ANTÓNIO JUSTO...

A CAMINHO DA ILUMINAÇÃO INTELECTUAL E ESPIRITUAL
À Maneira de Meditação - O Fogo que brota da Gruta

Sou feito de céu e terra, se nego o céu deixo de ver, se nego a terra deixo de crescer.

A natureza revela ser um organismo onde tudo caminha em direcção à luz e tudo gira em torno dela. Se observamos o ser humano também constatamos que se direcciona para o Espírito/luz na procura da vivência do calor/amor; a luz, o espírito, o calor/amor são os princípios que tudo inflam e regulam no desenvolvimento da pessoa, da sociedade e da natureza. Somos filhos da luz e por isso não descansamos enquanto não atingirmos a luz e o calor do amor.

Neste processo de procura de amor/luz, chegamos a distrair-nos, num jogo de meninos de bata a tentar saltar a sombra. Santo Agostinho dizia ““Avança no teu caminho, porque só ele existe para a tua caminhada „ mas também acrescentava: “É melhor seguir o bom caminho mancando do que o mau de pé firme!”

Leitor/a amigo/a, vamos navegar num sonho acordado e tentar descortinar aquele estado em que sonho e realidade se unem, em que noite e dia, dor e alegria, escuridão e luz, se dão as mãos numa união de realidade e esperança. Vamos ser mar, sentir a onda que vai e vem, o universo a respirar em nós, num fluir de saudade do aqui-ali-além.

No aqui sou o sono duro e triste a acordar na pedra, no ali sou a água que flui na procura de um fim, no além sou a vida que voa na nuvem junto à luz do amor que me dilata e tudo cobre. Num flutuar entre céu e mar vamos sentir o amor e nele o carinho do mistério que nos envolve. Vamos como a onda que vai e vem, à superfície do mar, receber o melhor que damos.

No profundo de ti, no fundo de cada um há uma imensidade de experiências e revelações a querer subir à superfície. São muitas correntes, órbitras e sistemas a interlaçar-se no mesmo ser, o que dificulta a identificação da força que o sustenta; à imagem do sistema solar com seus planetas e do universo com as suas galáxias em expansão expressamos em miniatura o desenvolvimento do cosmos e a ânsia que o orienta e determina.

Não te admires com o que escrevo porque, ao fazê-lo, faço-o para mim numa procura de verdade através de ti, porque só um tu é capaz de te fazer eu. O universo ajuda-nos a encontra-la no seu caminho com cada ser ordenado e orientado para a floração das relações. No universo e com ele, cada ser é dirigido para a relação divina inefável que parece ser o sentido último da criação.

O ser humano tal como o universo encontra-se em movimento, à semelhança das ondas e das marés, numa afluência de distensão e de contracção. O mesmo princípio se encontra nos movimentos de contracção e expansão dos cíclicos ciclónicos e anticiclónicos da atmosfera e na inspiração e expiração do nosso respirar. No intervalo dos dois movimentos surge a vida.

O mesmo se observa onde o calor expande os elementos e o frio os contrai, onde o amor e a alegria expandem o coração, e a tristeza e a maldade o contraem: como na natura, assim na cultura e consequentemente na vida de cada um. No vácuo da depressão, a baixa pressão causa o mau tempo. Dificulta-se a capacidade da resiliência que crie em nós o equilíbrio, a capacidade de resistir a toda a pressão independentemente do estresse da situação (independentemente da realidade e da expectativa em relação a ela).

Em tempos sombrios, domina a contracção que cria espaços escuros onde se mostra o ódio de rostos culpados enquanto na gruta de Belém surge o fogo sagrado num rosto que torna toda a pessoa luminosa. O verdadeiro impulso a que estamos chamados é a abertura ao relacionamento, do qual surgem novos níveis, novas vivências, novos seres e novas realidades. S. João Baptista, descalço, como Moisés ao pisar terra sagrada junto à sarça-ardente, torna-se o exemplo das predisposições necessárias para o encontro de nós connosco, com o outro, com o sagrado. A gruta de Belém e o ventre de Maria simbolizam também o coração de cada ser humano onde o gene divino repousa, na espera pela energia da fé, pelo fósforo da iniciativa pessoal, que reactiva o nascimento da divindade em nós.

