O Vento na Natureza é como as
Ideias na Alma e nas Vivências
O estado de ânimo e o estado do
tempo são duas manifestações de realidades compartilhadas: o sol na
natureza e o Espírito na pessoa. Sol e Espírito estão em relação
directa: chove em mim, chove na natureza! No bom tempo há sol, alegria
e ideias positivas, no mau tempo há chuva, tristeza e ideias
negativas. Fazemos parte duma realidade em reciprocidade mais ampla do
que a do próprio biótopo de que julgamos ser senhores.
Certamente que já lhe aconteceu,
depois de ter passado um dia calmo e sereno, com alguém da sua
relação, de repente, ao dizer algo, desencadear-se uma tempestade de
sentimentos e relâmpagos de ideias cada vez mais incendiárias. A
atmosfera chega, por vezes, a carregar-se de tal modo que o fogo do
instante faz desaparecer o sol que antes brilhava em
nós.
Na procura de relações de amizade
experimentamos demasiado os extremos da pressão e depressão climática
e psicológica. Não fossemos nós também natureza! Na procura de
carinho, aceitação, reconhecimento e estabilidade não contamos com as
leis da nossa meteorologia interna a que está sujeita também a nossa
natureza humana. Em momentos de crise social, grassa mais, o temporal
na família e na sociedade política e civil. Nota-se a insegurança
individual e social para onde quer que se olhe! Daí, cada qual sentir
a necessidade de se refugiar numa trincheira comum com “amigos” que
confirmem a própria opinião aplainada num biótopo próprio, contra uma
paisagem variada e diversa de altos e baixos, contra o lá fora.
Procura-se uma amizade de primavera que não suporta as outras
estações, quer em si quer nos outros. Escolhe-se viver numa estufa de
ideias e de sentimentos, fora da natureza, fora da realidade completa
que somos. Esquece-se que as ideias e em parte os sentimentos são
apenas fenómenos externos e, por vezes, se comportam como o tempo.
Ignora-se que o biótopo privado dos amigos e companheiros é um biótopo
entre muitos outros, numa natureza diversa e diferente que a todos
mantém vivos no movimento.
As ideias tornam-se como fósforos
a raspar na caixa do sentimento. As ideias como o vento arrastam
atrás delas a chuva e o sentimento. Quanto mais fúria sopra do
vento das ideias mais as ondas das emoções se levantam e encrespam.
Lá fora como cá dentro, há tempos de altas e baixas pressões.
A paisagem da nossa alma tem muito
de comum com a paisagem da natureza lá “fora”. Como nela, no nosso
coração há chuva, abertas e sol. Os princípios e as leis que as
regulam são semelhantes e há algo de comum também. Quando há sol na
natureza, no nosso coração tudo se torna, dentro e fora, mais leve e o
horizonte revela-se mais largo. Se chove ou há nevoeiro na nossa alma,
nem notamos a beleza da paisagem por onde passamos.
Forças, que, por vezes, se revelam
más em tempos de tempestade, se bem vistas, podem tornar-se
produtivas, como acontece no uso do vento para fins energéticos se
forem orientadas. O mesmo se diga em relação às ideias. Em cada pessoa
como na natureza há energias ciclónicas e anticiclónicas, marés-altas
e baixas, euforias e depressões.
No mar da vida, para se levar uma
vida equilibrada, há que aproveitar o vento propício para melhor se
abordar à costa. Em tempo de nevoeiro torna-se perigoso arribar. É
preciso esperar o bom tempo das ideias, das ideias benignas e da
calmaria do coração para se abordar o outro e então resolver os
problemas com horizontes largos e duradouros. Em mim como no outro,
nas ideologias como nas sociedades, se notam os mesmos estados do
tempo!
As rajadas do vento e das ideias,
como a calmaria do estado do tempo lá fora e o estado da atitude de
espírito em nós, são situações naturais a compreender para se aceitar
a realidade própria e do outro. Depois da tempestade avizinha-se o
nevoeiro e normalmente é precisa a predisposição para se olhar em
redor na descoberta dum arco-íris anunciador de sol. Esta é uma
oportunidade para se descobrir a si no outro. E “depois da tempestade
vem sempre a bonança”, não fossemos nós natureza e não nos víssemos
nós no espelho dela. Como na natureza também na panorâmica humana há
diferentes biótopos de caracteres e mentalidades como se pode
verificar da observação de discussões acirradas entre optimistas e
pessimistas, entre o comunista e o capitalista, entre a reacção da
pessoa em estado eufórico ou depressivo. O pessimista naturalmente que
preferirá dizer “depois da bonança vem a tempestade”. É sempre uma
questão de perspectiva. Se um olha na direcção do dia o outro olha na
direcção da noite! A natureza e nós, somos dia e noite! No fim, a
intenção é que vale e já antes os dois tinham razão, situando-se o
problema apenas na perspectiva de cada um! O problema não está na
natureza mas na rosa-dos-ventos!
