónimos constituem-se como a mentalização de certas emoções e
perspectivas, a sua representação irónica pela inteligência e a fácil
percepção das coisas… de que ele mesmo descria ou parecia recusar-se a
admitir. Deles, até hoje, destacaram-se quatro: Bernardo Soares, Alberto
Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Encostei-me para trás na cadeira de convés e fechei os olhos,
E o meu destino apareceu-me na alma como um precipício.
A minha vida passada misturou-se com a futura,
E houve no meio um ruído do salão de fumo,
Onde, aos meus ouvidos, acabara a partida de xadrez
……………….
Ah, afundado
Num torpor da imaginação, sem dúvida um pouco sono,
Irrequieto tão sossegadamente,
Tão análogo de repente à criança que fui outrora
Quando brincava na quinta e não sabia álgebra,
Nem as outras álgebras com x e y's de sentimento.
Ah, todo eu anseio
Por esse momento sem importância nenhuma
Na minha vida,
Ah, todo eu anseio por esse momento, como por outros análogos -
Aqueles momentos em que não tive importância nenhuma,
Aqueles em que compreendi todo o vácuo da existência sem inteligência
para o
compreender
E havia luar e mar e a solidão, ó Álvaro.
Segundo a carta de Fernando Pessoa sobre a génese dos seus
heterónimos, Caeiro (1885-1915) é o Mestre inclusive do próprio Pessoa
ortónimo. Nasceu em Lisboa e aí morreu, tuberculoso, em 1915, embora a
maior parte da sua vida tenha decorrido numa quinta no Ribatejo, onde
foram escritos quase todos os seus poemas, os do livro O Guardador de
Rebanhos, os de O Pastor Amoroso e os Poemas Inconjuntos, sendo os do
último período da sua vida redigidos em Lisboa, quando se encontrava já
gravemente doente (daí, segundo Pessoa, a «novidade um pouco estranha ao
carácter geral da obra»). Sem profissão e pouco instruído (teria apenas
a instrução primária), e, por isso, «escrevendo mal o português», órfão
desde muito cedo, vivia de pequenos rendimentos, com uma tia-avó. Caeiro
era, segundo ele próprio, «o único poeta da natureza», procurando viver
a exterioridade das sensações e recusando a metafísica,
caracterizando-se pelo seu panteísmo e sensacionismo que, de modo
diferente, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares iriam
assimilar, valorizando a percepção pessoal.
O
Universo não é uma ideia minha.
A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha ideia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.
Ricardo Reis nasceu no Porto, em 1887. Foi educado num
colégio de jesuítas, recebeu uma educação clássica (latina) e estudou,
por vontade própria, o helenismo (sendo Horácio o seu modelo literário).
Essa formação greco-latina reflecte-se, quer a nível formal (odes à
maneira antiga), quer a nível dos temas por si tratados e da própria
linguagem utilizada, com um purismo que Pessoa considerava exagerado.
Médico, não exercia, no entanto, a sua profissão. De convicções
monárquicas, emigrou para o Brasil, após a implantação da República.
Pagão intelectual, lúcido e consciente, reflectia uma moral
estoico-epicurista, misto de altivez resignada e gozo dos prazeres.
Aceitava calmamente a ordem das coisas.
O que sentimos, não o que é sentido,
É o que temos.
Claro, o inverno triste
Como à sorte o acolhamos.
Haja inverno na terra, não na mente.
E, amor a amor, ou livro a livro, amemos
Nossa caveira breve.
Bernardo Soares fora ajudante de guarda-livros, em Lisboa. Aqui
viveu toda a sua humilde e rotineira profissão. Era um simples
empregado, apelidado, vulgarmente, manga-de-alpaca. Vivia sozinho na
Baixa, num quarto arrendado não muito longe do escritório onde exercia a
sua profissão, nem dos escritórios onde trabalhava o nosso Fernando
Pessoa (que o criara ou inventara, como que saído de si mesmo, com um
gosto muito especial, como, aliás, sucedeu com todos os seus
heterónimos). Conheceram-se numa pequena casa de pasto habitualmente
frequentada por ambos. Foi aí que
Bernardo Soares deu a ler a
Pessoa o seu Livro do Desassossego.