 

Reconhecer a Realidade que somos e as Forças que nos regem

Tudo muda e se transforma, doutro modo pára e apodrece. Se observamos o elemento água, nos seus diferentes estados mais ou menos condensados/retraídos (sólido, líquido, gasoso), podemos ter nele uma analogia para tudo o que acontece também na vida material, psíquica e espiritual de cada um de nós. O Homem mais empedernido é ferido e fere pois ao tornar-se duro perde a sua característica humana (maleável e fofa, respeitadora) e a sua característica espiritual (que tudo penetra no amor que respeita cada ser e cada acontecer). A água no seu estado mais frio concentra-se totalmente em si mesma adquirindo a forma dura e rígida de gelo; no seu estado menos retraído torna-se líquida e maleável; no estado gasoso amplia-se de tal forma que tudo abrange e abraça. O gelo, a pessoa empedernida, não se move, onde está aí fica, desconhecendo a realidade fora dela e de que tudo flui, que tudo se muda, num processo de contracção e de distensão. O que constitui a vida é a relação, o movimento presente nesse processo. O universo, cada objecto, cada ser, no seu caminho (órbitra), tal como as ondas do mar, se move (em fluxo e refluxo) numa cadência de recuo (contracção endurecedora) e avanço (expansão libertadora). Poderíamos considerar o mal como o estado de endurecimento, como o estado do ego, em que a massa não se reconhece em relação com o outro.

Tudo no universo se encontra em rotações ordenadas, não só cíclicas mas também lineares, no sentido de uma espiral ascendente. Tudo está chamado ao crescimento onde o que permanece é vida, numa relação de equivalência, que brota da realidade e dos factos, à imagem da flor que brota da árvore. A vida é mistério e como tal infinita; o cristianismo equaciona-a e resume-a na fórmula trinitária: a Realidade como relação expressa na divindade relacional manifesta na unidade das três pessoas (a segunda pessoa – Jesus Cristo - inclui nela a criação).

Se observamos o universo e a vida nele, também constatamos os dois movimentos, os dois princípios, correspondentes à inspiração e à expiração (a contracção e a distensão).

Na vida social também observamos esses dois movimentos, expressos no egoísmo e no altruísmo, uma força centrípeta virada para o ego e outra centrífuga virada para o outro; uma afirmadora da matéria, virada para a terra e outra espiritual, aberta ao infinito. Se não fossem os movimentos aparentemente contraditórios das ondas do mar (contracção e de dilatação), não haveria vida no mar, tudo apodreceria; o mesmo se diga dos movimentos da respiração e da acção humana. Pelo que constatamos, o universo e cada um de nós estão chamados a ser a vida que acontece no entremeio desses dois movimentos. Não se trata de os pôr em contradição (valorizar uns e desvalorizar outros) mas de os reconhecer e aceitar no mundo e em nós. Se o fizermos encontraremos a paz e a força de agir no seu sentido; então deixaremos de ser meras ondas para nos tornarmos mar!

Já Paulo dizia que o baptizado se torna «filho da luz» (Ef 5, 8). O mesmo vento, que sopra lá fora e acaricia as plantas libertando-as de toda a poeira, sopra doutra maneira no nosso coração em vivências de amor, a ressonância de Deus.

 

O Mundo que dizemos real é, também ele, uma Metáfora/Analogia da Vida  

Ao observarmos a água, nos seus diferentes estados, podemos consciencializar-nos das suas e nossas propriedades naturais e da força da sua simbologia espiritual e social. Mais sólida (impermeável – encerrada em si), mais líquida (permeável - aberta) e gasosa (transmeável – no e com os outros).

Uma pessoa, uma massa mais expandida é mais permeável permitindo nela mais ondas mais diferenciados níveis de vibrações. Semelhante fenómeno acontece no âmbito do pensamento e dos sentimentos, sendo eles de maior ou menor alcance. Pessoas de consciência energética menos massificada têm mais compaixão/empatia com os seres que a circundam chegando a ponto de atingirem um estado de união com os outros seres, sentindo menos a necessidade de se definir ou delimitar.

