Sou feito de
céu e terra, se nego o céu deixo de ver, se nego a terra deixo de
crescer.
A natureza revela ser um organismo
onde tudo caminha em direcção à luz e tudo gira em torno dela. Se
observamos o ser humano também constatamos que se direcciona para o
Espírito/luz na procura da vivência do calor/amor; a luz, o espírito,
o calor/amor são os princípios que tudo inflam e regulam no
desenvolvimento da pessoa, da sociedade e da natureza. Somos filhos da
luz e por isso não descansamos enquanto não atingirmos a luz e o calor
do amor.
Neste processo de procura de
amor/luz, chegamos a distrair-nos, num jogo de meninos de bata a
tentar saltar a sombra. Santo Agostinho dizia ““Avança no teu caminho,
porque só ele existe para a tua caminhada „ mas também acrescentava:
“É melhor seguir o bom caminho mancando do que o mau de pé firme!”
Leitor/a amigo/a, vamos navegar num
sonho acordado e tentar descortinar aquele estado em que sonho e
realidade se unem, em que noite e dia, dor e alegria, escuridão e luz,
se dão as mãos numa união de realidade e esperança. Vamos ser mar,
sentir a onda que vai e vem, o universo a respirar em nós, num fluir
de saudade do aqui-ali-além.
No aqui sou o sono duro e triste a
acordar na pedra, no ali sou a água que flui na procura de um fim, no
além sou a vida que voa na nuvem junto à luz do amor que me dilata e
tudo cobre. Num flutuar entre céu e mar vamos sentir o amor e nele o
carinho do mistério que nos envolve. Vamos como a onda que vai e vem,
à superfície do mar, receber o melhor que damos.
No profundo de ti, no fundo de cada
um há uma imensidade de experiências e revelações a querer subir à
superfície. São muitas correntes, órbitras e sistemas a interlaçar-se
no mesmo ser, o que dificulta a identificação da força que o sustenta;
à imagem do sistema solar com seus planetas e do universo com as suas
galáxias em expansão expressamos em miniatura o desenvolvimento do
cosmos e a ânsia que o orienta e determina.
Não te admires com o que escrevo
porque, ao fazê-lo, faço-o para mim numa procura de verdade através de
ti, porque só um tu é capaz de te fazer eu. O universo ajuda-nos a
encontra-la no seu caminho com cada ser ordenado e orientado para a
floração das relações. No universo e com ele, cada ser é dirigido para
a relação divina inefável que parece ser o sentido último da criação.
O ser humano tal como o universo
encontra-se em movimento, à semelhança das ondas e das marés, numa
afluência de distensão e de contracção. O mesmo princípio se encontra
nos movimentos de contracção e expansão dos cíclicos ciclónicos e
anticiclónicos da atmosfera e na inspiração e expiração do nosso
respirar. No intervalo dos dois movimentos surge a vida.
O mesmo se observa onde o calor
expande os elementos e o frio os contrai, onde o amor e a alegria
expandem o coração, e a tristeza e a maldade o contraem: como na
natura, assim na cultura e consequentemente na vida de cada um. No
vácuo da depressão, a baixa pressão causa o mau tempo. Dificulta-se a
capacidade da resiliência que crie em nós o equilíbrio, a capacidade
de resistir a toda a pressão independentemente do estresse da situação
(independentemente da realidade e da expectativa em relação a ela).
Em tempos sombrios, domina a
contracção que cria espaços escuros onde se mostra o ódio de rostos
culpados enquanto na gruta de Belém surge o fogo sagrado num rosto que
torna toda a pessoa luminosa. O verdadeiro impulso a que estamos
chamados é a abertura ao relacionamento, do qual surgem novos níveis,
novas vivências, novos seres e novas realidades. S. João Baptista,
descalço, como Moisés ao pisar terra sagrada junto à sarça-ardente,
torna-se o exemplo das predisposições necessárias para o encontro de
nós connosco, com o outro, com o sagrado. A gruta de Belém e o ventre
de Maria simbolizam também o coração de cada ser humano onde o gene
divino repousa, na espera pela energia da fé, pelo fósforo da
iniciativa pessoal, que reactiva o nascimento da divindade em nós.
Reconhecer a
Realidade que somos e as Forças que nos regem
Tudo muda e se transforma, doutro
modo pára e apodrece. Se observamos o elemento água, nos seus
diferentes estados mais ou menos condensados/retraídos (sólido,
líquido, gasoso), podemos ter nele uma analogia para tudo o que
acontece também na vida material, psíquica e espiritual de cada um de
nós. O Homem mais empedernido é ferido e fere pois ao tornar-se duro
perde a sua característica humana (maleável e fofa, respeitadora) e a
sua característica espiritual (que tudo penetra no amor que respeita
cada ser e cada acontecer). A água no seu estado mais frio
concentra-se totalmente em si mesma adquirindo a forma dura e rígida
de gelo; no seu estado menos retraído torna-se líquida e maleável; no
estado gasoso amplia-se de tal forma que tudo abrange e abraça. O
gelo, a pessoa empedernida, não se move, onde está aí fica,
desconhecendo a realidade fora dela e de que tudo flui, que tudo se
muda, num processo de contracção e de distensão. O que constitui a
vida é a relação, o movimento presente nesse processo. O universo,
cada objecto, cada ser, no seu caminho (órbitra), tal como as ondas do
mar, se move (em fluxo e refluxo) numa cadência de recuo (contracção
endurecedora) e avanço (expansão libertadora). Poderíamos considerar o
mal como o estado de endurecimento, como o estado do ego, em que a
massa não se reconhece em relação com o outro.
Tudo no universo se encontra em
rotações ordenadas, não só cíclicas mas também lineares, no sentido de
uma espiral ascendente. Tudo está chamado ao crescimento onde o que
permanece é vida, numa relação de equivalência, que brota da realidade
e dos factos, à imagem da flor que brota da árvore. A vida é mistério
e como tal infinita; o cristianismo equaciona-a e resume-a na fórmula
trinitária: a Realidade como relação expressa na divindade relacional
manifesta na unidade das três pessoas (a segunda pessoa – Jesus Cristo
- inclui nela a criação).
Se observamos o universo e a vida
nele, também constatamos os dois movimentos, os dois princípios,
correspondentes à inspiração e à expiração (a contracção e a
distensão).
Na vida social também observamos
esses dois movimentos, expressos no egoísmo e no altruísmo, uma força
centrípeta virada para o ego e outra centrífuga virada para o outro;
uma afirmadora da matéria, virada para a terra e outra espiritual,
aberta ao infinito. Se não fossem os movimentos aparentemente
contraditórios das ondas do mar (contracção e de dilatação), não
haveria vida no mar, tudo apodreceria; o mesmo se diga dos movimentos
da respiração e da acção humana. Pelo que constatamos, o universo e
cada um de nós estão chamados a ser a vida que acontece no entremeio
desses dois movimentos. Não se trata de os pôr em contradição
(valorizar uns e desvalorizar outros) mas de os reconhecer e aceitar
no mundo e em nós. Se o fizermos encontraremos a paz e a força de agir
no seu sentido; então deixaremos de ser meras ondas para nos tornarmos
mar!
Já Paulo dizia que o baptizado se
torna «filho da luz» (Ef 5, 8). O mesmo vento, que sopra lá fora e
acaricia as plantas libertando-as de toda a poeira, sopra doutra
maneira no nosso coração em vivências de amor, a ressonância de Deus.
O Mundo
que dizemos real é, também ele, uma Metáfora/Analogia da Vida
Ao observarmos a água, nos seus
diferentes estados, podemos consciencializar-nos das suas e nossas
propriedades naturais e da força da sua simbologia espiritual e
social. Mais sólida (impermeável – encerrada em si), mais líquida
(permeável - aberta) e gasosa (transmeável – no e com os outros).
Uma pessoa, uma massa mais
expandida é mais permeável permitindo nela mais ondas mais
diferenciados níveis de vibrações. Semelhante fenómeno acontece no
âmbito do pensamento e dos sentimentos, sendo eles de maior ou menor
alcance. Pessoas de consciência energética menos massificada têm mais
compaixão/empatia com os seres que a circundam chegando a ponto de
atingirem um estado de união com os outros seres, sentindo menos a
necessidade de se definir ou delimitar.
