Que futuro pode
esperar para Cuba agora com Raúl Castro no poder?
Belkis
-- Nada novo
no horizonte, embora faça 30 anos que deixei Cuba, até hoje, as coisas
parecem ter se flexibilizado. No meu tempo, não se podia abrir a boca
que se ia preso. Hoje, se insulta os governantes e se protesta. Isso,
tudo bem, mas Raúl Castro não vai mudar muito, porque não quer e porque
não pode. Nessa idade e acostumado a que façam sua vontade, sem se
importar com nada referente ao povo, não é possível esperar muito.
No começo da
revolução, você e seu esposo Heberto Padilla apoiaram o novo regime?
Belkis
-- Bom, Heberto simpatizava, como quase todo o povo, com as idéias de
transformação que propunha a incipiente revolução, mas, desde o primeiro
momento, acredito, compreendeu que a natureza autoritária de Fidel
Castro, seu ódio aos EUA (onde Heberto tinha vivido os últimos cinco
anos antes de voltar a Cuba) não iam trazer nada de bom para Cuba. Como
intelectual e homem de pensamento muito claro sobre o que havia se
sucedido com os países socialistas, Heberto viu o caminho que Cuba
estava tomando e, por isso, se revelou completamente em seu livro
Fuera del Juego. Eu, que havia desejado abandonar o país
desde 1961, me senti presa em tudo aquilo, sem saber como sair dali,
pelo que sempre expressava minhas críticas, inclusive trabalhando como
jornalista na seção de literatura do jornal Granma, de
onde me demitiram em 1967.
Como ocorreu o
caso Padilla en 1971?
Belkis
-- Após Heberto ganhar o Prêmio de Poesía Julían del Casal, da Unión de
Escritores, e uma vez publicado o livro, a situação foi piorando para
nós, especialmente porque Heberto não se calava e, além disso, escrevia
um romance En mi jardín pastan los héroes, onde se refletia seu ponto de
vista sobre o país. Vivíamos rodeados de espiões da Segurança do Estado
e com a chegada do escritor Jorge Edwards a Cuba, como representante do
governo de Salvador Allende em Havana, as coisas se tornaram realmente
perigosas para nós. Até que, em 20 de março de 1971, nosso apartamento
de El Vedado foi assaltado pela Segurança do Estado e fomos presos.
Heberto ficou detido na Segurança do Estado 37 dias, dos quais 14
completamente incomunicável, até que finalmente consegui vê-lo. Fiquei
três dias sem comunicação, fui praticamente
torturada, pois mantida em um quarto frio. Também fui interrogada por um
oficial armado que me acusava de tudo, sem que eu pudesse me defender.
Fomos fichados como delinquentes, com uma placa pendurada no pescoço com
um número. Meu número como prisioneira era 205308 e o de Heberto,
205307. Como vou me esquecer?
De 1972 a 1979,
vocês foram vítimas de perseguições por parte do regime de Fidel Castro?
Belkis
-- Sim, vivíamos praticamente reclusos em nosso apartamento, sem que
nossos antigos amigos nos visitassem. Apenas um grupo muito pequeno
deles podia nos visitar. Herberto tinha que traduzir para o Instituto
del Libro e eu seguia auxiliando a Unión de Escritores, onde trabalhava
desde que me haviam demitido da redação do Granma, mas não me permitiam,
então, que realizasse meu trabalho como redatora de La Gaceta
de Cuba, senão teria que assinar minha hora de entrada e permanecer
ali sentada, sem poder corrigir as provas de La Gaceta ou
colaborar como escritora. Algo muito estúpido, mas, como sempre fui
rebelde, optei por costurar uma colcha de retalhos na frente de meus
companheiros de redação. Era uma espécie de Penélope, só que não
descosia para não sobrar naquela linda coberta. Pena que eu não tenha
uma foto de como ficou ao final. Também, como eu disse, a Segurança do
Estado vinha quase semanalmente conversar conosco, perguntar coisas,
como estávamos e procurar fazer com que tudo parecesse uma conversa
entre amigos. Nosso telefone estava grampeado e ouviam até nossos
suspiros. Também advertiam Heberto para não receber nenhum jornalista
estrangeiro ou qualquer pessoa que fosse nos visitar. Era um assédio
contínuo, até que escrevi uma carta a Fidel Castro denunciando o
procedimento da Segurança do Estado para conosco. Supostamente, aquela
era uma carta de queixa contra o próprio tirano porque ele e a Segurança
do Estado eram a mesma coisa. Ele me respondeu e mandou me chamar a seu
escritório, mas essa é parte da história que escrevo.
