A Vida é Sol e Sombra - um dar à Luz
expresso no Eco do Grito do Nascimento
Somos eternos peregrinos sempre a
caminho e a seguir o eco do grito primordial - aquela dor que nos separou
do paraíso perdido, da harmonia vaginal, e que é a ressonância da
consciência de se ser algo diferente daquele albergue a que se
convencionou chamar terra. Desde que Adão comeu a maçã da sabedoria, desde
que Jesus abandonou a gruta de Belém, desde o nosso grito ao sair do
ventre da mãe, andamos (como indivíduos e como sociedade) na procura de
organizar a vida de modo a sentir-nos em casa, aquele recanto onde nos
sentimos acolhidos e seguros embora conscientes de que a casa não é nossa.
Da casa, do lar faz parte o aconchego familiar, a língua, a religião
(cultura), o trabalho, o biótopo social, rituais, tu e eu, eu e o outro.
Devido a tudo isto, acompanha-nos um
sentimento de soledade, vestígio de um sofrimento devido a circunstâncias
adversas e a um amigo, a uma amiga que nos falta.
A pressão de trabalho e de pessoas
exaustivas esvazia o nosso interior e em casos extremos chega a levar ao
Burn-out. Por isso se torna importante a conversa pessoal com um amigo, a
troca de carinho, tomar iniciativas, ouvir música, fazer até exercícios de
inspiração imaginativa do Sol (Deus), da bondade reconfortante e
exercícios de expirar e sacudir a noite e os pensamentos pessimistas. A
arte consiste em sacudi-los nalguma fogueira onde produzam labaredas que
aqueçam e iluminem a existência, longe do fumo que intoxica. Somos feitos
de fumo e de luz, de frio e calor. Como na electricidade o negativo pode
ajudar a levar o positivo a dar luz. Para isso se realizar torna-se
necessário um impulso inicial, a iniciativa de alguém, num mundo de graça
à espera da Graça de alguém que acenda a minha graça para eu poder acender
a graça de alguém.
Já ao nascermos gritamos lançando para
fora a dor do trauma da unidade rompida, no desconforto da saída do
aconchego do ventre maternal. Nesta desolação torna-se difícil encontrar o
sentido, torna-se difícil ouvir a voz de quem chama por mim, de quem sabe
o meu nome.
No cá fora do ventre, permanece a
nostalgia da procura de uma placenta maternal que transmita calor e o
encontro de uns braços que dêem segurança.
Muitas vezes o fado da vida leva-nos à
procura de uma relação, de um elo que possibilite reatar o sentimento
amoroso do acolhimento original; frequentemente a resposta esvai-se num
ecoar afastado que repete a sensação do primeiro grito num longe distante
de outeiros petrificados que se sucedem uns aos outros.
Então, os braços e as pernas
movimentam-se desordenada e instintivamente na procura de alguém, para
alcançar o que tinha no ventre materno. Do amor e dedicação experimentada
aprenderá a integrar em si a ordem ou a desordem transmitida. Cada um de
nós traz consigo as circunstâncias (o “pecado” original do pó do caminho
por onde passa.
Saímos do albergue/gruta na procura de
outras grutas e ao sentirmos aí carinho criamos uma segurança interior, se
a não recebemos na infância talvez passemos a ser peregrinos ou
forasteiros contentes ou descontentes na procura vincada de acolhimento.
O buraco não enchido pelo carinho
familiar cria a ânsia de ser amado e procura no outro além da relação o
carinho que não recebeu. (Muitas vezes, o próprio danificado-depressivo,
cria um ambiente enevoado à sua volta num determinismo que repete o
ambiente da infância – uma sensação de relação baseada na negativa; estas
pessoas foram castigadas na infância e continuam a castigar-se criando,
por vezes, situações que repetem a disposição e desacolhimento da
infância.
O Samaritano desce
do Selim do seu Pensamento
Hoje a sociedade é muito stressante
para os pais criando neles má-consciência pelo facto de não terem tempo
suficiente para receber e dar carinho, especialmente aos filhos.… Muitos,
desiludidos de objectivos não conseguidos, passam a vida a bater à porta,
de parceiro em parceiro, de albergue em albergue, à procura do que não
receberam e que por vezes não podem dar.