O medo, a dor, o ódio, o não saber,
corresponde ao acto de distanciar-se, contrair-se e limitar-se no
viver, no sentir e no pensar, corresponde a estar numa forma de
energia contraída e ensimesmada – uma fixação no movimento do ter sem
passar à forma alargada do ser! Somos microcosmos e cada sistema, cada
coisa, cada ser tem a sua ordem, o seu modelo e correspondentes
frequências de vibrações. Importa descobrir o próprio modelo interior,
aquele que corresponderá à onda universal, a onda divina aberta. Massa
(energia ensimesmada) e espaço encontram-se em interação ordenada em
sistemas abertos possibilitadores de novas relações. Tenho a
possibilidade de dirigir a atenção e a consciência no sentido de a
contrair ou expandir. Amor é a força comum que tudo une e sustenta.
Para os cristãos o Espírito Santo é esse amor fruto da relação entre o
Pai e o Filho. Amor é agir, é o brotar do interior a expandir, numa
interacção do dentro e do fora à semelhança do amor divino que se
extravasa na criação.
A dilatação no amor abre-se a todo
o ser libertando-o para a possibilidade de tudo fazer,
independentemente do valor subjacente ao que se faz. Ama-te como és,
quer te encontres numa situação de ampliação ou depressão, quer te
encontres num estado de vibração sólida, líquida ou gasosa. Só temos o
momento da retracção e da expansão. Olha o comportamento do vento/ar,
sente o teu respirar, que repete em ti o respirar de Deus e do
universo numa ligação comum que se expressa no espírito sem ter de
negar a carne.
Também a Planta
se transcende no Aroma da Flor e no Fruto – Da Iluminação escurecida
Olha o arvoredo da floresta e as
plantas do jardim, cada qual na sua ordem se serve ao serviço de uma
ordem mais abrangente. Como elas tento fazer o melhor, a partir do que
sou, e isso é suficiente porque é o que tenho num universo em extensão
sustentado pelo Espírito que muda, transforma e age em cada um,
independentemente do seu estado. Na espiral do desenvolvimento, tudo
se desenvolve e liberta a partir da alma no interior da massa que
segue o chamamento a tornar-se espaço aberto, tal como a semente que
no seu trajecto se torna na resposta, o caminho, em direção ao
chamamento do Sol. Ao tornar-me espaço indefinido e aberto, acaba a
resistência, tudo se torna permeável através do amor que tudo
transforma à imagem do calor que ao agir sobre a massa a torna fluída
ou mesmo em vapor. Jesus, o ressuscitado, dizia: “Sou o caminho, a
verdade e a vida”! Essencial é pôr-me a caminho do encontro comigo no
Outro, do encontro comigo nos outros e dos outros em mim, então
torno-me o caminho da vida em mim.
O reencontro no Outro (encíclica
“Deus é amor” n° 6) fortalece a consciência de se se ser comunidade,
na via dos “bem-aventurados”, na misericórdia fecunda que é a
feminidade divina sentida e integrada em nós. Então poderemos melhor
compreender e possibilitar em nós a exultação divina no seio de Maria
quando esta visita a outra - Isabel.
Há diversas formas de
êxtase/iluminação. Para Kant a iluminação intelectual é o pensar
“liberto sem a auto-incorrida tutela de alguém”. A iluminação
espiritual é o aroma da vida em flor. É um êxtase, um instante de
inebriamento na experiência do amor. A iluminação anda ligada à
experiência mais ou menos momentânea do alargamento da consciência que
ultrapassa os próprios limites.
Cristãmente falando poderia ser
referida como a experiência da natureza trinitária, um ultrapassar de
formas, um sentir a relação do inefável - uma identificação momentânea
com o todo na vivência da relação, do Filho com o Pai, vivência
analógica à do aroma fora da árvore em floração.
Há pessoas que se consideram
iluminadas, o que contrariaria a própria iluminação porque ao fazê-lo
sairiam da relação e centrar-se-iam no ego da planta que também são.