Como aconteceu
seu exílio nos EUA?
Belkis
-- Nada fácil, salvo pelo fato de ser uma opção de liberdade. Custou-me
deixar de ver minha filha durante 18 anos, pois não a permitiram que
saísse de Cuba. E, na verdade, seguimos de algum modo sendo
pressionados. Salvo um pequeno grupo de amigos de Heberto, como Bob
Silver, diretor do The New York Review of Books, Susan
Sontag, Alexander Coleman e outros poucos, ninguém parecia se interessar
por nós e as oportunidades para encontrar trabalho e ganhar bolsas ou
prêmios eram escassas.
Como
foi a experiência com o jornal cultural Linden Lane Magazine?
Belkis
-- Linden Lane Magazine começou a ser publicado em março de
1982 e tinha continuado sem interrupção até há pouco tempo. Voltará a
aparecer, se Deus quiser, em um mês. Mas eu me mudei
de Fort Worth para a Flórida, os meus computadores se quebraram durante
a mudança, o que fez com que atrasasse a saída do jornal. São 27 anos e
não é fácil. Eu fiz o jornal todo sozinha, sem
dinheiro, sem estímulos. Mas me sinto satisfeita com
meu trabalho e em ter resgatado essas vozes da literatura do exílio.
Depois da morte
de Padilla em 2000, como tem sido sua vida? Mudou-se de Princeton para
Fort Worth, Texas?
Belkis
-- Não, me mudei para Fort Worth em 1995 e estive por lá até alguns
meses atrás. Custou-me deixar Princeton e, agora, me custa deixar Fort
Worth. Lá fundei La Casa Azul (Centro Cultural Cubano Heberto Padilla) e
lá tenho minha casinha. Este é o blog de LCA:
http://www.lacasaazulcubana.blogspot.com. Também
temos um website, com um enlace para os números que estão na internet de
Linden Lane Magazine: http://www.lacasaazul.org.
Em La Casa Azul, Heberto deixou a última conferência de sua vida, em 5
de julho de 2000. Em Fort Worth, escrevo uma coluna semanal
no jornal Panorama News, que encontra eco entre os
leitores hispânicos da região. Lá eu estive
trabalhando muito ajudando como conselheira espiritual de meus clientes,
o que hoje faço por telefone.
Como
estão os livros de Padilla? Foram republicados na Espanha? Padilla
deixou livros por publicar?
Belkis
-- Não, não foram republicados, mas espero que sua obra completa apareça
rapidamente. Devo colocar em ordem todos seus papéis e fazer um
volume com seus artigos literários, esses que foram publicados em
El Nuevo Herald durante anos e em La Prensa de New
York, ABC, de Madri, e outros lugares. Também
deixou um romancezinho que tenho sob meu poder e outros textos que
também merecem ver a luz.
E
seus novos livros? Depois de El clavel y la rosa: biografía de
Juana Borrero (1984), foram publicados novos livros? De que
trata o seu livro Juego de Damas?
Belkis
-- Juego de damas é meu livro de
poemas, escrito na mesma época de Fuera del Juego, e foi publicado em
Cuba nos dias em que fomos detidos. O livro foi destruído e acusado de
conter poemas antirrevolucionários e não voltou a ser visto até 2004,
quando o crítico Carlos Espinosa o publicou por conta própria na Editora
Término, na coleção Las Cuatro Estaciones.
Você
também pratica a arte da pintura nos Estados Unidos?
Belkis
-- Pinto espontaneamente desde os anos sessenta, a
raiz de investigar sobre a poeta e pintora Juana Borrero. Sigo pintando
flores e animais, que podem ser vistos no meu blog: http://www.belkiscubanparadiseart.blogspot.com/
Vimos que você
tem um blog de muita participação cultural. O que faz ainda nesse
sentido?
Belkis
-- Sim, este é meu blog pessoal: http://www.belkiscuzamale.blogspot.com.
Estou também escrevendo minhas memórias, tudo que Heberto não
disse em seu livro, La mala memória (Barcelona, Plaza &
Janes, 1989. Meu livro se chamará La buena
memoria. Já havia escrito muito há anos, preocupada em não esquecer
alguns detalhes, mas todos esses anos passei escrevendo. Tenho
três romances, outros dois livros de poemas, um livro de entrevistas com
mulheres cubanas e outros. Sigo colaborando
regularmente com El Nuevo Herald, de Miami, e estou
tentando dar nova vida a La Casa Azul. Também
retomei as edições de Linden Lane Magazine, que já tem mais
de 18 títulos publicados.