"O coração, se pudesse pensar, pararia."
"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue
a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada.
Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a
aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui
me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo
ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde
esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde
as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo
meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento,
para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que
me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem
procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um
dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o
lerem, nem se entretiverem, será bem também.
…………………………………..
"Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido,
sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão
pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de
dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas
submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à
esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por
minha consciência dele. Vivo mais porque vivo maior".
Álvaro de Campos nasceu em Tavira, em 15 de
Outubro de 1890, fez o liceu em Portugal e completou o curso de
Engenharia na Escócia, por Glasgow. Viveu depois em Lisboa e viajou pelo
Oriente (de onde resultou o Opiário. Dizia-se alto, magro e com
tendência a curvar-se um bom pedaço.
É antes do ópio que a
minh'alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.
Esta vida de bordo há-de
matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.
………………………….
Vou cambaleando através
do lavor
Duma vida-interior de renda e laca.
Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.
Ando expiando um crime
numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.
Ao toque adormecido da
morfina
Perco-me em transparências latejantes
E numa noite cheia de brilhantes,
Ergue-se a lua como a minha Sina.
Não se nos afigura que caiba aqui uma análise gramatical de nomes e
verbos ou outros que cada um dos heterónimos use, a fim de os
compararmos – aproximarmos ou distanciarmos - e ainda com Fernando
Pessoa e este ortónimo. Deixamos esta matéria para os filólogos e
analistas textuais. Pensamos, outrossim, terminar este capítulo com uma
abordagem das características psicossomáticas, metafísicas e
transcendentais, tendo em conta o que a psicologia e a psiquiatria, como
ciências laterais à História e à Literatura, nos podem ajudar a definir
Pessoa e cada um dos seus “discípulos” por ele encarnados e inventados,
como anunciámos na epígrafe do presente trabalho.
Acerca de
Caeiro, Campos e Reis, em 1935, Pessoa escrevia a Casais Monteiro,
explicando a origem dos mesmos:
“Ouvi, dentro de
mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me
pareceu que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve […] Eu vejo
diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos
de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as
vidas […] Como escrevo em nome desses três? Caeiro, por pura e
inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever.
Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se
concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para
escrever e não sei o quê”.
Fernando procura
o absurdo, é ansioso, nostálgico por tudo quanto perdeu, se bem que dê
também pouca importância ao que apenas gira na sua lembrança, não se
prende a rigores comportamentais. É inteligente, intuitivamente, e
imaginativo. Nele, damos bem conta, como o dissemos já, da fragmentação
do Ego, com a consecutiva perda da identidade, a intelectualização do
sentir, a análise obsessiva, a angústia existencial, a melancolia, a
obsessão. Uma solidão interior afecta-o incessantemente, tal como uma
inquietação perante o indecifrável enigma do mundo.
A
intelectualização do sentir parece conduzi-lo a uma inevitável
resignação dorida de quem sofre como ele, pelo cepticismo, a náusea e o
tédio. Os anseios de uma vida incapaz de ser vivida e que é queixosa, e
preferindo o que se lhe afigura popular surgem como meios da salvação do
pouco que diz ter para dar e partilhar com os seus leitores se os
houver.
Complicadas personagens somam no rol dos seus heterónimos, não
sem sensíveis diferenças, como fomos referindo ao longo do nosso
comentário.
Em Alberto
Caeiro, a par do panteísmo sensual, há a considerar a diversidade da
Natureza, a aceitação aparentemente calma do Mundo tal como ele se lhe
apresenta (tal como ele é?), o multifacetado e dificilmente
percepcionado, no seu todo, do mundo, o inevitável SENTIDO do absurdo e
a excitação da procura e, por isso, da busca irremediavelmente
incessante.