Afirmar-se como iluminado seria certamente um abuso apropriado para
criar subserviências ou aspirações de mais-valias em relação a outros
humanos. As diferentes formas de oração, de meditação e de outros
meios mesmo seculares, poderão provocar vivências momentâneas do
inefável (iluminações) que podem contribuir para o desenvolvimento do
nosso estado de consciência. Todo o ser está chamado a ir além da
massa (como o aroma da flor e o fruto vão além da planta) e a
tornar-se mais independente do mundo físico (embora reconhecendo-se
parte dele), num esforço de levantamento da matéria para o
espírito/amor, à semelhança da água que vai evaporando à medida que
recebe mais calor.
As energias de contracção e
distensão, o saber e o não saber são momentos da mesma realidade. O
bem e o mal, a perfeição e a imperfeição são o solo em que colocamos
os pés para podermos andar. O bem e o mal encontram-se em mim, só me
resta a graça de orientar-me para o bem para que este possa
desabrochar.
Quanto menos me centro no mal e nas
negatividades mais espaço fica para o bem, doutro modo petrifico o mal
em mim, passando a tropeçar nele; outra opção será não lhe ligar tendo
a consciência dele e assim ele torna-se menos duro (massa) e mais
permeável. Cada um de nós é seguido pela sombra de suas ideias e
sentimentos que, por sua vez, condicionam a realidade. Ao reconhecer a
escuridão e a ignorância em mim mais ilumino o espaço escuro, criando
mais espaço para o espaço iluminado e para a sabedoria.
Se aceito a resistência, com o
tempo, ela não me afronta. Há muitos caminhos para chegar a casa não
havendo necessidade de se ficar preso na dualidade do nosso estar, no
ou… ou…; o prazer divino aplaina todos os caminhos e ele encontra-se
na amizade e na benevolência para com tudo e todos, doutro modo
petrificamos a energia em nós. O segredo da felicidade estará em ser
livre nos pensamentos, agir por amor e fazer o que nos causa bom
sentimento. (Evitar correr atrás da felicidade ou cobiça-la nos
outros, evitar pensar “não estou tão adiantado como o outro.”)
A costa, quanto mais aberta é menos
sofre, com o impulso da água; a costa rochosa cerrada sofre mais com a
resistência que oferece dando razão à água que, com o tempo porque
maleável, a reduz a areia. A contracção da massa em forma de rocha
sólida torna-a dura mas mais fraca que a água constituída de energia
mais distendida e aberta; esta dá-lhe vantagem sobre a massa
contraída. Mais sólido, mais líquido ou mais gasoso (espiritual) o que
importa é a abertura do aceitar-me como sou e não oferecer resistência
ao outro aceitando-o como é; isto porém pressupõe aceitar-se como se
é, colocar-se nas mãos de Deus e querer o bem, o resto virá por
acréscimo.
Anda comigo, - segreda o espírito e
sussurra o vento que se estende e quando passa tudo abraça. Não
procures fora, nas ideias e nos objectos o que está dentro; está
atento ao teu respirar e reconhecê-lo-ás no pulsar das estrelas, no
ondular do mar, na noite e dia, que impelem o teu andar.
Abre as comportas mas com cuidado
para não sofreres nem provocares inundação. O mal é como a sombra que
só está onde não há sol, onde não há amor. A realidade aparece sob a
forma de sol e sombra, não interessa combater a sombra, importante é
aprender a redirecioná-la. “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”!
Na Mudança -
Limitar a vontade de sucesso e dosear o progresso
Lá fora, na selva e na sociedade,
domina a força do mal, a lei do mais forte e de quem se impõe. Uma
luta do poder pelo poder, onde o poder denuncia o mal do poder para
subir ou alcançar poder, o poder económico-político ou moral (1).
Actualmente fala-se muito de
tolerância, na opinião publicada, sem se reflectir na sociedade que
vive da superfície e do superficial, sem se se questionar a própria
percepção. Já St. Agostinho (Aurelius Augustinus 354 até 430) chama à
atenção do vício da douta ignorância ao constatar: “À força de ver
tudo, acaba-se por tudo suportar. À força de tudo suportar, acaba-se
por tudo tolerar. À força de tudo tolerar, acaba-se por tudo aceitar.
À força de tudo aceitar, acaba-se por tudo aprovar.” A rutina é o
grande perigo, aquilo que nos impede de acordar. Um viver no estado de
acordado evita a rutina e a mera reacção de resistência.