O medo, a dor, o ódio, o não saber, corresponde ao acto de distanciar-se, contrair-se e limitar-se no viver, no sentir e no pensar, corresponde a estar numa forma de energia contraída e ensimesmada – uma fixação no movimento do ter sem passar à forma alargada do ser! Somos microcosmos e cada sistema, cada coisa, cada ser tem a sua ordem, o seu modelo e correspondentes frequências de vibrações. Importa descobrir o próprio modelo interior, aquele que corresponderá à onda universal, a onda divina aberta. Massa (energia ensimesmada) e espaço encontram-se em interação ordenada em sistemas abertos possibilitadores de novas relações. Tenho a possibilidade de dirigir a atenção e a consciência no sentido de a contrair ou expandir. Amor é a força comum que tudo une e sustenta. Para os cristãos o Espírito Santo é esse amor fruto da relação entre o Pai e o Filho. Amor é agir, é o brotar do interior a expandir, numa interacção do dentro e do fora à semelhança do amor divino que se extravasa na criação.

A dilatação no amor abre-se a todo o ser libertando-o para a possibilidade de tudo fazer, independentemente do valor subjacente ao que se faz. Ama-te como és, quer te encontres numa situação de ampliação ou depressão, quer te encontres num estado de vibração sólida, líquida ou gasosa. Só temos o momento da retracção e da expansão. Olha o comportamento do vento/ar, sente o teu respirar, que repete em ti o respirar de Deus e do universo numa ligação comum que se expressa no espírito sem ter de negar a carne.

 

Também a Planta se transcende no Aroma da Flor e no Fruto – Da Iluminação escurecida

Olha o arvoredo da floresta e as plantas do jardim, cada qual na sua ordem se serve ao serviço de uma ordem mais abrangente. Como elas tento fazer o melhor, a partir do que sou, e isso é suficiente porque é o que tenho num universo em extensão sustentado pelo Espírito que muda, transforma e age em cada um, independentemente do seu estado. Na espiral do desenvolvimento, tudo se desenvolve e liberta a partir da alma no interior da massa que segue o chamamento a tornar-se espaço aberto, tal como a semente que no seu trajecto se torna na resposta, o caminho, em direção ao chamamento do Sol. Ao tornar-me espaço indefinido e aberto, acaba a resistência, tudo se torna permeável através do amor que tudo transforma à imagem do calor que ao agir sobre a massa a torna fluída ou mesmo em vapor. Jesus, o ressuscitado, dizia: “Sou o caminho, a verdade e a vida”! Essencial é pôr-me a caminho do encontro comigo no Outro, do encontro comigo nos outros e dos outros em mim, então torno-me o caminho da vida em mim.

O reencontro no Outro (encíclica “Deus é amor” n° 6) fortalece a consciência de se se ser comunidade, na via dos “bem-aventurados”, na misericórdia fecunda que é a feminidade divina sentida e integrada em nós. Então poderemos melhor compreender e possibilitar em nós a exultação divina no seio de Maria quando esta visita a outra - Isabel. 

Há diversas formas de êxtase/iluminação. Para Kant a iluminação intelectual é o pensar “liberto sem a auto-incorrida tutela de alguém”. A iluminação espiritual é o aroma da vida em flor. É um êxtase, um instante de inebriamento na experiência do amor. A iluminação anda ligada à experiência mais ou menos momentânea do alargamento da consciência que ultrapassa os próprios limites.

Cristãmente falando poderia ser referida como a experiência da natureza trinitária, um ultrapassar de formas, um sentir a relação do inefável - uma identificação momentânea com o todo na vivência da relação, do Filho com o Pai, vivência analógica à do aroma fora da árvore em floração.

Há pessoas que se consideram iluminadas, o que contrariaria a própria iluminação porque ao fazê-lo sairiam da relação e centrar-se-iam no ego da planta que também são. Afirmar-se como iluminado seria certamente um abuso apropriado para criar subserviências ou aspirações de mais-valias em relação a outros humanos. As diferentes formas de oração, de meditação e de outros meios mesmo seculares, poderão provocar vivências momentâneas do inefável (iluminações) que podem contribuir para o desenvolvimento do nosso estado de consciência. Todo o ser está chamado a ir além da massa (como o aroma da flor e o fruto vão além da planta) e a tornar-se mais independente do mundo físico (embora reconhecendo-se parte dele), num esforço de levantamento da matéria para o espírito/amor, à semelhança da água que vai evaporando à medida que recebe mais calor.

