A nova Economia da
Rede Digital e o novo Pensar comercial
Cada civilização e cada época precisam
dos seus mitos que lhe possibilitam a sustentabilidade de futuro. Em Torno
do infante D. Henrique congregaram-se os mestres das artes e das ciências
ligadas à navegação; a concentração dos sábios da época num determinado
lugar possibilitou o mito de Sagres que se tornou na expressão motivadora
do começo de uma nova era mundial.
Também agora, no seguimento dos líderes
da Universidade de Stanford ligados ao Venture Capital (1), se acentua o
mito do Vale do Silício (Silicon Valley Califórnia) que parece inaugurar,
como Sagres, uma nova era. Vale do Silício é a capital do mundo da
indústria de TI (tecnologia da informação) e da alta tecnologia. Aí se
juntam ideias arriscadas com o capital de risco (2).
O génio ocidental sempre soube
juntar o saber (a verdade) à dúvida que se revela como a incrementadora de
desenvolvimento e futuro (a característica da civilização ocidental). Esta
mensagem original encontra-se já na alegoria bíblica de “Adão e Eva” onde
se junta o saber divino à dúvida humana na pessoa de Eva que inicia assim
o desenvolvimento humano e a cultura civilizacional.
Numa dinâmica de tentativa e erro o ser
humano tem encontrado maneira de dar forma ao seu desenvolvimento. Neste
sentido tal como na relação do dia-noite se expressam, tal como na Bíblia,
duas dinâmicas de pensamento complementares: o pensar optimista e o pensar
pessimista.
Em relação ao novo mito da economia
virtual, o publicista alemão Christoph Keese, que creio nas pegadas do
Adão e Eva dos nossos dias, faz uma análise do Silicon Valley no sentido
de se fazer uma ideia do que se pode esperar do vale mais poderoso do
mundo. Keese, no seu livro “Silicon Valley”, movimenta-se entre medo e
admiração na análise que faz da Economia de
Rede Digital cada vez mais orientada para o mercado e cada vez mais
fomentadora de uma nova maneira de pensar: o pensar comercial (3).
A Ideologia
eclética do Risco
O empreendimento digital possibilita
novas conquistas da realidade e do globo, transformando a práxis das
antigas empresas em movimentos empresariais. Der Spiegel n°10,2015, refere
que a capitalização bolsista das 30 empresas mais valiosas do mercado
Silicon-Valley já é mais do dobro da capitalização das 30 empresas de Dax.
Grande parte das empresas mundiais actuais nasceu no Vale do Silício (4).
Por aqui se nota que o futuro irá, em parte ou em grande parte, no sentido
da filosofia das empresas “Vale do Silício” que têm como credo a inovação
cientes de que “quem não arrisca não petisca”.
A mesma revista faz referência aos
quatro líderes do pensamento da elite tecnológica Vale do Silício: Ray
Kurzweil chefe de Google, intitulado de “o profeta”, prevê que os
computadores em 2029 conseguirão fazer tudo o que o Homem faz hoje mas
ainda melhor.
Para Sebastian Thurn, o “engenheiro
alemão”, o optimista é quem muda o mundo, não o
pessimista. De facto o optimismo baseia-se na esperança e na realização de
um mundo melhor. O optimismo assemelha-se à água que não destrói mas
apenas se desvia deixando com o tempo as marcas da sua presença. Trata-se
de um optimismo humilde por não ter a certeza de saber para onde vai nem
saber onde termina a viagem.
Joe Gebbia (o conquistador),
criador de Airbnb, pensou revolucionar o turismo e fazer concorrência a
actores financeiros internacionais que manobram a indústria hoteleira.
Gebbia possibilita, como monopolista, uma certa democratização da
economia. Estão presentes em 190 países ou seja em 34.000 cidades. Por um
lado os novos monopolistas cibernéticos fomentam mais transparência
concorrendo com os chefes locais a nível de economia e de política, por
outro lado despersonalizam o indivíduo tornando-o objecto transparente.
Peter Thiel, “o ideólogo”,
defende o princípio liberalista: Prosperidade e felicidade querem-se para
todos através de tanta autonomia quanta possível e de tão pouco estado
quanto necessário. Para o alemão, Peter Thiel, o mundo dos Bits conquistou
o mundo por ser isento de regras retardantes, ao contrário do mundo dos
átomos, como medicina e transportes, que devido à regulamentação estatal
não se desenvolve tanto. Thiel defende os monopólios e quer a construção
de cidades navegantes em águas internacionais (Já serão de prever as
contendas que surgirão na luta pela ocupação das águas marítimas
internacionais, isto certamente na lógica da Conferência de Berlim de
1815!). Thiel justifica os monopólios: “Monopólios criativos possibilitam
novos produtos, dos quais todos têm proveito”.
