Em 1946, o poeta Aimé Césaire publicou o seu livro de poemas Les Armes Miraculeuses . Nesta colectânea de poemas inseriu uma tragédia Et Les Chiens Se Taisaient. A tragédia começa com a fala do Eco:
«Claro que o Rebelde vai morrer. Oh, não haverá nem bandeira nem tiro de canhão nem cerimonial.
Claro que o Rebelde vai morrer, a melhor razão sendo que nada há a fazer neste universo inválido: confirmado e prisioneiro dele mesmo...Que ele não vai morrer bem está escrito em filigrana no vento, na areia pelo casco dos cavalos selvagens e na foz dos rios...
Malfeitor orgulhoso, não te convêm as lágrimas mas os falcões dos meus punhos e os meus pensamentos de sílex são a minha muda invocação aos deuses do desastre.
Arquitecto de olhos azuis desafio-te
Toma cuidado arquitecto porque se morre o Rebelde não será sem se ter tornado evidente para todos que tu és o construtor de um mundo de pestilência.
Arquitecto tem cuidado
Quem te sagrou? Em que noite trocaste o compasso pelo punhal?
Arquitecto surdo às coisas claro como a árvore mas fechado como uma couraça cada um dos teus passos é uma conquista e uma espoliação e um contra-senso e um atentado.»
Os nossos séculos de prosperidade foram sentidos pelos povos submetidos como o resultado de uma espoliação efectuada à custa do sofrimento e do trabalho escravo. Por isso é tão lenta a progressão da prosperidade nesses países cujos povos continuam a ser os condenados da terra apesar de terem acedido à independência. A palavra espólio deriva da palavra pele e o título A PELE DOS SÉCULOS sintetiza todas as mais-valias acumuladas por séculos de escravidão e rapina que caracterizou a época colonial.
Um excerto do encontro do jovem músico enviado por seu pai para a guerra na Guiné-Bissau com Amílcar Cabral quando da Operação Mar Verde.
«O dia estava luminoso e quente. Junto ao prumo da varanda que dava para o quintal, uma figueira juncava o chão escaldante com as sombras rendilhadas das plácidas folhas. Amílcar Cabral ajeitou a súmbia de lã que lhe cobria a cabeça. Uma ligeira melancolia perpassava pelo seu rosto de feições puras. A morte que o roçara de tão perto ainda lhe deixara no peito uma dor funda. Os séculos de sofrimento da humanidade africana pesavam-lhe nos ombros e, não raro, sentia esse peso esmagar-lhe o peito, o peso de um sofrimento incomensurável. Depois olhava para o jovem que chegara até ele tangido da casa paterna pela vontade de mudança e de libertação que desde a Segunda guerra Mundial galvanizara a África e que sentado, abraçado à harpa, olhava absorto o oceano que via, finalmente, pela primeira vez.»
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JOANA RUAS. Escritora portuguesa. Obras:
Na Guiné com o PAIGC, reportagem escrita nas zonas libertadas da Guiné em 1974, edição da autora, Lisboa, 1975;no jornal da Guiné-Bissau , Nô Pintcha, redige, em 1975, a página de literatura africana de língua portuguesa. Traduz textos inéditos de Amílcar Cabral escritos em língua francesa e recolhe na aldeia de Eticoga (ilha de Orangozinho, arquipélago dos Bijagós), a lenda da origem das saias de palha; Corpo Colonial, Centelha, Coimbra, 1981 (romance distinguido com uma menção honrosa pelo júri da APE; traduzido em búlgaro); Zona (ficção), edição da autora, Lisboa, 1984 (esgotado); O Claro Vento do Mar, Bertrand Editora, Lisboa, 1996; Amar a Uma só Voz ( Mariana Alcoforado nas Elegias de Duíno), Colóquio Rilke, organizado pelo Departamento de Estudos Germanísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1997 e publicado no nº 59 da revista electrónica brasileira AGulha (www.revista.agulha.nom.br; A Amante Judia de Stendhal (ensaio), revista O Escritor, n.º 11/12, Lisboa, 1998; E Matilde Dembowski ( ensaio sobre Stendhal), revista O Escritor, nº13/14, 1999 ; A Guerra Colonial e a Memória do Futuro, comunicação apresentada no Congresso Internacional sobre a Guerra Colonial, organizado pela Universidade Aberta, Lisboa, 2000; A Pele dos Séculos (romance), Editorial Caminho, Lisboa, 2001; tem publicação dispersa em prosa por vários jornais e suplementos literários. Participou com comunicações nas Jornadas de Timor da Universidade do Porto sobre cultura timorense e sobre a Língua Portuguesa em Timor na S.L.P. A sua poesia encontra-se dispersa por publicações como NOVA 2 (1975), um magazine dirigido por Herberto Helder; o seu poema Primavera e Sono com música de Paulo Brandão foi incluído por Jorge Peixinho no 5º Encontro de Música Contemporânea promovido pela Fundação Gulbenkian e mais tarde incluído no ciclo Um Século em Abismo — Poesia do Século XX realizado no C.A.M.; recentemente publicou poesia nas seguintes publicações : Antologia da Poesia Erótica, Universitária Editora; Cartas a Ninguém de Lisa Flores e Ingrid Bloser Martins, Vega ; Na Liberdade, antologia poética, Garça Editores; Mulher, uma antologia poética integrada na colecção Afectos da Editora Labirinto; Um Poema para Fiama, uma antologia publicada pela Editora Labirinto; excertos do seu romance inédito, A Batalha das Lágrimas foram publicados em Mealibra, revista de Cultura do Centro Cultural do Alto Minho.Na revista Foro das Letras foi publicado o seu Caderno de Viagem ao Recife. |