Neste 28 de Maio de 2003 não podia deixar de me lembrar do nosso Papá Zézé, sempre presente, nas minhas modestas incursões subversivas literárias.
Releio pela milésima vez alguns dos poemas de meu Baba medógo (pai pequeno), para não chamá-lo de tio (à europeia).
Neste dia tão especial para a família, não resisto à tentação (é minha obrigação), citar mais uma vez, o nosso Pai – poeta... E hoje em particular este seu poema sobre:
REFLEXÕES NO DIA DOS MEUS ANOS
(28 de Maio de 1968)
Faço anos.
Quantos já não interessa.
Por uma questão de glândulas
infalivelmente na barba e nas têmporas
aos poucos e poucos envelheço.
Faço anos e neste dia
há sempre umas recordações interessantes
ao mesmo tempo que mudamos na aparência
e aos outros parecemos bem conservados
enfim!
Não expirado o prazo da minha ausência
no meu bairro da Munhuana
no preciso dia do meu aniversário
lá com certeza o dia amanheceu
todo assoado de nuvens.
Ah, tudo se transforma! ...
Eu que faço anos
e o tempo inexorável não perdoamos
aos que não acreditam em augúrios
e apesar das mil coisas tristes
os cabelos brancos embelezam - me as fontes
e as notícias nem sempre são todas más
e em segredo algumas
até me rejuvenescem intimamente.
... Faço anos
e o bolor da saudade arroxeia-me as olheiras
e dá-me um ar de homem circunspecto
que lê Camus...
Mas ao mesmo tempo que admiro as viagens espaciais
os antibióticos
e por exemplo a televisão
...ainda me embriaga a retina
um quadro de Portinari
o andar cadenciado duma mulher
um bom jogo de futebol
e um autêntico céu azul a milhafres de nada”...
(in José Craveirinha - 1968)
(Poema escrito na cadeia política da Pide - Machava em LM)
Pois é Papá Zézé...a falta que nos fazes. E agora?
Este João a quem irá consultar nas dúvidas intelectuais surgidas no seu vadiar pelos meandros da cultura geral? Me restará na lembrança os diálogos havidos e outros silenciosos...quando tu, às vezes, sem pronunciares palavra alguma... só um gesto vago divagante e semi-conformado no teu estilo peculiar muito José Craveirinha... Mas “arrecuo” no tempo e me recordo da Mamã, Maria de Lurdes, minha segunda Mãe - santa no milagre do pão diário gerindo a magra economia doméstica, sempre a teu lado esposa – camarada e Mãe do Stelinho e do Zequinha. A nossa Mãe coragem. Também me estou “alembrado” de quando vivias na Mafalala e da geleira...a geleira...”Amarrada a tiras de trapos”...e a Mamã Maria, silenciosa desamarrava a geleira para tirar água ou manteiga...mas, para que estou eu a recordar-te isto se tu melhor o descreves no teu Poema “ A minha Geleira”? Bem sabes, meu Papá Zézé, irmão caçula de meu Pai João, sabes melhor do que ninguém o que é sofrer nas entranhas e na alma, fome e humilhações contidas nos anos coloniais e mesmo por vezes, já ao longo da Independência do teu amado País!
Hoje quase ninguém dá valor ao sacrifício pelos outros. Há mesmo pessoas que me perguntam em Maputo se escrever não dá dinheiro para quê escrever? É que eles e elas, apesar de licenciaturas e mestrados universitários, não sabem que como tu bem sabes e dizias (ainda ouço a voz) - ...”Escrever não é profissão. É vocação!...E também depende do talento e da inspiração.”... Pois é Papá Zézé, é essa danada da criatividade que nos desassossega e temos de extravasar tudo para não nos sufocarmos. E nisso tu és o nosso grande Mestre eterno. Caro Papá Zézé, hoje fico-me por aqui, pois...”o satanhôco papel”.... (como tu dizias), só que desta vez o papel em parceria com a caneta me quer “sabotear” a escrita e “acantonar” a minha inspiração... Resta esta comoção sempre que dialogo contigo... E já agora... PARABÉNS a você...meu Baba medógo e um grande xi – Coração à Mamã, tua esposa, que a teu lado benevolente, sorri, com aquele sorriso a Santa Maria de Lurdes! JC
Dialogando de João Craveirinha, publicado pela primeira vez no Jornal Vertical de Moçambique – Maputo, na Quarta-feira 28 Maio 2003 (594 palavras).
O AUTARCA - 28.05.2008 |