No nosso ser temos a energia do bem
e a energia do mal tendo a tendência de atribuir, ao de fora, a
energia do mal e, ao de dentro, a energia do bem. A raiva vem da mesma
fogueira que alimenta o ódio. Já notaste que o vento que anedia as
folhas da natureza na primavera espalhando o pólen das flores é o
mesmo que lhe arranca as folhas no outono e no inverno?
Porque tenho tanta pressa em
atingir o fim, em chegar à meta, sem ter saboreado o caminho, se ao
atingir o epílogo só me espera a descida? O progresso espiritual ou
cultural é processo relacional e não se deixa avaliar com medidas do
ter ou do possuir como é hábito no mundo dos fenómenos naturais e
sociais; só uma cultura da paz interior conseguirá anediar e integrar
positivamente as energias do exterior.
A nossa tendência para a
identificação (para nos definirmos e sentirmos nós) centra a atenção
na diferença do ser do outro. Esta legítima aspiração é muitas vezes
orientada pelo adquirir, pelo ampliar o próprio corpo, à custa da
diminuição do espírito (alma), contra os outros. Neste sentido
orientamos a nossa atenção para o negativo e para a queixa como
maneira de melhor definir o nosso ego, recorrendo-se para isso à ideia
da culpa e do erro fora de nós como se não fossemos também o seu
recipiente e o erro não fosse o ponto morto que dará possibilidade ao
desenvolvimento.
A culpa e o erro são como a viatura
na estrada; seguem sempre do outro lado da rua e não do nosso! A
realidade é a mesma, só os sentidos se contradizem! Se há problema
este vem da percepção. Se o mal faz parte de nós, mais que lamentá-lo
ou atacá-lo será preciso aprender a lidar com ele, como sendo parte de
mim e, como tal, também querido e amado. Se tenho uma perna coxa e a
trato bem, posso andar embora com dificuldade, mas, se a rejeito ou
corto, não posso andar. Importante é reconhecer que se é feito de céu
e terra inseparáveis para se passar a ter interesse em fazer o que se
quer.
Na pantalha da fantasia passam
ideias e sentimentos mas nós é que as projectamos. A consciência da
coisa não é a coisa em si. Quanto mais se ama mais rápidas são as
vibrações e tudo passa a flui com menos incrustações, tudo acontece
sem que os fenómenos, os acontecimentos ocupem tanto espaço no nosso
ser. (Há pessoas que odeiam tanto uma outra pessoa que a querem ver
longe de si; não notam porém que quanto mais a odeiam mais ela se
torna senhora dela tomando conta do espaço da sua consciência). Uma
posição de resistência ao outro endurece uma realidade de si fluída,
se compreendida e aceite.
Não é fácil mudar a maneira de ver
as coisas. Em momentos difíceis em que o meu ego se sente tocado
preciso de mais tempo para observar as ideias e as emoções negativas,
a passar no seu rio, sem lhes prestar atenção, até se chegar à
indiferença; doutro modo sou levado a descer ao rio delas sendo levado
por elas ou ficando encalhado nalgum pormenor ou nalgum redemoinho
delas; se as observo de longe sem lhes ligar, o nível baixo das
vibrações negativas vai subindo cedendo espaço para as frequências
positivas.
Saber de experiência feito! Já
experimentaste abençoar a sombra, as ideias, as emoções, as coisas, e
até a pessoa que te faz mal? Se o fizeres, seguirás acompanhando no
gesto o fluir da tua respiração mais profunda e sentida e o mal já não
se apegará a ti, deixando em seu lugar um sentimento de satisfação e
paz. O amor surge então com mais ternura da alma dissolvendo todos os
nós e até as vibrações negativas físicas e psíquicas mais baixas… Se
pelo contrário reages logo, ficando preso nas malhas do pensamento,
então estendes o tapete do teu ego ferido aos outros que se apoderam
dele passando a arrastar-te para o seu campo; passam a tocar a sua
música (e não a tua) nas cordas do teu coração e a tua alma passa a
sentir-se apertada passando a ser dominada pela emoção física (a
vibração no estado mais baixo), determinada pelos outros.