As energias de contracção e distensão, o saber e o não saber são momentos da mesma realidade. O bem e o mal, a perfeição e a imperfeição são o solo em que colocamos os pés para podermos andar. O bem e o mal encontram-se em mim, só me resta a graça de orientar-me para o bem para que este possa desabrochar.

Quanto menos me centro no mal e nas negatividades mais espaço fica para o bem, doutro modo petrifico o mal em mim, passando a tropeçar nele; outra opção será não lhe ligar tendo a consciência dele e assim ele torna-se menos duro (massa) e mais permeável. Cada um de nós é seguido pela sombra de suas ideias e sentimentos que, por sua vez, condicionam a realidade. Ao reconhecer a escuridão e a ignorância em mim mais ilumino o espaço escuro, criando mais espaço para o espaço iluminado e para a sabedoria.

Se aceito a resistência, com o tempo, ela não me afronta. Há muitos caminhos para chegar a casa não havendo necessidade de se ficar preso na dualidade do nosso estar, no ou… ou…; o prazer divino aplaina todos os caminhos e ele encontra-se na amizade e na benevolência para com tudo e todos, doutro modo petrificamos a energia em nós. O segredo da felicidade estará em ser livre nos pensamentos, agir por amor e fazer o que nos causa bom sentimento. (Evitar correr atrás da felicidade ou cobiça-la nos outros, evitar pensar “não estou tão adiantado como o outro.”)

A costa, quanto mais aberta é menos sofre, com o impulso da água; a costa rochosa cerrada sofre mais com a resistência que oferece dando razão à água que, com o tempo porque maleável, a reduz a areia. A contracção da massa em forma de rocha sólida torna-a dura mas mais fraca que a água constituída de energia mais distendida e aberta; esta dá-lhe vantagem sobre a massa contraída. Mais sólido, mais líquido ou mais gasoso (espiritual) o que importa é a abertura do aceitar-me como sou e não oferecer resistência ao outro aceitando-o como é; isto porém pressupõe aceitar-se como se é, colocar-se nas mãos de Deus e querer o bem, o resto virá por acréscimo.

Anda comigo, - segreda o espírito e sussurra o vento que se estende e quando passa tudo abraça. Não procures fora, nas ideias e nos objectos o que está dentro; está atento ao teu respirar e reconhecê-lo-ás no pulsar das estrelas, no ondular do mar, na noite e dia, que impelem o teu andar.

Abre as comportas mas com cuidado para não sofreres nem provocares inundação. O mal é como a sombra que só está onde não há sol, onde não há amor. A realidade aparece sob a forma de sol e sombra, não interessa combater a sombra, importante é aprender a redirecioná-la. “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”!

 

Na Mudança - Limitar a vontade de sucesso e dosear o progresso

Lá fora, na selva e na sociedade, domina a força do mal, a lei do mais forte e de quem se impõe. Uma luta do poder pelo poder, onde o poder denuncia o mal do poder para subir ou alcançar poder, o poder económico-político ou moral (1).

Actualmente fala-se muito de tolerância, na opinião publicada, sem se reflectir na sociedade que vive da superfície e do superficial, sem se se questionar a própria percepção. Já St. Agostinho (Aurelius Augustinus 354 até 430) chama à atenção do vício da douta ignorância ao constatar: “À força de ver tudo, acaba-se por tudo suportar. À força de tudo suportar, acaba-se por tudo tolerar. À força de tudo tolerar, acaba-se por tudo aceitar. À força de tudo aceitar, acaba-se por tudo aprovar.” A rutina é o grande perigo, aquilo que nos impede de acordar. Um viver no estado de acordado evita a rutina e a mera reacção de resistência.

No nosso ser temos a energia do bem e a energia do mal tendo a tendência de atribuir, ao de fora, a energia do mal e, ao de dentro, a energia do bem. A raiva vem da mesma fogueira que alimenta o ódio. Já notaste que o vento que anedia as folhas da natureza na primavera espalhando o pólen das flores é o mesmo que lhe arranca as folhas no outono e no inverno?

Porque tenho tanta pressa em atingir o fim, em chegar à meta, sem ter saboreado o caminho, se ao atingir o epílogo só me espera a descida? O progresso espiritual ou cultural é processo relacional e não se deixa avaliar com medidas do ter ou do possuir como é hábito no mundo dos fenómenos naturais e sociais; só uma cultura da paz interior conseguirá anediar e integrar positivamente as energias do exterior.

A nossa tendência para a identificação (para nos definirmos e sentirmos nós) centra a atenção na diferença do ser do outro. Esta legítima aspiração é muitas vezes orientada pelo adquirir, pelo ampliar o próprio corpo, à custa da diminuição do espírito (alma), contra os outros. Neste sentido orientamos a nossa atenção para o negativo e para a queixa como maneira de melhor definir o nosso ego, recorrendo-se para isso à ideia da culpa e do erro fora de nós como se não fossemos também o seu recipiente e o erro não fosse o ponto morto que dará possibilidade ao desenvolvimento.

A culpa e o erro são como a viatura na estrada; seguem sempre do outro lado da rua e não do nosso! A realidade é a mesma, só os sentidos se contradizem! Se há problema este vem da percepção. Se o mal faz parte de nós, mais que lamentá-lo ou atacá-lo será preciso aprender a lidar com ele, como sendo parte de mim e, como tal, também querido e amado. Se tenho uma perna coxa e a trato bem, posso andar embora com dificuldade, mas, se a rejeito ou corto, não posso andar. Importante é reconhecer que se é feito de céu e terra inseparáveis para se passar a ter interesse em fazer o que se quer. 

Na pantalha da fantasia passam ideias e sentimentos mas nós é que as projectamos. A consciência da coisa não é a coisa em si. Quanto mais se ama mais rápidas são as vibrações e tudo passa a flui com menos incrustações, tudo acontece sem que os fenómenos, os acontecimentos ocupem tanto espaço no nosso ser. (Há pessoas que odeiam tanto uma outra pessoa que a querem ver longe de si; não notam porém que quanto mais a odeiam mais ela se torna senhora dela tomando conta do espaço da sua consciência). Uma posição de resistência ao outro endurece uma realidade de si fluída, se compreendida e aceite.

Não é fácil mudar a maneira de ver as coisas. Em momentos difíceis em que o meu ego se sente tocado preciso de mais tempo para observar as ideias e as emoções negativas, a passar no seu rio, sem lhes prestar atenção, até se chegar à indiferença; doutro modo sou levado a descer ao rio delas sendo levado por elas ou ficando encalhado nalgum pormenor ou nalgum redemoinho delas; se as observo de longe sem lhes ligar, o nível baixo das vibrações negativas vai subindo cedendo espaço para as frequências positivas.

Saber de experiência feito! Já experimentaste abençoar a sombra, as ideias, as emoções, as coisas, e até a pessoa que te faz mal? Se o fizeres, seguirás acompanhando no gesto o fluir da tua respiração mais profunda e sentida e o mal já não se apegará a ti, deixando em seu lugar um sentimento de satisfação e paz. O amor surge então com mais ternura da alma dissolvendo todos os nós e até as vibrações negativas físicas e psíquicas mais baixas… Se pelo contrário reages logo, ficando preso nas malhas do pensamento, então estendes o tapete do teu ego ferido aos outros que se apoderam dele passando a arrastar-te para o seu campo; passam a tocar a sua música (e não a tua) nas cordas do teu coração e a tua alma passa a sentir-se apertada passando a ser dominada pela emoção física (a vibração no estado mais baixo), determinada pelos outros.

 

Sou um Cruzamento onde todos os Caminhos se encontram

O Sol e o Espírito são os dois elementos que fazem crescer a natureza e desenvolver a pessoa e a humanidade: são os dois chamamentos que todo o ser segue. Sem eles tudo estagnaria. Se observamos árvores, umas ao lado das outras, verificamos que algumas se esforçam por crescer mais para fugirem à sombra da árvore vizinha. A planta na sombra em vez de se virar contra a vizinha vê nela um estímulo para se dirigir mais para o Sol e assim crescer mais. No nosso dia-a-dia, por vezes, não seguimos o exemplo das plantas e fixamo-nos na escuridão que o próximo provoca ficando presos à sua aura. Então o nosso ar, a nossa aragem, passam a ter a nota escura do outro, prejudicando a nossa área branca da alma que assim se escurece devido ao direccionamento provocado pelo pensamento e pelo sentimento.

Cada um de nós tem a sua afinação própria mas cujo diapasão deverá ser o Espírito, a vibração divina que tudo inclui; se me deixo afinar pela dissonância do vizinho renuncio à afinação com o divino, a minha onda do infinito. Se oriento a atenção para a frequência e vibração da estabilidade espiritual, para a onda divina, onde a misericórdia e a liberdade não têm limites, também a minha consciência se torna abrangente e ilimitada. Como filhos de Deus, estrebordo do Seu amor, estamos chamados a ser uma porta aberta a abrir-se nos dois sentidos, nos sentidos da humanidade e da divindade, uma porta no meio da vida que se abre para nós e para o próximo que se encontra mais visivelmente na infantaria da sociedade a viver nas trevas da História.

O meu ser humano, para o ser em plenitude, é todo ele aberto, tornando-se o lugar do encontro, a interseção do dentro e do fora. O outro é o que me dá perspectiva, a perspectiva da terra para o céu. Que seria da terra sem a perspectiva do firmamento; este foi a ânsia que a levou a criar a atmosfera, de que também vive. Nesta perspectiva, também eu, passo a viver na ressonância, na compaixão com o Outro, com o universo, assumindo a atitude de João Baptista que se limita a preparar o caminho do Senhor (a ipseidade), deixando as sandálias nos pés de Jesus que, por sua vez, mais tarde sacudirá, no respeito pelos outros, para melhor poder andar. No sentido cristão, o outro é o diferente, o longe que se encontra perto, o inferior que se encontra fora (o Samaritano), o baixo do cima e o cima do baixo. Uma identidade que não reconheça nela o dentro e o fora, a terra e o céu, o bem e o mal, passa a viver na luta frustrada de combater fora o que pertence dentro, passa a desentender-se e a viver fora no desentendimento da essência do bem e do mal. O nosso protótipo é “caminho, verdade e vida” que se “esvaziou „de Deus (2Cor 8,9) para embarcar connosco. Daí o chamamento a sermos o caminho da vida.

Muitas vezes, no dia-a-dia, contentamo-nos a limitar o ordenamento dos factos e da realidade a termos apenas bipolares, a duas notas do solfejo, o dó e o si, o sim e o não, o preto e o branco, o certo e o errado, o prosélito e o adversário; pretende-se, deste modo, andar sobre terreno firme e caminho feito, desconhecendo que o caminho é processo, empreendimento sempre em construção, dado o caminho fazer-se andando. O medo só nos deixa andar sobre o alcatrão de certezas solidificadas, que nos tornam duros, de horizontes curtos e delimitados. Desconhece-se, assim, outras realidades, outros caminhos, em que se possa andar sobre as águas como demonstrou Jesus no seu modo de andar.

Se o teu vizinho, independentemente da sua atitude moral, tem uma frequência vibratória inferior à tua, ele procurará roubar-te energia para descer o teu tom para a sua onda de ressonância, para a sua frequência de afinação. Se o teu vizinho se encontra desafinado, não tentes afiná-lo, seria melhor deixá-lo ou ir de encontro à sua negatividade com positividade, para não haver resistência nem curto-circuito. Então a interacção estabiliza-se no sentido do teu estado de espírito. Não exijas de um violão a mesma frequência de tonalidade de um violino, porque com eles poderás conseguir belas melodias. Se receias alguém, o medo torna-te mais fraco do que ele. Deus em Jesus Cristo manifestou-se homem para te dizer que o ponto de partida é da igualdade de valor. Ele quis dizer-te, como protótipo que é, que em ti tens todo o potencial não precisando de olhar ninguém, de baixo para cima, nem de cima para baixo. Se olho alguém de cima para baixo perco a capacidade de olhar para mim e se olho alguém de baixo para cima perco a capacidade de olhar para mim. 

Cada um tem em si as potencialidades de Jesus Cristo e as circunstâncias que o delimita. Jesus não presta atenção aos pecados, ele olha para a pessoa e ama os pecadores porque também reconhece neles a matéria de que é feito. Cada um traz em si as suas feridas mas ninguém deve passar o tempo a lambê-las. Não te deixes amarrar a ninguém, seja pela positiva ou pela negativa, a não ser que te encontres depressivo. Cristo transmitiu a sua mensagem de libertação ao tornar-se num de nós e ao dizer que só nos mudamos quando nos aceitarmos como somos, independentemente do nível de desenvolvimento. A segunda pessoa da santíssima trindade assumiu numa só pessoa o divino e o humano (o Jesus e o Cristo).

Na Cristologia medita-se sobre a Kenosis, o esvaziamento divino (Fil.2, 5-7) em Jesus Cristo.  Através da incarnação, Jesus Cristo deixa na sombra os atributos divinos, continuando a ser parte da Trindade e a estar presente no universo através do Espírito Santo, que actua nele; deste modo Deus solidariza-se com toda a criatura (criação) de uma forma panenteista. A divindade não tem forma mas através da kenosis adquire forma em Jesus. A realidade trinitária pressupõe, em correspondência, que o ser humano se esvazie (kenosis) do mundo (ego mundano) para atingir a dimensão do “ informe” mas pessoal numa ética de corresponsabilidade entre os seres e com o Paráclito. A interacção (relação) entre o pai e o filho expressa-se na terceira pessoa, a outra dimensão no paráclito que resulta da acção da força do amor entre os dois. O amor entre os humanos é, também ele, o resultado de interacções abertas; porém o que nos faz mover não é a energia do movido porque esta não pode ser a mesma do movente.

 

Ama e faze o que queres

A realidade é mistério e como tal pode ser abordada através da acção, de teorias e de crenças. Estou no universo e o universo está em mim não me podendo identificar fora dele. Como a água penetra todo o ser, assim o Espírito que é amor se encontra em todo o ser, em ti e em mim. A água, na presença do sol tende a subir, a mudar de estado e a transformar-se; coisa semelhante se observa com o amor na vida tornando-nos mais leves e universais; se por um lado, na física, temos as leis da gravitação que dão unidade aos corpos atraindo-os uns aos outros, damo-nos conta que, no âmbito social religioso e humano, a moral e a espiritualidade nos une e impulsiona.

A pedra oferece resistência, por isso a água quebra-a e chega a desfazê-la em areia, a água é permeável, oferecendo pouca resistência, por isso se possibilita a passagem ao vapor que tudo alcança. A vida tem muitos níveis em que se pode viver. A aparente diferença da gravidade na queda dos corpos é devida apenas ao grau de resistência que o ar oferece em relação a esses corpos!...

Muitas vezes construímos um ideal como barreira ou como pedestal que nos destaca e impede de nos encontrarmos uns com os outros ao nível dos factos que se manifestam de interpretação diferente devido à percepção limitada de cada um. O Espírito jorra como quer, tal como a água imperceptível jorra em cada árvore, em cada ser, sem ser vista. O importante é encontrar o vibrar do universo em cada facto em cada pessoa e sentir o seu tocar sem a desafinação do próprio ego nem da influência de outrem. Temos a liberdade de nos afinarmos ao nível da consciência cósmica de Cristo, ao nível da comunidade, ou do que quer que seja, sem termos de ser condenados. Que importa se duvidam de ti, a ti basta-te assumir a responsabilidade do viver e a intenção de amar porque nela são lavados os teus actos por mais sujos que sejam. Já Jesus dizia “Ninguém te condenou? Nem eu te condeno a ti, vai e procura não pecar… Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra” (Jo 8, 1-11). A queda no peregrinar é próprio de quem anda não precisando de se incorrer na atitude de Eva a “esconder-se de Deus” (Gen 3, 8-10), a fugir da Presença, porque Deus é a Presença na qual te encontras mesmo quando te encontras na fuga de ti; Deus condena o pecado, a pedra endurecida, mas não o pecaminoso porque …”Deus não quer a morte do pecador, mas sim que este se converta e viva” (Ez 33, 11).

