É essencial o empenho pelo estudo dos
problemas humanos sob a perspectiva duma ética da insubmissão, porque a
prática do hábito e da submissão levou a História a repetir-se, na
continuidade de um poder medíocre e violento, que governa o mundo.
Hoje já se reconhece a submissão, a
rotina e o medo como factores que impedem o desenvolvimento humano
e sociológico, porque conduzem à subjugação, à técnica e aos automatismos
do imediato consumista e a uma moral ad hoc. Albert Einstein advertia: “Os
grandes espíritos sempre sofreram oposição violenta das mentes medíocres.
Estas últimas não conseguem entender quando um homem não se submete, sem
pensar, aos preconceitos hereditários e usa a inteligência com coragem.”
Não se trata de educar para uma revolta
violenta contra os sistemas vigorantes (isso foi o que se fez durante toda
a História em lutas, guerras e guerrilhas reactivas); a consistência ou
inconsistência dos Estados actuais é o resultado dessa prática do grupo
mais forte que impôs o regime, em que cada país se encontra no momento.
Enfim, a História tem sido uma cadeia ininterrupta de assaltos e
contra-assaltos. Como este é um dado de sustentabilidade negativa, no
prolongamento de um passado centrado na violência e no poder, sem sentido
pelo viver, será necessária a propagação de uma revolta integral da
consciência (alma e inteligência acordadas e reunidas na intuição) que
possibilite uma maneira de estar pacífica centrada na pessoa e não nos
grupos de força, de maneira a acordarmos para o sentir integral da vida.
O conhecimento oficialmente propagado é
confuso e baseia-se na divisão e confusão que conduzem à concorrência, ao
conflito e à violência; isto porque assim se estabiliza os grupos de
atitude violenta.
A acção pragmática e a razão, no
seguimento da ambição, conduzem à eficácia mas não produzem felicidade; em
vez de integrarem os polos extremam-nos no sentido de dividir para imperar
(veja-se a definição partidária na sua dinâmica contra o integral);
comporta uma dinâmica do abstrato e da generalização, distante da vida
baseada na moral da lei, mas não no indivíduo concreto; o sistema da
autoafirmação na definição contra o outro já assume, em si, o princípio da
corrupção e da violência.
Como vimos no quarto estádio da ética,
o estádio do amor que integra as partes numa dinâmica de maximização do
indivíduo e da comunidade (à imagem da fórmula trinitária) a perspectiva
deve incluir todas as perspectivas centradas na pessoa. (O aspecto utópico
talvez se situe apenas no momento de projectar a acção e responsabilização
individual para o grupo).
A mudança qualitativa só poderá
dar-se mediante a mudança da gramática! Aprender a aprender para
libertar/responsabilizar o Sujeito
A actividade escolar orienta-nos para o
utilitário e eficaz impondo a luta competitiva numa estratégia do ‘alarga
os ombros e deita abaixo’, se queres subir. Trata-se de uma educação
irreflectida, feita de automatismos que conduzem a um viver no sótão do
pensamento muito longe da vida concreta e em que se procura compreender
tudo menos a nós mesmos, menos o nosso sentido e o sentido do nosso viver.
Não respeita as características do indivíduo. Começa por forçar o
intelecto e negligenciar a emoção e a acção, não se preocupando com o
desenvolvimento da personalidade.