Sou um
Cruzamento onde todos os Caminhos se encontram
O Sol e o Espírito são os dois
elementos que fazem crescer a natureza e desenvolver a pessoa e a
humanidade: são os dois chamamentos que todo o ser segue. Sem eles
tudo estagnaria. Se observamos árvores, umas ao lado das outras,
verificamos que algumas se esforçam por crescer mais para fugirem à
sombra da árvore vizinha. A planta na sombra em vez de se virar contra
a vizinha vê nela um estímulo para se dirigir mais para o Sol e assim
crescer mais. No nosso dia-a-dia, por vezes, não seguimos o exemplo
das plantas e fixamo-nos na escuridão que o próximo provoca ficando
presos à sua aura. Então o nosso ar, a nossa aragem, passam a ter a
nota escura do outro, prejudicando a nossa área branca da alma que
assim se escurece devido ao direccionamento provocado pelo pensamento
e pelo sentimento.
Cada um de nós tem a sua afinação
própria mas cujo diapasão deverá ser o Espírito, a vibração divina que
tudo inclui; se me deixo afinar pela dissonância do vizinho renuncio à
afinação com o divino, a minha onda do infinito. Se oriento a atenção
para a frequência e vibração da estabilidade espiritual, para a onda
divina, onde a misericórdia e a liberdade não têm limites, também a
minha consciência se torna abrangente e ilimitada. Como filhos de
Deus, estrebordo do Seu amor, estamos chamados a ser uma porta aberta
a abrir-se nos dois sentidos, nos sentidos da humanidade e da
divindade, uma porta no meio da vida que se abre para nós e para o
próximo que se encontra mais visivelmente na infantaria da sociedade a
viver nas trevas da História.
O meu ser humano, para o ser em
plenitude, é todo ele aberto, tornando-se o lugar do encontro, a
interseção do dentro e do fora. O outro é o que me dá perspectiva, a
perspectiva da terra para o céu. Que seria da terra sem a perspectiva
do firmamento; este foi a ânsia que a levou a criar a atmosfera, de
que também vive. Nesta perspectiva, também eu, passo a viver na
ressonância, na compaixão com o Outro, com o universo, assumindo a
atitude de João Baptista que se limita a preparar o caminho do Senhor
(a ipseidade), deixando as sandálias nos pés de Jesus que, por sua
vez, mais tarde sacudirá, no respeito pelos outros, para melhor poder
andar. No sentido cristão, o outro é o diferente, o longe que se
encontra perto, o inferior que se encontra fora (o Samaritano), o
baixo do cima e o cima do baixo. Uma identidade que não reconheça nela
o dentro e o fora, a terra e o céu, o bem e o mal, passa a viver na
luta frustrada de combater fora o que pertence dentro, passa a
desentender-se e a viver fora no desentendimento da essência do bem e
do mal. O nosso protótipo é “caminho, verdade e vida” que se “esvaziou
„de Deus (2Cor 8,9) para embarcar connosco. Daí o chamamento a sermos
o caminho da vida.
Muitas vezes, no dia-a-dia,
contentamo-nos a limitar o ordenamento dos factos e da realidade a
termos apenas bipolares, a duas notas do solfejo, o dó e o si, o sim e
o não, o preto e o branco, o certo e o errado, o prosélito e o
adversário; pretende-se, deste modo, andar sobre terreno firme e
caminho feito, desconhecendo que o caminho é processo, empreendimento
sempre em construção, dado o caminho fazer-se andando. O medo só nos
deixa andar sobre o alcatrão de certezas solidificadas, que nos tornam
duros, de horizontes curtos e delimitados. Desconhece-se, assim,
outras realidades, outros caminhos, em que se possa andar sobre as
águas como demonstrou Jesus no seu modo de andar.
