JOÃO SILVA DE SOUSA

Professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Académico Correspondente da Academia Portuguesa da História.

Britiande: honra, beetria, e freguesia de Lamego
(História e Enquadramentos). Algumas Notas.

Texto lido por um dos cavaleiros na abertura das festas de Santa Bárbara, a 10 de Agosto de 2011

Britiande é uma freguesia do concelho de Lamego, com 5.39 km² de área e 1 015 habitantes (2001). Densidade: 188.3 hab/km². Foi sede de concelho até ao início do século XIX. Britiande é constituída apenas por uma freguesia e pertence ao concelho de Lamego, distrito de Viseu.

Datando de tempos recuados, temos indicações de influências ibéricas - naturalmente, pré-celtas, celtas e celtibéricas -, da presença dos Romanos na região, com vestígios ainda existentes, como a conhecida Quelha da Azenha, parte de uma via romana que unia Lamego a Britiande, ultrapassando a cidade e a vila para um lado e para o outro. Datará do governo do imperador de Roma, Cláudio [10 a. C.- 54 d. C.], a acção das legiões que levaram à morte colectiva dos Lusitanos. A Hispânia veio a ser invadida pelos Suevos (em 476, uniam a Galiza ao rio Tejo, com a capital em Braga, centro laico e religioso cristão) e conquistada e romanizada, no seu todo, pelos Visigodos. Da presença moura pouco se sabe. Histórias e lendas, com Lamego como pano de fundo, em quase nada, ligam os Muçulmanos aos Cristãos nesta área geográfica.

A História fala, porém. Nas operações militares contra os Mouros, durante a “Reconquista”, a tomada definitiva, em 1057, de todo o triângulo Norte que incluía Viseu, Seia e Guarda a Lamego e Tarouca – não pôde deixar de fora Britiande, Lalim, e Silvares, entre outras de igual ou menor importância. A liderança das acções bélicas que deram origem a este importante acontecimento ficou a dever-se a Fernando I de Leão e Castela [1016-1065], o primeiro monarca, representante da dinastia de Navarra, bisavô de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal [1109-1185].

Podem ver-se, em Vila Nova, as ruínas do Paço que outrora pertenceu a D. Egas Moniz. O mais antigo documento que nos resta, pela perda de anteriores, data de 1153 e diz respeito à viúva daquele, D. Teresa Afonso. Assim, desde 1146 que se refere a “Villa de Bretenandi”, ou uma área agrária e populacional. Nesta mesma sequência, ela é localizada “abaixo do monte Esculca, junto às águas correntes do rio Barosa, no território de Lamego”.

No entanto, a actual freguesia está longe de corresponder, em área, à antiga, pois demos conta que evoluiu, com a adição de uma freguesia e a supressão de outra, entre 1758 e 1850, reajustada ainda posteriormente. Quando os distritos foram instituídos em 1835, por uma reforma de Mouzinho da Silveira, Lamego foi, inicialmente, prevista como sede de distrito; mas, nesse mesmo ano, a sede distrital seria deslocada para Viseu, devido à sua posição mais central.

Britiande foi doada sob a forma de uma honra a Egas Moniz, em 1102, pelo conde D. Henrique, marido de D. Teresa de Leão e ambos pais do que viria a ser rei de Portugal.

O património ou domínio de Egas Moniz fora, na realidade, imenso, com prédios seus. Situava-se Britiande, com outras, entre os rios Balsemão e Barosa.

Tendo passado para a posse da viúva, transitou, à morte dela, para a 3.ª filha de ambos, D. Elvira Viegas, provavelmente a única que era viva ao tempo.

À morte desta senhora que a teve como honrada, por falta de descendentes, Britiande passou para os domínios da Coroa e, só com D. Dinis, transitou para os Condes de Barcelos, passando por D. Pedro Afonso, 3.º Conde (séc.s XIII e XIV), por D. Afonso, 8.º Conde de Barcelos (século XV), genro de D. Nuno Álvares Pereira, sendo, hoje, o título pertença de D. Duarte Pio, como já o fora de seu pai, D. Duarte Nuno (séculos XX e XXI). Todo o aro de Lamego, incluindo grande número de casais e villas com suas quintãs, veio a pertencer ao 2.º e 3.º Duques de Bragança e Condes de Barcelos, ambos de nome Fernando.

