O mal é como o cuco; procura
ninhos alheios onde coloca os ovos que outros chocam.
Não nos encontramos num conflito
religioso como a república, o cinismo ou a ingenuidade da ‘correcção
política’ nos quer fazer entender; trata-se, por um lado, de um confronto
de culturas em que uma cultura árabe, através da religião, quer afirmar a
sua supremacia geoestratégica contra outras supremacias e mundivisões;
trata-se da falência de uma política ocidental de estratégica errada que
tem desestabilizado o mundo árabe e as sociedades ocidentais e trata-se
por outro lado dos paradigmas da ciência (razão) e da religião
(sentimento) falidos que se confrontam num estado secular vazio e
desautorizado.
Estados malcomportados recusam-se a
encarar as consequências das suas ideologias, políticas económicas e
realidades sociais por elas criadas, pensando que os problemas com que se
debatem se podem iludir e adiar, bastando para isso qualificar o
efervescer da sociedade como conflito religioso ou como uma questão de
estrangeiros, extremistas e racistas descontentes. Isto não passa de uma
impostura fraudulenta, de que a república secular se serve, para
jacobinamente desacreditar a religião dos seus cidadãos para melhor poder
continuar a desobrigar-se num modo de vida ad hoc.
O cerrar fileiras da classe política
europeia e o sucesso da “marcha republicana” de Paris, não nos pode iludir
do facto que os modelos da religião, da ciência e da política falharam,
encontrando-se a sociedade no início de um caos de guerrilha e de asilo
interior. Profanaram o templo do povo e agora
andam à procura dos cacos!
O Ocidente perdeu o sentido, não me
refiro ao religioso; perdeu o seu tecto metafísico, abusou de si e dos
outros; agora colhe os frutos do que plantou.
A alienação ideológica, religiosa,
secular, científica e política, em que se tem vivido, demole todos os
padrões acabando na autodestruição. Na falta de
sentido e visão global da vida, resta a guerrilha da opinião em nome de
não importa o quê. Uns combatem em nome da república contra Deus, outros
em nome de Deus contra a república, cada qual atrás da sua bandeira, sem
contar com o próximo. Chega a ter-se a impressão que um estado ou uma
religião que prescindisse de combater perderia os seus heróis e os seus
santos/mártires.
Numa sociedade moderna estressada, tudo
passa a ser soldado num campo de batalha em que todos se provocam; os
caricaturistas lutam pela liberdade, os islamistas combatem pelo seu Maomé
e os tolerantes lutam contra a intolerância dos intolerantes. Na nossa
luta pelas verdades republicanas tudo se julga bom sem notar que justifica
a luta pela luta e procura o sentido nela.
Se se observam as coisas mais de perto,
pode chegar-se à conclusão que o combate é o mesmo e tem a mesma fonte:
islamistas e caricaturistas combatem a própria incredulidade.
Os radicais da república, da liberdade ou da religião têm problemas de
balance, faltando, na sua personalidade, o equilíbrio entre sentimento e
razão, passando assim a um estado de recalcamento, nuns da religiosidade
(afecto), noutros da racionalidade. E como racionalidade e afectividade
não se juntam o homem combate-se a si mesmo.
Na Europa o povo sente-se inseguro; não
se sente levada a sério pela classe política e tem medo de falar
espontaneamente porque o seu falar pode não corresponder ao pensar
politicamente correcto que determina o que é opinião boa ou opinião má
e isto tem consequências drásticas imediatas no seu ambiente de convívio,
porque, de repente, pode ser deitado ao ostracismo, pelo simples facto de
pensar diferente da manada ou dos seus diferentes pastoreios. O pensar
politicamente correcto, tem medo do pensamento diferenciado e, para manter
a sua hegemonia, logo coloca uma opinião não conforme, na esquina ou cena
dos extremistas de direita ou de esquerda. Isto acontece na escola, entre
colegas docentes, entre amigos ou conhecidos e em meios sociais como
Facebook, etc. Deste modo se evita uma maneira de estar racional e humana
porque evita o pensamento logo à partida e impede a prática da tolerância.
Por todo o mundo há incêndios e
incendiários mas a sociedade encontra-se à chuva e o busílis é que ninguém
sabe onde abrigar-se. O que a sociedade civil critica na sociedade árabe,
como a prática do gueto, pratica-o ela mesma, na medida em que cria os
seus guetos de opiniões e mentalidades cerradas (partidárias,
religiosas, ideológicas) numa sociedade declarada aberta mas com carris
ideológicos que determinam o desencontro das pessoas.
Por vezes tem-se a impressão que, na
opinião pública, estados laicos se servem do islão e da religião para
segundas intenções. Onde se procuram culpados não se procura solução; ao
poder interessa manter as massas distraídas e em filas para que uns se
contentem com o ter razão e outros com ter o poder.
A classe política, em muitos
sectores, brinca com o fogo, contentando-se com o rumor do ventre da
sociedade que se expressa em posições antagónicas de grupos, por vezes
direccionados, que se desqualificam uns aos outros e deste modo ilibam os
governos de responsabilidades. Além de não saberem lidar com sentimentos
só sabem enquadrar a realidade em termos alternativos de sim-não e de
ou-ou.
António da Cunha Duarte
Justo
Jornalista
www.antonio-justo.eu
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ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal). E-mail: a.c.justo@t-online.de.
Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .
PUBLICAÇÕES
- Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel em alemão com secções em português, italiano, turco, françês, grego, editada pela cidade de Kassel, tiragem 5. 000 exemplares.
- Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", editada na Caritas, Kassel
- Editor de "O Farol" , jornal de carácter escolar e social em colaboração com alunos, pais e portugueses das cidades de Bad Wildungen, Hessisch Lichtenau, Kassel, Bad Arolsen e Diemelstadt( de 1981 a 1985)
- Editor de „Boletim da Fracção Portuguesa no Conselho de Estrangeiros de Kassel (1984)
- Autor da Brochura „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“ editada pela Câmara Municipal de Kassel, Fevereiro de 1987.
- Co-autor da Brochura „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, editada pela AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.
Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.
http://blog.comunidades.net/justo
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