Se o teu vizinho, independentemente
da sua atitude moral, tem uma frequência vibratória inferior à tua,
ele procurará roubar-te energia para descer o teu tom para a sua onda
de ressonância, para a sua frequência de afinação. Se o teu vizinho se
encontra desafinado, não tentes afiná-lo, seria melhor deixá-lo ou ir
de encontro à sua negatividade com positividade, para não haver
resistência nem curto-circuito. Então a interacção estabiliza-se no
sentido do teu estado de espírito. Não exijas de um violão a mesma
frequência de tonalidade de um violino, porque com eles poderás
conseguir belas melodias. Se receias alguém, o medo torna-te mais
fraco do que ele. Deus em Jesus Cristo manifestou-se homem para te
dizer que o ponto de partida é da igualdade de valor. Ele quis
dizer-te, como protótipo que é, que em ti tens todo o potencial não
precisando de olhar ninguém, de baixo para cima, nem de cima para
baixo. Se olho alguém de cima para baixo perco a capacidade de olhar
para mim e se olho alguém de baixo para cima perco a capacidade de
olhar para mim.
Cada um tem em si as
potencialidades de Jesus Cristo e as circunstâncias que o delimita.
Jesus não presta atenção aos pecados, ele olha para a pessoa e ama os
pecadores porque também reconhece neles a matéria de que é feito. Cada
um traz em si as suas feridas mas ninguém deve passar o tempo a
lambê-las. Não te deixes amarrar a ninguém, seja pela positiva ou pela
negativa, a não ser que te encontres depressivo. Cristo transmitiu a
sua mensagem de libertação ao tornar-se num de nós e ao dizer que só
nos mudamos quando nos aceitarmos como somos, independentemente do
nível de desenvolvimento. A segunda pessoa da santíssima trindade
assumiu numa só pessoa o divino e o humano (o Jesus e o Cristo).
Na Cristologia medita-se sobre a
Kenosis, o esvaziamento divino (Fil.2, 5-7) em Jesus Cristo. Através
da incarnação, Jesus Cristo deixa na sombra os atributos divinos,
continuando a ser parte da Trindade e a estar presente no universo
através do Espírito Santo, que actua nele; deste modo Deus
solidariza-se com toda a criatura (criação) de uma forma panenteista.
A divindade não tem forma mas através da kenosis adquire forma em
Jesus. A realidade trinitária pressupõe, em correspondência, que o ser
humano se esvazie (kenosis) do mundo (ego mundano) para atingir a
dimensão do “ informe” mas pessoal numa ética de corresponsabilidade
entre os seres e com o Paráclito. A interacção (relação) entre o pai e
o filho expressa-se na terceira pessoa, a outra dimensão no paráclito
que resulta da acção da força do amor entre os dois. O amor entre os
humanos é, também ele, o resultado de interacções abertas; porém o que
nos faz mover não é a energia do movido porque esta não pode ser a
mesma do movente.
Ama e faze o que
queres
A realidade é mistério e como tal
pode ser abordada através da acção, de teorias e de crenças. Estou no
universo e o universo está em mim não me podendo identificar fora
dele. Como a água penetra todo o ser, assim o Espírito que é amor se
encontra em todo o ser, em ti e em mim. A água, na presença do sol
tende a subir, a mudar de estado e a transformar-se; coisa semelhante
se observa com o amor na vida tornando-nos mais leves e universais; se
por um lado, na física, temos as leis da gravitação que dão unidade
aos corpos atraindo-os uns aos outros, damo-nos conta que, no âmbito
social religioso e humano, a moral e a espiritualidade nos une e
impulsiona.
A pedra oferece resistência, por
isso a água quebra-a e chega a desfazê-la em areia, a água é
permeável, oferecendo pouca resistência, por isso se possibilita a
passagem ao vapor que tudo alcança. A vida tem muitos níveis em que se
pode viver. A aparente diferença da gravidade na queda dos corpos é
devida apenas ao grau de resistência que o ar oferece em
relação a esses corpos!...