Vivendo de
impressões visuais, acaba por gozar, em cada uma delas o seu próprio
conteúdo, sem grandes falhas como poderia deixar transparecer, dada a
complexidade do seu espírito e dos objectivos a atingir. Usando termos
de expressão directa e natural, ele é, pela visualidade primária, um
camponês poeta, fácil de ler, porque popular.
Naturalista,
futurista, sensacionalista e, por vezes, escandaloso (é o próprio Pessoa
que dele o refere), é exemplarmente demonstrativo do predomínio bem
visível da emoção espontânea e torrencial, do elogio da civilização
industrial britânica, moderna, da velocidade e das máquinas, da energia
e da força, do progresso, direccionado para o Exterior. Muito actual nos
tempos que se viviam (finais do século XIX, inícios do século XX).
Álvaro de
Campos, nervoso e compulsivo, torrencial até perder e nos fazer perder o
fôlego, é excessivamente febril. Revela-se com um grande amor pela vida,
mas não sem nos deixar interrogativos, dado o seu forte masoquismo que o
leva a ferir bastas vezes o seu íntimo. É a personagem que Pessoa opõe a
si mesmo, com a qual tem de aprender: a viver sem dor; a envelhecer sem
angústia; a morrer sem desespero; a fazer coincidir o ser com o estar; a
combater o vício de pensar; a ser uno e não fragmentado, retrato de um
homem triunfante e modernista.
Recusa a
introspecção e a subjectividade, abre-se ao mundo exterior com basta e
expressiva alegria. É o poeta do real objectivo, que
recusa a expressão em termos de sentimentos. Recusa-se a saber do
passado e do futuro, vivendo o Presente, defendendo a existência antes
do pensamento, o corpo antes do espírito. É, como pode ver-se, o oposto,
em muitos aspectos, com que definimos Fernando Pessoa, porquanto ele
mesmo se esforçou a no-lo deixar dito nos seus poemas mais
introspectivos.
Ricardo Reis apresenta-se abstracto, difícil, elíptico (começa
o poema com a ideia mote e glosa, finalizando o seu pensamento com essa
mesma ideia), traçado pelo intelecto, intencionalmente antigo porque
horaciano. É moralista, austero (no sentido clássico do termo),
disciplinado e inteligente. Afigura-se-nos ser o poeta da razão,
discípulo de Caeiro e, como este, aconselha a aceitação calma da ordem
das coisas e faz o elogio da vida campestre, na sua simplicidade total.
Assim, indiferente ao social, opõe a moral
pagã à cristã, considerando a primeira de orientação e disciplina, e a
segunda uma de renúncia e desapego. Faz o elogio do epicurismo
(tendência para a felicidade pela harmonização de todas as faculdades
através da disciplina), consistindo a sabedoria em gizar a vida (mais
como uma tentativa). |
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“Não evoluo.
Viajo!”
(in carta a Adolfo Casais Monteiro, director da revista Presença,
poeta, novelista e crítico) |
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Mensagem |
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3. Apenas duas palavras acerca da obra pessoana que aprendemos a ouvir e
a ler desde crianças. Orientavam-nos os nossos Avós. É a exaltação dos
feitos dos Portugueses no Mar Oceano, no século XVI, e dos Portugueses
Maiores da nossa História. Um saudosismo com que Pessoa deixou
contaminar-se, com um expressivo sentido providencialista da História de
Portugal e o elogio do Português, descobridor dos mundos.
O
providencialismo levou o nosso Poeta à convicção de que Deus (patente em
muitos outros poemas fora desta Colectânea) traçara o destino do nosso
Povo, mas não concluíra a tarefa nem ensinara os Portugueses a acabá-la.
Todo o começo é involuntário.
Deus é o agente.
O herói a si assiste, vário
E inconsciente.
O herói, porém fez tudo o que estava ao seu alcance. O resto entregou
nas mãos de Deus:
Este padrão sinala
ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por fazer é só com Deus.
