Da Interação
de Máscaras individuais e sociais
No carnaval viva a carne, tudo
vale! Carnaval é o tempo dos folguedos antes da Quaresma: os quarenta
dias do jejum em que a carne já não vale tanto.
A tradição destas festas
populares (bacanais) foi domesticada e assumida na cultura católica.
Elas já se praticavam 3.000 anos antes de Cristo na Mesopotâmia. Era
uma semana de festa em que se praticava a igualdade. Nessa semana de
festa, a escrava era igual à senhora e o escravo igual ao senhor. A
tradição do uso da burca tem origem nesse tempo em que as senhoras da
classe elevada se tapavam para, nessa semana, não serem reconhecidas e
não se sentirem tão envergonhadas.
O Carnaval é vida e a vida social
parece configurar-se entre jardim infantil e carnaval. Carnaval e
quarta-feira de cinzas são duas faces da vida: a vida feita de fogo,
lenha e cinza. No Carnaval Deus sorri por trás das nuvens num gesto de
aprovar o desejo das massas populares de liberdade e a ânsia justa de
também elas serem publicamente consideradas.
O carnaval possibilita a expressão
de vários papéis da mesma personalidade. A vida do dia-a-dia exige
autocontrolo não permitindo vivenciar outros ânsias nostálgicas. Assim
o carnaval possibilita a ritualização de necessidades escondidas
legitimando-as num determinado tempo; assim contribui para a ordenação
dos diferentes aspectos da vida.
A máscara permite maior liberdade e
protecção da personalidade. A máscara dá espaço à criatividade
individual e colectiva possibilitando expressões fora do normal e a
possibilidade de a pessoa ter vivências diferentes. Deste modo
possibilita-se, num tempo ordenado, a fuga às máscaras uniformizadas
da sociedade, praticadas no quotidiano durante o resto do ano.
No carnaval o povo desce à rua e
brinca a dizer que também ele quer ver contada a sua história e
perpetuada a sua memória. Nele tudo é música, tudo se resume a um
desejo de festa onde cada qual quer ser igual. No carnaval
sobrepõe-se à mascara habitual uma máscara excepcional, talvez mais
criativa porque personalizada, a partir da pele nua enfeitada de
fantasias.
O desfilar do povo nas ruas poderá
corresponder ao desfilar dos políticos nos écrans das TVs… Enquanto o
povo dança no palco da rua por trás dos bastidores também os há que
fazem falcatruas. Este é o tempo das máscaras e da folia dos de baixo
enquanto as máscaras e a folia dos de cima é todos os dias.
No carnaval é festa, são permitidas
diferentes coreografias, não há queixas, ninguém leva a mal; sob o seu
sol é o tempo de pôr a opinião a corar.
Na poeira do dia-a-dia, Terça-feira
de carnaval é o último dia da máscara posta e a Quarta-feira de cinzas
convida a ver a nudez que se esconde dentro da pessoa (máscara
habitual).
Carl Gustav Jung, psiquiatra e
fundador da psicologia analítica dizia: “Quem olha para fora sonha,
quem olha para dentro desperta.”
Para mim, Carnaval, embora o sinta
de longe, expressa o desejo íntimo de celebrar a vida como festa, é
símbolo de saudade de amor, um sonho de convívio, alegria e animação.
Também o carnaval nos distingue do outro animal… Nele celebra-se o
corpo e na quaresma acentua-se a alma.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo