O Homem e a
Natureza a Caminho com o Espírito (Paráclito):
Bom é o que ajuda,
conserva e fomenta a Vida
Em épocas passadas, em que a terra
não se encontrava tão povoada, a natureza ainda era apercebida como
ameaçadora do Homem, como algo a ser dominado por ele; hoje
inverteram-se os termos, pois o ser humano, ao apoderar-se da terra
sem respeito por ela, tornou-se consequentemente numa ameaça a ela.
Se ontem o Homem se encontrava numa
fase de luta pela própria sobrevivência, acentuando, consequentemente,
para seu desenvolvimento uma teologia antropocêntrica, hoje, que se
torna urgente a luta pela sobrevivência da vida no planeta, é óbvio o
desenvolvimento de uma teologia da ecologia (1) mais ecocêntrica,
dando mais relevo ao fundamento teológico num trabalho
interdisciplinar mais comprometido com a “nossa Casa comum”, “a nossa
irmã Terra” que se sente ferida e ameaçada, como adverte Francisco I
na Encíclica ecológica “Louvado Sejas”. As ciências, a tecnologia e a
teologia devem estar para o homem e não o homem para elas.
Pressupõe-se que as ciências
naturais terão de abandonar a ideia mecanicista/materialista do mundo
e a ciência teológica e filosófica terá de mitigar o seu
antropocentrismo para aprofundar a ética de respeito pela natureza
e suas criaturas como pregava e praticava Francisco de Assis e por uma
bioética de respeito pela vida e seu desenvolvimento, como defendia e
praticava Albert Schweitzer. Este, que era médico teólogo e
filósofo, no livro “Cultura e ética, Ética do Respeito à vida”,
reconhece, nos animais e nas plantas, a qualidade de nossos
semelhantes, “pelo facto de aspirarem como nós à felicidade e
conhecerem o medo e o sofrimento, sentindo pavor do aniquilamento como
nós”. A compaixão que sente pelos pobres sente-a também em relação
aos seres vivos: “bom é o que ajuda, conserva e fomenta a vida”.
Albert Schweitzer queria ver o
espírito do Evangelho aplicado a toda a criatura como verificava no
ideário jainista da Ahimsa (a não violência para com todo o tipo de
ser vivo). A nossa compreensão deve implicar a consciência de “sou
vida que quer viver rodeada pela vida que quer viver”.
Consequentemente, a ética não deve
ser apenas antropocêntrica ou sociométrica mas sim uma ética universal
que tem como objecto todos os seres vivos e que surge do contacto com
o universo e da vontade nele manifesta.
De uma Teologia acentuadamente
monoteísta para uma Teologia panenteísta (trinitária)
A ecologia é o “estudo da casa”,
estuda a natureza e as inter-relacionações dos diferentes seres nos
ecossistemas e a teologia estuda (o espírito da casa) o seu tecto
metafísico e o espírito divino presente nas pessoas, nas coisas e nos
diferentes socio-sistemas.
Deus é pai e mãe, é céu e terra, em
Jesus é nosso irmão; Deus é relação, é a matriz de todas as relações
não se extinguindo em formas antropomórficas, em formas gramaticais,
em leis naturais, nem tão-pouco nos princípios da feminilidade (com a
maternidade) e da masculinidade (com a paternidade). É porém bem
verdade que, devido à predominante acentuação do princípio masculino
na sociedade, se torna hoje bem necessário dar maior relevo ao
princípio da feminilidade (maternidade) de forma a haver um equilíbrio
mais divino entre o ser humano e a natureza, entre o dar e o receber.
Para conseguirmos paradigmas de mudança e de sustentabilidade em
relação à modelação da natureza e da sociedade torna-se absolutamente
necessária uma visão mais feminina (feminina e não feminista máscula!)
a nível de pensamento, antropologia, sociologia e teologia.
A abordagem teológica da ecologia
está implícita na trilogia cristã e mais especificamente na
pneumatologia. Os prementes problemas da ecologia tornam mais óbvia
uma elaboração teológica de cristianismo integral e consequentemente
uma abordagem mais centrada no mistério da Trindade que integra a
criação resumida em Jesus Cristo, o protótipo da vida como caminho de
Deus, do Homem e da natureza, também no espaço e no tempo.
O ser humano não foi chamado para
explorar e dominar (Gn 1,28) a natureza numa perspectiva
antropocêntrica cartesiana e newtoniana, mas para cuidar e cultivar
(Gn 2,15) o planeta, assumindo um papel de responsabilidade e de
respeito pelo mundo. Mestre Eckhart avisa: “Se a alma pudesse conhecer
a Deus sem o mundo, o mundo jamais teria sido criado”.
Para Teilhard de Chardin, que
defendia o Panenteísmo cósmico (tudo em Deus), a Terra é
composta de várias camadas esféricas: Barisfera ou núcleo metálico
terrestre; Litosfera ou camada de rochas; Hidrosfera ou camada de
água; Atmosfera ou camada de ar; Biosfera ou esfera da vida; Noosfera
ou esfera do pensamento ou espírito humano: Cristosfera ou âmbito de
Cristo. (2)
Numa perspectiva de revelação e
de fé cristã tudo está relacionado numa interacção ambiental social,
mental e espiritual.… De facto, Cristo
(divino) e Jesus (criatura) encontram-se em comunhão e na união das
três pessoas da Trindade.