Na voz dos outros escutamos a voz da justiça que é passageira porque julga de fora, mas na voz de Deus escutamos a voz do amor que prevalece e é eterna, é a Presença que julga de dentro.

“Ama e faze o que quiseres” porque o amor que opera de dentro é quem tudo move e mostra o caminho. Jesus age como o Homem liberto que libertou o homem das prisões do pecado, restituiu-lhe a dignidade da liberdade.

À luz do espírito até a negrura se torna brancura porque a glória divina brilha mesmo no ser que parece mais escuro. Jesus Cristo ao colocar em baixo o que estava em cima e ao colocar em cima o que estava em baixo revelou-nos a verdade do meio-termo e reconheceu a diferença. A minha beleza é o reflexo da beleza e da fealdade dos outros e vice-versa. Em ti vejo o que sou porque a realidade que vejo é deformada pelo meu modo de ver, pelo olhar dos meus óculos. Porque não reconhecemos as pessoas do partido oposto com gratidão até por nos ajudarem a ver mais? Cada um é como é e, cada qual se ama como é, no momento adequado da própria imperfeição.

A falta de saber e de empatia (falta de compaixão e misericórdia de nós e dos outros) leva-nos a descobrir o mal nos outros e a não ver o mundo como é. Se não reconhecemos a contracção e a distensão dentro e fora de nós, corremos o risco de nos tornar cúmplices da contracção que condenamos nos outros. Esta atitude afastar-nos-ia da iluminação intelectual e espiritual. Onde não há relação viva a percepção centra-se na análise e descrição das características externas tocando a sua forma e não o conteúdo…. Meditar, implica a vontade de pôr-se a caminho do meio, do centro; esta atitude predispõe-nos a construirmos a experiência do encontro (do outro) à segunda vista e não apenas ao deslumbre do primeiro encontro.

O outro, a compaixão, o êxtase, o milagre da vida, encontra-se em todo o olhar onde a luz mora e brilha. A luz e a verdade aparecem entre o objectivo e o subjectivo, entre a cera e o pavio; ela é o fruto do encontro de céu e terra, o encontro de mim mesmo, comigo no outro. Trata-se de abrir o nosso ser para espaços que nos tocam sem os vermos, aquilo que não consigo fazer mas tento. O segredo da felicidade é a gratidão!

“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (2)! És feito de céu e terra, se negas o céu deixas de ver, se negas a terra deixas de crescer.

 

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo

In Pegadas do Tempo, www.antonio-justo.eu

(1)     Actualmente fala-se muito de tolerância, uma tolerância alucinante ao serviço de estruturas demasiado preocupadas em manter a própria ordem, uma ordem que não se identifica com a pessoa mas a usa. Na Europa a ideia da Integração encontra-se um pouco desvairada! Há estrangeiros que não se integram no país onde chegam! Há europeus que não se integram nos partidos dominantes nem nas tradicionais forças políticas que se alternavam na governação do país! Há cidadãos que, em vez de se integrarem, formam partidos novos! Vai-se tendo a impressão que só se integra quem não tem poder e quem não sabe o que é poder! Para onde caminha a integração? Para a democratização do poder? Sim, até porque na realidade não!

(2)     O livro do "Eclesiastes" do AT é iniciado com estas palavras.

 

 

ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal). E-mail: a.c.justo@t-online.de.

Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .

PUBLICAÇÕES  

- Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel em alemão com secções em português, italiano, turco, françês, grego, editada pela cidade de Kassel, tiragem 5. 000 exemplares.

- Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", editada na Caritas, Kassel

- Editor de "O Farol" , jornal de carácter escolar e social em colaboração com alunos, pais e portugueses das cidades de Bad Wildungen, Hessisch Lichtenau, Kassel, Bad Arolsen e Diemelstadt( de 1981 a 1985)

- Editor de „Boletim da Fracção Portuguesa no Conselho de Estrangeiros de Kassel (1984)

- Autor da Brochura „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“ editada pela Câmara Municipal de Kassel, Fevereiro de 1987.

- Co-autor da Brochura „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, editada pela AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.

Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.

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 http://antonio-justo.blogspot.com/