De facto somos como uma proveta de
vasos comunicantes em que o equilíbrio se adquire na troca de dar e
receber numa mistura de fluidos mais ou menos cristalinos. De facto eu sou
eu e o que o parceiro me possibilite que seja e o parceiro é ele e o que
eu lhe possibilito que seja. Cada um espera do outro, aquilo que não tem
e, porque também o outro anda à procura do que lhe falta, então chega a
criar-se caminhos paralelos, onde cada qual se encastela no selim do seu
pensamento. O refúgio do sentimento no pensamento projectado pode
favorecer uma vida dupla que prolonga a dor que o sentimento e a falta de
acção não satisfizeram. Na falta de relação próxima, da troca de carinhos,
talvez por um condicionamento psicológico (narcisismo), não se criam
momentos nem rituais comuns possibilitadores de laços; acontecem então
monólogos em torno do ego que em vez de reconhecer a riqueza mútua da
complementação, passa a recorrer à auto-afirmação pela celebração da
própria dança em torno de actividades e iniciativas que o distraem da
própria vida. A vida em comum para ser bem-sucedida faria lembrar o
agricultor que tem muitas espécies de frutas e procura, da mistura de
algumas delas, fazer o melhor sumo. Se sou maçã e se convivo com uma
laranja não haverá como deliciar-se com o sumo de laranja ou, no caso de
se querer fazer o melhor, observar a melhor percentagem de maçã e de
laranja para obter um sumo mistura que agrade aos dois. O demasiado açúcar
pode tornar-se enjoativo e o demasiado aziúme pode estragar a digestão.
Uma atitude equilibrada exige de nós
humildade e altruísmo, compaixão e sintonia. Todos somos feitos de barro
mas, uns e outros, podemos tornar-nos jarros onde o outro possa beber.
Importante é a boa vontade e a bonomia para com o mundo exterior a nós. O
Bom Samaritano (em Lucas 10:30-37) consegue encontrar o judeu a um nível
que supera a inimizade secular entre os judeus e os samaritanos.
O samaritano desceu do seu jumento,
acolheu e tratou o judeu que jazia ferido no chão, tratou-lhe as feridas
com óleo e com vinho, símbolo da consolação, colocou-o no seu jumento (de
igual para igual), e levou-o para um albergue.
O albergue é o símbolo do mundo
interior do judeu, da sua ipseidade de que ele é hospedeiro no acolhimento
da consolação dada/recebida. O samaritano ajudou sem tornar o outro
dependente; retirou-se no momento oportuno em que o hospedado se torna
senhor da própria “casa”. O salvado traz em si a salvação que deverá
procurar, dentro não fora.
Em cada um de nós há uma gruta onde se
encontra o pai e a mãe (Deus) à espera. Muitas vezes passamos a vida a
viver em casa dos outros, à procura de nós, passando sede e frio quando no
nosso interior se encontra a gruta de Belém onde os anjos estão prontos
para nos receberem e aclamarem também. Aí encontramos a confiança básica
original semelhante à que tínhamos no ventre materno. Então a confiança
nos leva a entrar na ressonância divina, e a fé dá repouso porque nos
oferece a confiança no bom fim de tudo o que fazemos ou acontece. A vida
tem sentido e direcção porque nos encontramos três em comunidade e a
caminho: eu e tu a seguir a Verdade.…
Uma nova situação lembra o eco do grito
primordial, aquele grito que nos lançou na aventura da liberdade,
condicionada também pela experiência original. No grito anunciava-se o
medo de um fim que afinal se tornou no início de um caminho para uma ordem
maior, saímos de uma gruta pequena para entrarmos no regaço eterno do
universo. Do presumível fim veio a vida; a infinidade que atemorizava
tornou-se princípio de nova vida. No fim de cada trajecto, de cada decisão
há sempre uns braços abertos a receber-nos mesmo quando os não vemos por
puro medo ou pelo barulho do grito. A razão é fria e distante como o
universo mas Deus deu-nos o coração que tudo une e abrange com seu calor e
acolhimento que a tudo confere o brilho do carinho. Não há luz que mostre
o amor mas não há amor que apague a luz! Só o coração consegue derreter o
gelo e produzir o fluido que une e torna visíveis as galáxias.
Encontramos espiritualidades, a
caminho, que nos podem ajudar a chegar a casa e a sentirmo-nos bem nela. A
segurança interior não comporta o medo que se quer agarrar a coisas
fixas/seguras porque só se torna seguro quem aprende a andar por cima das
águas. Nas janelas do teu interior até os véus dos teus dogmas e das
certezas se esvaem. Surgimos do grito do medo mas no nosso interior e no
mundo que ordenamos verificamos que há sempre uma oferta benévola, uma luz
que espera por nós, que se encontra em nós. Uma vez no centro da nossa
ipseidade, na nossa casa interior, descobrimos que o seu tecto é o
universo e que no seu centro se encontra a divindade que nos move nele.
Sinceridade e honestidade são meios que nos ajudam a chegar lá sem
invalidar a tensão existente entre indivíduo e comunidade, entre a parte e
o todo.
António da
Cunha Duarte Justo
Pedagogo e Teólogo
www.antonio-justo.eu
PS. Texto a ser publicado em próximo
livro
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