Entretanto, Britiande era incluída numa lista de villae na então jurisdição de Lamego que eram doadas João Rodrigues Pereira por D. João, ao tempo regedor do Reino (7 de Abril de 1385), a saber: Canaveses, o Couce, Aldeia de Galegos, Várzea da Serra, Omezio, Campo Benfeito, Lalim, e outras honras que haviam pertencido a D. Pedro Afonso. A 31 de Agosto de 1423, D. João I, a pedido dos vizinhos de Britiande, outorga-lhes carta de privilégios, isentando-os do pagamento de impostos concelhios – entenda-se pagos a Lamego – e de servir nas obras de reconstrução do castelo desta cidade. Como intermediário, entre os vizinhos e o monarca, figura Martim Vasques da Cunha, alcaide-mor do castelo de Lamego, que, então, detinha Britiande como honra. Carta confirmada por D. Duarte, já a D. Fernando, 9.º Conde de Barcelos, 2.º Duque de Bragança, a 25 de Dezembro de 1433, mas como beetria situação administrativa e jurídica que já vinha de seu pai, D. Afonso, bastardo do rei de Portugal.

Como dissemos, esta situação por que passou Britiande, faz dela uma Beetria, e, na verdade, a população da vila não se desgarrou tão cedo da protecção dos Condes de Barcelos e, mais tarde, Duques de Bragança. Foi escolha feita pelo seu Povo, como sucedia, por vezes, no Reino, preferindo soltar-se da jurisdição directa de Lamego e do seu almoxarifado, e ligar-se a um senhor que a vila escolhera então, como protector, e a quem ficava a pagar direitos senhoriais e dominiais, sobretudo em géneros e serviços. Ao monarca solvia e reconhecia apenas os seus direitos reais, ou, tão-só, parte deles, tendo ainda como garantia que os crimes cometidos pelos seus vizinhos e moradores seriam julgados pelo tribunal do senhor de beetria, excepto os que merecessem a pena capital ou o talhamento de membro sobre o que o rei de Portugal tinha 20 dias para exarar a sua decisão. Não há notícia de Lamego se ter insurgido contra o facto da constituição da beetria, como sucedeu com outros casos em Portugal, dando origem, então, a uma beetria de linhagem, por incomuniação das gentes locais. E assim foi até 1550.

Entretanto, os tempos de instabilidade, resultado da oposição do futuro herdeiro do trono, D. Afonso (IV), contra o pai, temendo os favores que este fazia a seu filho bastardo Afonso Sanches, levaram também a que o Infante D. Pedro Afonso, outro dos filhos legítimos do Lavrador, viesse a deter um bom património, sobretudo nas comarcas do Minho e da Beira, principalmente ao redor de Lamego, vindo, desta feita, Britiande a pertencer-lhe de juro e herdade.

Como beetria, Britiande apenas deixou de o ser, quando começaram a aparecer famílias nobres locais. Mas também não lhe faltou uma vida atribulada nas conjunturas da Crise Dinástica [1383-1385] e das Guerras com Castela [1369-1402], pertencendo a nobres de alta linhagem que se desviaram da linha familiar mais antiga, regressando esta, em 1397, por privilégio de D. João I ao que veio a ser 8.º Conde de Barcelos, seu filho bastardo D. Afonso, o futuro 1.º Duque de Bragança, título concedido pelo regente D. Pedro, seu meio-irmão, em 1442, durante a menoridade de D. Afonso V. Com ela, ainda os moradores de Várzea da Serra, de Campo Bem Feito e de Omezio haviam representado ao rei que eles sempre foram privilegiados, com a isenção do serviço militar, acompanhando fosse quem fosse, excepto aquele que eles escolhessem por seu senhor, como é seu  costume” e, contudo, estavam a ser obrigados a ir servir, acompanhando os fronteiros da comarca, ou seja, os governadores da Beira. Ficou então, por determinação régia, o referido D. Afonso como Senhor de Beetria e depois dele, os Condes de Barcelos e Duques de Bragança.

Como Paço (com sua área destinada à agricultura) e depois vila ou seja centro urbano, que desponta na Idade Média, Britiande contou com as fortificações de Lamego e de Tarouca para defesa de investidas da parte dos Muçulmanos aguerridos. Teve a casa da Câmara, o seu pelourinho frente ao edifício, a cadeia, uma rua do mercado, e a sua Igreja Matriz, devota a S. Silvestre que datam da Idade Média. As origens da dita igreja remontam, pelo menos, aos meados do século XII, época em que, pela primeira vez, surge referida na documentação. Mais tarde, já no século XVII, o eventual estado de degradação do templo deu azo à sua reconstrução, numa linguagem maneirista que se manifesta quer na arquitectura quer na primeira campanha decorativa do interior. A fachada demonstra, no entanto, a existência de intervenções posteriores, talvez contemporâneas da remodelação da torre sineira, no século XIX. Esta, em cantaria, contrasta vivamente com o alçado do templo que ostenta certa nobreza e mesmo uma relativa magnificência arquitectural na sólida torre já referida que ladeia da esquerda a citada igreja.

Esperemos pelos resultados do censo que esteve a decorrer há pouco, a fim de vermos a actual situação em número da população e da razão para se estender um tanto para terras do seu termo.

Lamego, Maio de 2011    

Bibliografia

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