A fórmula trinitária de Deus não
conduz ao panteísmo (tudo é deus), pelo contrário, a trindade e a
incarnação implicam uma teologia panenteista (uma teologia do tudo em
Deus): o corpo de Cristo é o universo como interpreta Teilhard de
Chardin. Francisco de Assis via como próximo também o irmão sol, a
irmã lua, a irmã natureza e os irmãos animais. O mundo atinge a
sua maior complexidade da natureza no ser humano, a floração da imagem
de Deus.
A teologia vai-se renovando e
reagindo aos diferentes padrões de sociedade segundo a percepção
humana: em eras passadas para expressar a relação Deus-homem,
Deus-sociedade insistia na metáfora de pai e de rei e de filho de
Deus, enquanto hoje, numa era em que se precisa de uma consciência
mais comprometida com a ecologia, a teologia precisa de uma acentuação
da fórmula da Trindade na explicação da relação Deus-nundo: natureza
onde o gene divino germina e filiação divina do Homem. Esta
consciência complementar, mais abrangente, leva a melhor sentir o que
a liturgia da missa expressa ao celebrar o mundo como corpo de Cristo,
o pão como presença divina.
O Papa Bento XVI, em 2009 na Festa
da Santíssima Trindade, apontava para a teologia de Teilhard de
Chardin ao afirmar: "Em tudo o que existe, encontra-se impresso, em
certo sentido, o "nome" da Santíssima Trindade, pois todo o ser, até
as últimas partículas, é ser em relação, e deste modo se transluz o
Deus-relação; transluz-se, em última instância, o Amor criador…
Utilizando uma analogia sugerida pela biologia, diríamos que o ser
humano tem no próprio "genoma" um profundo selo da Trindade, do
Deus-Amor… que a liturgia não seja algo ao lado da realidade
do mundo, mas que o próprio mundo se torne hóstia viva, se torne
liturgia. É a grande visão que depois teve também Teilhard de
Chardin: no final teremos uma verdadeira liturgia cósmica, onde o
cosmos se torne hóstia viva."
A cristologia contém a Kenosis – o
esvaziamento divino (Fil.2, 5-7). Através da incarnação Jesus Cristo
deixa na sombra os atributos divinos continuando, muito embora, a ser
parte da Trindade passando a tornar-se dependente do Espírito
Santo, tal como acontece com toda a outra criatura (a criação). A
divindade não tem forma mas através da kenosis adquire forma em Jesus.
O processo trinitário pressupõe em contrapartida que o ser humano se
esvazie (kenosis) do mundo para atingir a dimensão do “ informe” numa
ética de corresponsabilidade entre os seres e com o Paráclito.
O teólogo Leonardo Boff em Teologia
e Ecologia (http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/13163/13163_4.PDF)
acentua também ele a fórmula trinitária panenteista dizendo: “Tudo
não é Deus. Mas Deus está em tudo e tudo está em Deus, por causa da
criação, pela qual Deus deixa sua marca registrada e garante sua
presença permanente na criatura (Providência).”
Já por volta de 1.500 a.C. a
sabedoria indiana pressentia a realidade Jesus Cristo, como protótipo
de toda a realidade e como ponto de encontro, ao qual os diferentes
caminhos das culturas vão dar, explicando: “O criador dorme na
pedra, respira na planta, sonha no animal e acorda no Homem”
(Outra formulação: “O Espírito dorme na pedra, sonha na flor, acorda
no animal e sabe que está acordado no ser humano”). No credo
cristão formula-se a omnipresença do Espírito em toda a criação no
seguinte acto de fé: “Creio no Espírito Santo, Senhor e Fonte de
vida”.
Dizer criação é mais que dizer
natureza porque implica a consciência da caminhada conjunta do todo e
de cada ser no respeito mútuo irmanado pela presença de Deus.
A encíclica ecológica “Louvado sejas” aponta o
caminho e a meta: „A criação propende para a divinização, para as
santas núpcias, para a unificação com o próprio Criador... O Espírito,
vínculo infinito de amor, está intimamente presente no coração do
universo, animando e suscitando novos caminhos.” E continua:
Uma “verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem
social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente,
para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres”.
O pensamento e os princípios são
como sementes que produzem diferentes frutos, daí a necessidade de se
organizarem sistemas de pensamento e praxis complementares ao serviço
da humanidade e da natureza (3). No Apocalipse (3,20) a mensagem é
clara: "Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e
abrir a porta, eu entrarei em sua casa, cearei com ele e ele comigo".
António da Cunha
Duarte Justo
In Pegadas do Espírito,
http://antonio-justo.eu/?p=3359
Teólogo
(1)
Ecologia é a parte da Biologia que estuda as relações dos seres
vivos entre si e destes com o meio.
(2)
Cf. O teólogo e geopaleontólogo Teilhard de Chardin, em “O
Fenómeno Humano”
(3)
Um Dia Santo para a Natureza, Animais e Plantas
http://antonio-justo.eu/?p=1945; Ecologia e Família:
http://a-justo.blogspot.de/2008/05/ecologia-e-famlia.html;
Agricultura transgénica:
http://antonio-justo.eu/?p=3167; O Papa verde:
http://antonio-justo.eu/?p=3183; Encíclica sobre Ecologia:
http://antonio-justo.eu/?p=3191