Muitas vezes construímos um ideal
como barreira ou como pedestal que nos destaca e impede de nos
encontrarmos uns com os outros ao nível dos factos que se manifestam
de interpretação diferente devido à percepção limitada de cada um. O
Espírito jorra como quer, tal como a água imperceptível jorra em cada
árvore, em cada ser, sem ser vista. O importante é encontrar o vibrar
do universo em cada facto em cada pessoa e sentir o seu tocar sem a
desafinação do próprio ego nem da influência de outrem. Temos a
liberdade de nos afinarmos ao nível da consciência cósmica de Cristo,
ao nível da comunidade, ou do que quer que seja, sem termos de ser
condenados. Que importa se duvidam de ti, a ti basta-te assumir a
responsabilidade do viver e a intenção de amar porque nela são lavados
os teus actos por mais sujos que sejam. Já Jesus dizia “Ninguém te
condenou? Nem eu te condeno a ti, vai e procura não pecar… Quem de vós
estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra” (Jo 8,
1-11). A queda no peregrinar é próprio de quem anda não precisando de
se incorrer na atitude de Eva a “esconder-se de Deus” (Gen 3, 8-10), a
fugir da Presença, porque Deus é a Presença na qual te encontras mesmo
quando te encontras na fuga de ti; Deus condena o pecado, a pedra
endurecida, mas não o pecaminoso porque …”Deus não quer a morte do
pecador, mas sim que este se converta e viva” (Ez 33, 11).
Na voz dos outros escutamos a voz
da justiça que é passageira porque julga de fora, mas na voz de Deus
escutamos a voz do amor que prevalece e é eterna, é a Presença que
julga de dentro.
“Ama e faze o que quiseres” porque
o amor que opera de dentro é quem tudo move e mostra o caminho. Jesus
age como o Homem liberto que libertou o homem das prisões do pecado,
restituiu-lhe a dignidade da liberdade.
À luz do espírito até a negrura se
torna brancura porque a glória divina brilha mesmo no ser que parece
mais escuro. Jesus Cristo ao colocar em baixo o que estava em cima e
ao colocar em cima o que estava em baixo revelou-nos a verdade do
meio-termo e reconheceu a diferença. A minha beleza é o reflexo da
beleza e da fealdade dos outros e vice-versa. Em ti vejo o que sou
porque a realidade que vejo é deformada pelo meu modo de ver, pelo
olhar dos meus óculos. Porque não reconhecemos as pessoas do partido
oposto com gratidão até por nos ajudarem a ver mais? Cada um é como é
e, cada qual se ama como é, no momento adequado da própria
imperfeição.
A falta de saber e de empatia
(falta de compaixão e misericórdia de nós e dos outros) leva-nos a
descobrir o mal nos outros e a não ver o mundo como é. Se não
reconhecemos a contracção e a distensão dentro e fora de nós, corremos
o risco de nos tornar cúmplices da contracção que condenamos nos
outros. Esta atitude afastar-nos-ia da iluminação intelectual e
espiritual. Onde não há relação viva a percepção centra-se na análise
e descrição das características externas tocando a sua forma e não o
conteúdo…. Meditar, implica a vontade de pôr-se a caminho do meio, do
centro; esta atitude predispõe-nos a construirmos a experiência do
encontro (do outro) à segunda vista e não apenas ao deslumbre do
primeiro encontro.
O outro, a compaixão, o êxtase, o
milagre da vida, encontra-se em todo o olhar onde a luz mora e brilha.
A luz e a verdade aparecem entre o objectivo e o subjectivo, entre a
cera e o pavio; ela é o fruto do encontro de céu e terra, o encontro
de mim mesmo, comigo no outro. Trata-se de abrir o nosso ser para
espaços que nos tocam sem os vermos, aquilo que não consigo fazer mas
tento. O segredo da felicidade é a gratidão!
“Vaidade das vaidades, tudo é
vaidade” (2)! És feito de céu e terra, se negas o céu deixas de ver,
se negas a terra deixas de crescer.
António da Cunha
Duarte Justo
Teólogo
In Pegadas do Tempo,
www.antonio-justo.eu
(1)
Actualmente fala-se muito de tolerância, uma tolerância
alucinante ao serviço de estruturas demasiado preocupadas em manter a
própria ordem, uma ordem que não se identifica com a pessoa mas a usa.
Na Europa a ideia da Integração encontra-se um pouco desvairada! Há
estrangeiros que não se integram no país onde chegam! Há europeus que
não se integram nos partidos dominantes nem nas tradicionais forças
políticas que se alternavam na governação do país! Há cidadãos que, em
vez de se integrarem, formam partidos novos! Vai-se tendo a impressão
que só se integra quem não tem poder e quem não sabe o que é poder!
Para onde caminha a integração? Para a democratização do poder? Sim,
até porque na realidade não!
(2) O
livro do "Eclesiastes" do AT é iniciado com estas palavras.