Para os cientistas do Google a
política, com as suas regulamentações, desacelera o progresso porque “tudo
acontece globalmente mas as leis são locais. Isto já não se enquadra no
nosso tempo”.
O novo tipo de empresas tenta reunir em
si a economia, o pensar esotérico, o socialismo cultural e o capitalismo
liberal. Os impérios digitais parecem interessados apenas na prosperidade
e na satisfação individual; a manutenção da multiplicidade dos biótopos
culturais não lhes interessa. Um dos preços a pagar começa pela perda da
esfera privada e pela renúncia à protecção de dados, como todos já
sentimos no Google, Facebook, Yahoo, etc. O preço da própria satisfação é
desnudarmo-nos.
Da Era dos
Coches e dos Cavalos para a Era dos Automóveis e da Internet
O movimento de autonomia individual vê,
na Elite tecnológica, a possibilidade da sua maior extensão; por outro
lado o movimento tecnológico globalista e a economia virtual em via
esvaziam as autonomias regionais, porque tentam ordenar a sociedade numa
perspectiva de cima para baixo ao contrário de uma natureza que se
desenvolvia de baixo para cima. A realidade global determina contínuos
desafios. A política e a pastoral dos temos da era da velocidade do
coche puxado a cavalo terão de ser aferidas à era dos aviões e dos
computadores. Num mundo da eficiência para
quem quer ser eficiente, a estratégia de Gebbia é “pensar como a pessoa
que vai utilizar a tua ideia”.
A “ideologia califórnica” pretende a
felicidade e a autodeterminação do indivíduo. Vale do Silício prossegue
essa ideologia no sentido de “tornar o mundo um melhor lugar”.
As boas intenções do Vale do Silício
esbarram com a dúvida, ao serem confrontadas com a verdade dos Goldman
Sachs, Stanley, Lehman, etc, instituições sem alma, onde o proveito e a
ganância são lei.
Para se não ser prisioneiro do tempo é
preciso compreender o tempo. De facto, o que provocou os Descobrimentos
foi a dedicação ao saber científico e tecnológico da altura, o saber e a
vontade concentrados em Sagres e tudo iluminado pela fé numa missão
ambiciosa; esta fé tinha porém uma componente religiosa de humanismo
global bem determinado e arreigado no coração de um povo inteiro que
afirmava ao mesmo tempo o valor da pessoa e o valor da comunidade.
No tempo dos coches, quando apareceu o
automóvel, os pessimistas condenavam os carros por assustarem os cavalos,
hoje condenam a internet por prender as pessoas. Não há que parar o tempo
nem o desenvolvimento; a função do Homem será acompanhá-los e dar-lhes
sentido a função do Homem será acompanhá-los e dar-lhes sentido à imagem
do que aconteceu em torno de Sagres.
Se observamos o desenvolvimento da
sociedade e da História verificamos uma constante mudança a nível
exterior; uma mudança que vem servindo um satus quo sustentável pela
ilusão da mudança que, de facto, não muda a essência das relações sociais
e humanas porque a mudança adquirida é provocada pelos detentores do poder
e seus herdeiros que reduzem a mudança à mera adaptação às circunstâncias
e às necessidades do tempo. A política fracassada afirma-se no mesmo erro
aceite que lhe dá continuidade. O Homem muda para não se mudar.
António da Cunha Duarte
Justo . Teólogo e pedagogo
In Pegadas do Tempo
www.antonio-justo.eu
1.
Venture Capital = capital de risco; em 2014, os investidores
aplicaram no Vale do Silício, em cerca de 1.700 negócios, um total de 26
bilhões de dólares, o que corresponde a 30% do capital de risco mundial,
http://blog.wiwo.de/look-at-it/2015/01/14/venture-capital-2014-silicon-valley-26-milliarden-dollar-deutschland-3-milliarden-dollar/
2.
No “Silicon Valley” trabalham as pessoas mais qualificadas do
mundo, entre elas 20.000 alemães (cf.
http://www.capital.de/dasmagazin/silicon-valley-nicht-nur-was-fuer-milliardaere-4457.html).
3.
Com o tempo nas escolas as aulas de programação farão parte da
aprendizagem regular tal como ler, escrever e fazer contas.
4.
No Vale do Silicon nasceram, entre outras, as empresas mundiais:
Apple Inc., Altera, Google, Facebook, NVIDIA Corporation, Electronic Arts,
Symantec, Advanced Micro Devices (AMD), eBay, Maxtor, Yahoo!,
Hewlett-Packard (HP), Intel, Foursys, Microsoft etc.
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