A escola e a educação partem de
diretrizes e planos de enquadramento destinados a encaixar o cidadão numa
dada intenção política, que ensina, à sua maneira, a perceber o que é, mas
não a perceber o como é nem o como podia ser. Instrumentaliza-se o
indivíduo, a vida e até os ideais dela. Na escola, deixa de haver
indivíduos concretos para serem desvirtuados no mundo do rebanho centrado
num pensar abstracto desresponsabilizador. Na sociedade, tal como na
escola, só há lugar para a manada de complementos tornados predicativos de
sujeitos indeterminados. Há que personalizar e reabilitar o sujeito
indeterminado. A frase com o seu sujeito, predicado e complementos
torna-se no símbolo de uma sociedade (massa) e de uma vida empedernida em
funções sem respeito por cada termo em si; aplica-se uma
gramática/didáctica que não compreende o termo/palavra independentemente
da sua função e, deste modo, não lhe possibilita liberdade nem
responsabilidade própria. Uma gramática das funções contrapõe-se à
realidade da mudança contínua porque fixa os termos/pessoas no tempo
cronológico e num meio já determinado. Para mudarmos a sociedade e a vida
teremos que começar por consciencializar a gramática, nosso rescrito de
vida, para assim, consciencializando-nos dos seus parâmetros, sermos
capazes de criar novos, o que pressupõe começar por revolucionar a
gramática (reflectindo o seu caracter estigmatimo) ou pelo menos a sua
didáctica! A mudança qualitativa só poderá dar-se mediante a mudança da
gramática!
Aristóteles e a Platão apresentam-nos
achegas de reflexão sobre os valores perenes que nos resguardam de um
viver de slogans alienantes formadoras de atitudes e virtudes oportunas
para o momento socioeconómico em que se vive. O valor perene é integrante
e como tal não define (é inclusivo não colocando o fim, o limite),
destrói barreiras porque parte de uma visão integral da vida que deixa de
ser esquartejada no tempo e consequentemente desconhece o medo enfreador.
Onde há medo há sofrimento, há um ferido e uma batalha perdida. Quem
propaga o medo é inimigo do homem e da liberdade. Por isso a missão é
libertar todo o homem, seja ele muçulmano ou cristão, seja ele socialista
ou capitalista, porque só então cairão as correntes e as muralhas dos
prisioneiros que se encontram dentro e fora dos muros. O autoconhecimento
conduz à experiência do suor de sangue no Horto das Oliveiras e à
expressão individual de cada um na qualidade de ressuscitado.
As palavras são como o vento que
passa e o exemplo é como a torrente que arrasta.
O problema da mudança permanece bicudo pelo facto de um sistema só se
mudar qualitativamente quando os seus membros se mudarem, isto é, quando
grande parte dos indivíduos se mudarem, o que significa um processo de
mudança imensamente lento, porque centrado em cada pessoa.
Obedecer e
desobedecer para crescer!
A lei, a ideologia, o pensamento não
muda basicamente, o que faz mudar é a atitude, o comportamento. Enquanto
construirmos a nossa identidade identificando-nos com um sistema, país,
religião, filosofia ou cultura, estamos a fugir de nós e a procurar a
segurança fora de nós. Esta é a tragédia. Esperamos de fora no ter o que
não somos conscientemente (no ser interior). Isto não quer dizer que não
devamos pertencer a um partido, a uma religião, ou a um grupo qualquer,
como meio e campo de acção, mas não como algo de identificação ou onde se
procura a honra ou o poder. A natureza não conhece nenhum elemento que
em nome do grupo se mate ou mate alguém. Só o Homem chegou a tal
corrupção desnaturada prescrevendo a morte de pessoas em nome do grupo ou
instituição; tal corrupção é tão descarada a ponto de a inscrever como
norma em livros sagrados! E o que é mais grave a palavra mágica
“religião” serve para conter as inteligências políticas e os intelectuais
que se desobrigam na confusão das interpretações ao gosto da bondade ou
maldade do cliente, em vez de se centrarem na qualidade da filosofia da
religião.