Criar em nós uma instância do bom
humor
Há pessoas muito sensíveis que
reagem como micro climas. A boa ou má disposição influencia a
percepção dos outros e do que dizem. Na verdade, até o tempo se torna
cúmplice do nosso humor. Os mesmos temporais, as mesmas bonanças do
tempo, lutas e discussões da pessoa e da instituição; o mesmo acontece
em casa, na família como na polis e na disputa entre os partidos e na
discussão de opiniões; tudo isto se encontra submetido às mesmas
forças e leis a descobrir. Os problemas surgem principalmente do facto
de cada indivíduo ou grupo ter uma visão perspectiva da realidade
quando esta é a-perspectiva. Tudo apenas um problema do tempo lá
“fora” e cá “dentro.“ Assim acontecem as ventanias e as tempestades
destruidoras na natureza, e as rajadas que devastam a sociedade, a
família, as amizades e as pessoas.
Como nas pessoas assim nas
montanhas. Se na base há nevoeiro certamente que lá em cima brilha o
sol. Se nos encontramos na depressão, no vale, na comba da tristeza,
certamente que só veremos no outro o escuro do nevoeiro do sopé da
montanha e a própria escuridão nos atemoriza porque vemos fora o que
está dentro. Como me encontrava no sopé não podia ver a montanha toda
no outro e em mim. Hermann Hesse resumia um saber da psicologia nestas
palavras: “Se você odeia alguém, é porque odeia alguma coisa nele que
faz parte de você. O que não faz parte de nós não nos perturba”
Transmissão ou transferência é um fenómeno psicológico muito comum e a
que se deve prestar atenção, especialmente quando alguém fala mal de
outro!
Todos fazemos parte da mesma
montanha. Se dum lado da encosta há chuva do outro haverá sol. A
paisagem que hoje sorri ao sol amanhã chora à chuva. Tudo sofre e se
alegra a seu tempo. À depressão (tristeza) do sentimento dum lado
corresponde a pressão (alegria) do outro lado.
Urge aceitar os sentimentos como
se aceita o tempo para se evitar o curto-circuito de ideias e a
consequente trovoada dos sentimentos. Se me encontro no fundo do vale,
do lado da encosta sombria das ideias é melhor esperar por uma aberta
ou tentar subir a encosta até encontrarmos o sol e assim nos podermos
orientar melhor numa perspectiva para além do nevoeiro. No nevoeiro
e na tristeza certamente que pintaremos a vida e o outro com cores
escuras, não podendo deslumbrar nelas a beleza da realidade das cores
do arco-íris. Os problemas ocasionais passam com uma simples
mudança de perspectiva; os grandes permanecem tanto no sopé como na
encosta da montanha. Estes porém só devem ser resolvidos com
eficiência na fase soalheira da vida. Doutro modo formam-se opiniões e
tomam-se decisões que criam maiores problemas ainda, por falta de
horizontes mais largos.
A questão será encontrar a balança
numa vida consciente da tempestade e da bonança. As diferentes
estações manifestam diferentes riquezas em interdependência em nós e
nos outros, entre o cá dentro e o lá fora, que são parte da mesma
realidade.
A disposição, o bom ou o mau
humor, determina a nossa vivência. Somos mais que o mimetismo das
nossas ideias e sentimentos. Para mudar a vivência não chega mudar
as circunstâncias exteriores porque também as nossas ideias e
sentimentos provocam, muitas vezes, a cor do ambiente, a cor das
circunstâncias exteriores.
À distância vê-se mais. A causa da
nossa má relação está, muitas vezes, em pensar nela. Não chega esperar
pelo tempo que cura todas as feridas. Importante é pôr-se o problema e
esperar-se pela solução mais tarde. Para os problemas ocasionais do
dia-a-dia, muitas vezes, basta tirar o cobertor escuro das ideias com
que envolvemos o parceiro e nos envolvemos a nós. Na cama dos
sentimentos é preciso arredar os pijamas das nossas ideias e procurar
tocar com a própria mão no corpo nu do outro. Então, na nudez do outro
descobrirei a própria nudez, e sentirei nele o calor primaveril que me
incendiará também a mim.
Se a ocasião não proporcionar
tanta proximidade, basta um sorriso, um louvor verdadeiro. O sorriso,
o louvor é como o sol que derrete as roupagens das neves mais
resistentes.
Agradecer e louvar é um acto nobre
que reconhece a realidade do dia e da noite, do bom e do mau humor no
todo e em cada um.
Se queres ser feliz, entra na tua
vida, descalça as botas. Então, entrado em ti, sentirás a felicidade,
no encontro dos polos, de um estar com todos sem se perder em ninguém.
Então sentirás a harmonia do agora a fluir; na felicidade o caminho
une-se à meta. Felicidade é sentir a paz do mar profundo nas suas
ondas altas!
António da
Cunha Duarte Justo
Pedagogo e
Teólogo
www.antonio-justo.eu