Pessoa não se cansa em elogiar o seu Povo, como autores das Descobertas,
das Conquistas e da Expansão, talvez não tanto por termos desejos
incontidos de dominar o Mundo, mas por sentirmos que devíamos alcançar o
interminável, aproveitando-se de nós os outros, sem o mesmo esforço e
com inexplicáveis ganhos. Como um caricaturista tão em voga na época,
Pessoa apresenta os sucessores dos Portugueses, estrangeiros, naturais
de países europeus, voando como abutres pelos céus, a aguardar a melhor
altura para bicar e levar para si o que havíamos conhecido no Mundo, até
então incógnito.
Inicia a
Mensagem com algumas figuras anteriores, como por exemplo, Viriato, que
a ter existido, foi mais um herói a impulsionar os primeiros actos
guerreiros para a feitura e consistência do futuro Portugal.
Passa ao Conde
D. Henrique, com ideias independentistas em relação a Leão e Castela:
Todo
começo é involuntário.
Deus é o agente.
O herói a si assiste, vário
E inconsciente.
A espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
«Que farei eu com esta espada?»
Ergueste-a, e fez-se.
Se, no Mar não esquece o Padrão, em Terra não omite o Castelo. E assim
prossegue e chega a D. Afonso Henriques e, continuando, passa a D. João
I e à Ínclita Geração, com duas belas entradas acerca do Infante D.
Henrique. Não se esquecendo, com uma actualidade inesperada de
visionário renascentista, de que
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Deus
não havia ainda terminado o seu trabalho, nem o dera por acabado ainda
hoje.
O Infante é-nos descrito como o Senhor do
Mundo,
Em
seu trono entre o brilho das esferas,
Com seu manto de noite e solidão,
Tem aos pés o mar novo e as mortas eras —
O único imperador que tem, deveras,
O globo mundo em sua mão.
ficando-se pel’ O Encoberto e O Quinto Império.
Termina com Os Avisos e Os Tempos:
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
Sem
dúvida alguma que nos cresça, lemos em Pessoa, na sua Mensagem, o que o
Poeta cantou sobre o que se fez e, acima de tudo, o que ainda está por
fazer. Faleceu em 1935 e estamos nos finais de 2011. É um Passado de um
Futuro a abrir… E a abrir como? Aqui, Pessoa retoma o mito do
Sebastianismo.
Onde quer que, entre
sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu novo fado!
Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo,
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucaristia Nova.
Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido,
Excalibur do Fim, em jeito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Graal!
O infeliz e visionário rei D. Sebastião, por um lado, símbolo da
decadência, por outro, da esperança da ressurreição nacional, tem sido
alvo da inspiração de um variado número de autores modernos. Acreditemos
como Pessoa que o Desejado voltará, porque há o futuro e porque foi
precursor do que não sabemos.
Senhor, a noite veio e a
alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.
Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.
Dá o sopro, a aragem — ou
desgraça ou ânsia —
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância —
Do mar ou outra, mas que seja nossa! |
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Bibliografia |
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BARREIROS, António José, História da Literatura Portuguesa, Vol.
2. Séc. XIX-XX, 6.ª ed., Lisboa, PAX, s.d., pp. 401-416;
Grande Dicionário Enciclopédico,
direcção de Maria Fernanda Martins Soares e Vítor Wladimiro Ferreira,
prólogo de Maria de Lourdes Belchior, Vol. XII, Lisboa, Clube
Internacional do Livro, 2004, p. 4800.
Obra em Prosa de Fernando Pessoa. A Procura da Verdade
Oculta. Textos Filosóficos e Esotéricos, pref.,
organ. e notas de António Quadros, Mem-Martins, Publ. Europa-América,
1986;
PESSOA, Fernando, Mensagem, Lisboa, Parceria António Maria
Pereira, 1934;
Obra Poética (papel bíblia),
org., introd. e notas de Maria Aliete Galhoz, Lisboa, Nova Aguiar, 1969;
O Livro do Desassossego,
Edição de Teresa Sobral Cunha, Lisboa, Relógio de Água, Outubro de 2008;
Textos Filosóficos de Fernando Pessoa,
org. de António Pina Coelho, 2 Vols., Lisboa, Ed. Ética,
1968. |
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