O país, a nação, a política, a ciência
e a religião não existem para serem servidos, devem ser meios de servir e
fazer o bem. O ser humano é superior às instituições, está antes delas;
estas são para o servirem e não o contrário. É contra a natureza o
fanatismo bem como considerar uma instituição material ou espiritual como
o bem. Estas pecam por delimitarem, definirem (ao determinarem o limite, o
fim) de uma realidade que o não tem. O poder reside na divisão! Toda a
ideologia como toda a instituição comete o pecado de se arrogar e usurpar
a bondade que se encontra na pessoa. Só a pessoa é o lugar do bem e do
mal. As instituições e até o sistema mental transferem a vida
individual para as ideias e para as relações humanas de maneira a serem
servidas por estas; conseguem-no ao determinarem a sua identidade na
fronteira que separa o que deveria estar unido e rouba ao indivíduo a sua
auréola pessoal transladando-a para a instituição e fomentando a
dependência do indivíduo em vez da sua independência (Confrontar o dolo e
o beija-mão de personalidades mesmo non gratas à população!). O Jardim
infantil das sociedades em que nos encontramos faz lembrar a dança em
torno do bezerro da Babilónia! Age-se sob o pressuposto que o que as
pessoas precisam é de uma música qualquer para poderem dançar,
independente do valor ou ética da “música”. Fala-se de emancipação mas
na realidade a mesma sociedade que a defende, a rebaixa, entregando a
dignidade humana às feras da praça pública. Isto não elimina o
reconhecimento dos dons e do serviço em comunidade, com a comunidade e
para a comunidade. Na comunidade há uma relação de sujeitos e não de
objectos (o lado oposto da moral de Nicolau Maquiavel) o que permite uma
outra interpretação dos dons e serviços porque a comunidade amplia o
membro na complementaridade, não o rouba.
A Certeza do incerto
Temos de reconhecer também os
limites do nosso sistema de pensamento e
tornarmo-nos conscientes do seu condicionamento ao preconceito; de facto
não há conceito sem preconceito. As forças de poder material ou ideológico
usam do preconceito sem passarem pela reflexão; usam até da lógica para
embrulharem a razão; servem-se na escola do preconceito, ensinando-nos a
viver dele sem nos consciencializarem de que o preconceito é apenas um
instrumento necessário para chegarmos à apreensão da realidade
intelectual, sendo ao mesmo tempo uma oportunidade e um perigo
falsificador de realidade. O problema da realidade começa com a ideia
dela.
Se atribuo a uma percepção ou ideia a
mesma realidade existencial (o mesmo conceito de existência) que dou à
realidade das coisas, identifico imaginação ou ficção com a existência do
objecto, dando-lhe assim uma outra forma de existência. Daqui o necessário
respeito por cada instrumento de acesso à Realidade seja ele os sentidos,
o sentimento, o intelecto ou a intuição. Aqui se situa o busílis da
questão entre real e irreal, religião (fé) e ciência (opinião). Por
isso prefiro situar-me na realidade da metáfora ao descrever ou
interpretar as manifestações de um real mistério que é o mistério do real
presumido na metáfora ou nas diferentes parábolas físicas, linguísticas ou
culturais. Razão é a capacidade de julgar entre duas ideias, no caminho
da crença ou da opinião; o problema começa com a valorização do juízo
feito.
O primeiro passo a encetar será a
consciencialização e auto- consciencialização da estrutura falsa e
falsificadora vigente em nós mesmos e nas diferentes estruturas sociais.
Não podemos destruí-las porque se o fizéssemos destruiríamos o homem e a
sua a cultura. Uma nova educação terá de tender a distinguir entre os
preconceitos necessários e os preconceitos nocivos e a encarar a resolução
de problemas sob uma perspectiva individual responsável que parta da
perspectiva do nós para o eu gratificado.
Não se encontra a certeza no ser pelo
que, para o bom viver, há que se dedicar aos modos de ser. Na falta da
certeza há que descobrir e experimentar como é o falso e como é o
verdadeiro. Trata-se de começar a gatinhar.
Urge uma revolução cultural centrada na
formação individual para se poder libertar a pessoa de velhas estruturas
para tornar possível a transformação do homem e, através deste, da
sociedade; uma revolução que parta do interior integral e se oriente para
o interior de cada um (autoconhecimento, consciência da ipseidade) através
da aquisição de um novo sistema de pensar e dum novo conhecimento. O
entendimento e o pensamento são como a língua; a linha da fronteira de uma
língua limita o horizonte do falante; limita o horizonte intelectual e
limita a circulação fora dela. Trata-se portanto de criar uma
linguagem universal que toque o coração de cada indivíduo e a inteligência
das instituições.
