O emigrante continua a ser um
estranho de um outro planeta; é estranho onde entra e é estranho quando
volta; passa a vida a viver na meia-luz de um sonho que não acorda.
De essência enjeitada, seu lar é caminho, de passarinho sem-abrigo, a
fazer ninho à borda da vida.
Há motivos para fugir, há razões pra
se ir embora, há vontade pra bater a porta, e…, seguir a ânsia do sair do
nada. Há sempre um momento e um repente pra fazer da esperança uma vela
onde o presente se aquece e alumia, na tentativa, de dar à luz um futuro
não humano mas digno. Este futuro, filho do sofrimento, embora gerado na
mágoa da saudade, é afagado por mãos parteiras do sonho, mãos singelas e
puras, de familiares e amigos que segredam promessas onde ecoa a voz da
terra. Esta voz do coração, este zumbido no ouvido, não se cala e mais se
sente, a celebrar, em cada emigrante, o desassossego das águas do Cabo na
luta por transpor o Bojador, de uma vida, toda mar.
Corri mundo a ver as suas luzes e
nelas mais não vi que as sombras do velho Portugal! Agora que vivo, na
penumbra de Portugal, onde o cheiro a povo não faz mal, sinto vontade de
voltar pra dizer: acorda povo, volta ao arraial, liga tu as luzes e faz a
festa…
De volta à terra, nos pátios e
caminhos, as crianças já não brincam; neles só sentimentos desfraldam ao
vento; meus desejos, com o pó se vão, levados em nuvens de pensamentos; no
longe da terra, vejo ainda, bandos de passarinhos negros, voando a mágoa
de um caminho errado e de uma terra já sem ninhos.
Dançarino, agora, na linha do
horizonte, feito de enganos já sem filhos, tornei-me acrobata da insónia a
acenar para a vida de desejos grávidos, a voar ainda no sol das asas, mas
já sem terra onde poisar.
Na bagagem da recordação saltitam
sonhos meninos de uma vida retalhada a brincar com a vontade. A vontade de
ir e vir sem poisar!
Sou povo a voar, nas asas de
Portugal, a subir e a descer, as nuvens do sentimento, no Natal e em
Agosto. Portugal, dentro e fora, anda a dias, a regar a europa seca com
lágrimas atlânticas.
Aquela parte do Portugal povo, não
renegado, padece a outra parte que segue as pegadas duma europa rica, mas
de futuro aleijado. Meu povo, o nevoeiro vai
passar, ainda não é tarde para voltares à fonte e reencontrares o sentido
do caminho que é nosso: as sendas de Portugal. Estás grávido de bem e de
humanidade; aguenta um pouco as dores, para dares à luz o novo Portugal.
Portugal, és a nau Catrineta que
ainda tem tanto que contar! O teu destino tem andado, sem timoneiro, nas
mãos de gajeiros iluministas que profanaram a nau para viverem do nevoeiro
de fora e do vermelho dos bordéis dos camarotes, sem saudade nem desejo de
avistar praias de Portugal.
Em Portugal transborda o mundo. Daí
o caracter migrante de um povo não humilde mas modesto, onde germina a
esperança que o faz andar, a teimar a vida, dentro e fora, num ânsia de
arar Portugal pra gerar fartura, para todos, regada com a chuva fértil do
transcendente.
Portugal é a Nau Catrineta que vai
arribar numa Terra bendita! Não te esqueças da tua missão; foi ela que fez
Portugal; a tua nau é pequena mas, como a gruta de Belém, tem a modéstia
do viver e o fogo do amor, a aquecer todos os povos.
António da Cunha Duarte Justo
©
www.antonio-justo.eu
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ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal). E-mail: a.c.justo@t-online.de.
Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .
PUBLICAÇÕES
- Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel em alemão com secções em português, italiano, turco, françês, grego, editada pela cidade de Kassel, tiragem 5. 000 exemplares.
- Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", editada na Caritas, Kassel
- Editor de "O Farol" , jornal de carácter escolar e social em colaboração com alunos, pais e portugueses das cidades de Bad Wildungen, Hessisch Lichtenau, Kassel, Bad Arolsen e Diemelstadt( de 1981 a 1985)
- Editor de „Boletim da Fracção Portuguesa no Conselho de Estrangeiros de Kassel (1984)
- Autor da Brochura „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“ editada pela Câmara Municipal de Kassel, Fevereiro de 1987.
- Co-autor da Brochura „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, editada pela AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.
Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.
http://blog.comunidades.net/justo
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