Eu levei um certo tempo para conseguir pensar minha estadia em Portugal. Foram quatro meses de nostalgia, retorno, reencontro e percepção de singularidades únicas. A singularidade única é isto que nos torna tão próximos e distantes do “outro”, da alteridade, de uma certa diferença que nos marca no jeito de falar, pensar, sentir. Falo de um lugar. Este lugar é exatamente este espaço da diferença que marca minha subjetividade como pessoa e que põe no limite a singularidade do outro no encontro com a minha própria singularidade. Eu deveria pensar este espaço como espaço da gratidão. Uma gratidão como marca é como uma dívida que nunca se pode saldar e que permanecerá para sempre no marco dessa sentença, desta palavra belíssima que se chama paixão.
A paixão é aquilo que nos move. Nos move ou nos coloca em locomoção. Eu diria: nos leva em direção a algo. Penso que este algo é o afeto. Afeto por um povo, por uma nação. Estar “pronto”, no sentido de estar disposto para se deixar entranhar e estranhar pelo outro, por esta singularidade única e radical, como diria Derrida (e isto agora faz sentido para mim), não é fácil.
O ser estrangeiro tem um corpo e este corpo inscreve-se numa história. E o meu próprio corpo se inscreve nesta história para se desvelar no véu da minha história pessoal composta e ungida a uma história coletiva, porque o que se torna estranho e nos torna estranho é o coletivo que conjugamos na alteridade, na “estrangeiridade” de ser estrangeiro e olhar o estrangeiro. Minha história, a pessoal e a coletiva se entrelaçando com a história pessoal e coletiva deste outro.
A história que criamos no conjunto e na conjugação de toda uma vida. Uma história que se porta e me importa. Que se inscreve e escreve sem almejar a tradução porque se constitui na impossibilidade de ser pensada: é o meu eu em contato com o outro do outro. Uma subjetividade, pensada dentro desse limite, sempre resulta em uma impossibilidade de tradução e que por essa mesma razão solicita tradução.
Não sei como traduzir. Não sei como me inscrever nesta tradução do outro em mim, mas sei como colocar em relação dois espaços que se conjugam, penso eu. Não penso no equívoco de uma palavra que diga isto ou aquilo. É incerto o movimento e a chama do afeto que se guarda. Não sei para onde vai. Dá o que pensar, o pensar o Brasil em Portugal ou, melhor, pensar minha identidade única e singular no instante mesmo em que penso o outro e o aceito ao me sentir aceita. Não digo e penso um país. Digo e penso a grandeza de um país, de uma nação. Digo e penso a partir de um lugar, o lugar no qual me coloco para ver o outro e no qual o outro se desloca para me ver.
Algumas palavras ficam como marca desse marco: a própria dimensão da história. A própria chama, no sentido de luminosidade e clarividência de algo que me escapa e que, no entanto, se torna presente em minha interioridade. A minha história é a história do meu país e não posso pensar meu país como se este fosse constituído apenas por uma nacionalidade ou um sentimento de nacionalidade. Não. Estou pensando e conjugando: comunhão, eu creio, seria a palavra ideal para transmitir o sentimento da diferença como um sentimento que me deu como retorno a minha própria identidade como pessoa e isto sendo dito no exato momento em que sinto que meu eu se destituiu e se constituiu em outro, deslocou-se. Tudo se move nessa grandeza de ser e não ser já sendo. Este “já sendo” dimensionando o espaço do eu: um “eu” que contido em mim, se desentranha e se deixa habitar pelo outro do outro.
Esta identidade é que me guiou e me deslocou para a percepção e o sentimento de estar presente aqui e agora e despido, sim, nu, diante do outro. O olhar para dentro estando despido daquilo que forma minha identidade, porque investido pelo olhar do outro, é difícil e, por essa razão, nos devolve a nós mesmo. Esta identidade devolvida e revolvida no contato com o outro guardarei como tesouro de rei. É secreta e se oculta na manhosa língua: a minha, a sua, a nossa.
No coloquial brasileiro: Valeu, Portugal!