O ser humano é um milagre em contínua
criação que não deve ser domesticado nem encarneirado por instituições em
quem a manada projecta a aura e o horizonte do próprio ser, com desejos
provindos de recalcamentos num eu não consciente. Também a borboleta para
poder voar teve que passar pela mudança progressiva. A meta da pessoa
não é o paraíso nem o nirvana, mas sim a sua floração no ressuscitado.
A degradação do Homem e da sociedade
parece irreparavelmente inexorável porque as instituições que a constituem
(fruto da precaridade individual), são incapazes e, consequentemente,
produtoras de crises. Neste sentido torna-se inoportuna uma avaliação dos
valores que nos conduzem à precaridade da consciência (hipocrisia, inveja,
sede de poder, nacionalismo, racismo, etc.). Temos construído a casa sobre
a areia, partindo do princípio que se alcança paz com mãos de
guerra. Enquanto a esperança se basear no medo não haverá solução
pacífica. Por isso Cristo resume a vida integral: “eu sou o caminho, a
verdade e a vida”. Para lá chegar é preciso aprender a pensar fora dos
modelos que nos prendem.
À maneira de
conclusão
Se queres ver a Lua não esperes pela
noite, o seu melhor rosto é ao pôr-do-sol.
Porque não vivemos o presente na realização da felicidade, adiamo-lo e com
ele a nós para um amanhã em que projectamos esperanças (tornamo-nos
progressistas ou conservadores sem ter consciência do agora que culpa o
passado ou espera no futuro, encobrindo, deste modo, a própria violência
interior, que se revela na carência do presente). Reféns da causalidade,
adiamos a resolução da paz para outros, para os vindouros, tornando-a um
energúmeno do futuro que nos leva a fugir de nós e a distrair do presente.
O passado (é a memória feita tempo), presente (o acontecer no eixo do
tempo/fora do tempo) e futuro (é projecção feita tempo); passado e futuro
são aspectos de algo que deveria ser só presente (Kairós), o fora do
tempo. A vida inteira é viver e morrer, esforço e paz, contínua mutação
num processo de integração dos próprios polos.
A via tem dois sentidos e a vida
também. Seguindo no sentido contrário da via dificultamo-nos a existência,
dando-lhe pernas de aflição e ambição/conflito, porque atados à trela do
tempo. O hábito e a acomodação é tempo morto na rotina que nos
empedernece.
No escurecer do pensamento
levanta-se o amor que não é desejo mas sensação inocente do infinito;
então chega a intimidade da noite escura onde só as estrelas falam do
milagre que o universo faz brilhar nos nossos olhos. Só na noite surgem as
estrelas, só no silêncio da mente se ganham asas para voar até ao
firmamento onde o muro das ideias, culturas, anseios e preocupações já não
fazem sombra.
Somos levados pelas ondas das
influências políticas, religiosas, individuais e sociais de que nos temos
de libertar. Eu noto em mim uma grande prisão, que é a consciência da
defesa de valores cristãos que reconheço como inalienáveis para o futuro
mas que me levam a ter medo do Islão. Um medo que me leva a não viver no
presente com o medo do que acontecerá no futuro.
Num mundo em que se aspira a autoridade
e posição social já não se é livre, o mesmo se diria pela ânsia de ser
virtuoso ou bom; contudo, na falta de liberdade é melhor estar-se preso
pela ética, desde que se tenha consciência disso. Se tenho a força de ser
eu já não tenho medo de ser bom nem mau; na virtude e no pecado assumo ser
eu conscientemente. Então desta perspectiva compreenderei a própria
compreensão e a dos outros, ciente de que nesse entremeio se realiza a
transformação que possibilita o milagre. Se me compreender compreendo o
mundo e ao compreender-me viverei em paz com ele. Uma cultura ou uma
pessoa fechada na própria órbitra como a Terra em volta do Sol
circunscreve-se a si subestimando a realidade do universo. Se queremos
descobrir o universo teremos de não dar relevo à própria giratória. Esta é
a diferença entre um satélite e uma estrela.
©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista e Ex-professor de filosofia
aplicada
www.antonio-justo.eu
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