Quadragésimo Aniversário da Revolução dos Capitães de Abril
Comemoramos o quadragésimo aniversário da revolução dos capitães. No
imaginário popular permanece a imagem de armas a dar à luz cravos.
Quem foram os vencedores e os perdedores da nação? Numa data de ênfase
de mitos e feitos da revolução, a sociedade precisaria de cabeça
fresca para a avaliar e melhor entender a realidade em que se encontra
e, a partir daí, melhor poder construir um Portugal moderno e mais
justo para todos. Os revolucionários de Abril eram, de uma maneira
geral, pessoas idealistas a quem faltava o sentido da complexidade da
realidade nacional e internacional bem como a competência para
avaliarem da dificuldade do empreendimento da descolonização e da
democracia. Embora os actores do 25 de Abril lutassem contra a
ditadura e a repressão, em defesa da igualdade e da sua liberdade, não
conseguiram, no geral, criar uma sociedade mais justa, porque imbuídos
do espírito soviético, sob o ardil dos “Ideais de Abril”. Assim,
embora, a nova ordem trouxesse melhorias exteriores, a violência, a
corrupção e o poder instalaram-se em nome de uma nova ideologia
pretensiosamente popular. Vindos de um Portugal enevoado, vislumbraram
a beleza do arco-íris num horizonte risonho que logo quiseram reduzir
à faixa vermelha dos descampados alentejanos. Sob o lamiré dos
“ideais de Abril” conseguiu-se confundir
de tal modo o povo que, este, até hoje, ainda não se deu conta do
que estava realmente por trás dos “ideais de Abril”
e se resumiam originalmente na instituição de uma ditadura popular, à
maneira soviética, chinesa ou cubana. Os ideais da revolução resumidos
no programa do MFA parecem não ser entendidos para poderem continuar a
ser sublimados.
Antes tínhamos os liames da nobreza e da burguesia, hoje temos a
confissão partidária e dos irmãos.
De uma burguesia que vivia dos caseiros passou-se a uma burguesia
partidária que vive das benesses e privilégios de um Estado
irresponsável, sem espírito laboral mas explorador dos contribuintes.
O que o Estado recebe dos empresários sérios e do povo trabalhador
desperdiça-o nas mordomias e na economia, incrementando pessoas sem
personalidade ética nem competência empresarial.
A economia, a cultura e os Média
precisariam de enquadramentos que lhes possibilitassem a formação de
força própria para, deste modo, adquirirem uma certa independência da
política. Só assim, se poderia criar, na nação, um equilíbrio de
forças competitivas entre eles, que os tornaria em correctivos uns dos
outros e possibilitaria a recriação de um estado que não fosse
incubador do parasitismo. Urge superar a República burguesa-partidária
e antipatriota.
Cultura promíscua da Mediania e do Desenrasca
O
problema de Portugal é a sua pequenez; nas suas elites acontece como
nas irmandades maçónicas: toda a boa gente se conhece e se encontra
sempre na disposição de fazer bem ao amigo; isto num país de filhos e
enteados! Temos uma elite portuguesa promíscua mas fechada, vinda de
vários sectores (economia, justiça, política) formada por
relativamente pouca gente e onde todos se conhecem e se apoiam
reciprocamente; este factor proporciona o suborno e a corrupção
institucional; possibilita uma espécie de mafia de luvas brancas, uma
elite democrática de tesoura na cabeça, também envolvida nos Media.
A miscelânea e demasiada confiança entre eles fomentam um povo
desprevenido! Neste ambiente é natural que toda a gente aspire a ter
um “amigo” de cima, uma cunha grande. Assim se fomenta uma mentalidade
do viver encostado; assim se constrói uma cultura do desenrasca.
O
Estado português tem servido de encosto e de plinto de lançamento das
pessoas a ele encostadas; estas geralmente vindas dos partidos, sem
experiência laboral nem tradição laboral familiar, são lançadas também
nas finanças e nas grandes empresas onde o Estado/Partidos asseguram
lugares para os seus. Uma tal situação conduz a uma economia
sabotada, dependente dos parasitas do sistema, só podendo produzir
pobreza ou gente remediada.
A
formação histórica da burguesia económico-cultural-política tem-se
dado sob o signo da mediania. O poder económico e político
encontra-se, tal como antes do 25 de Abril, nas mãos de poucos que
exercem a hegemonia sobre Portugal, nos diversos âmbitos sociais.
Os líderes económicos e políticos sofrem todos do mesmo mal; um
problema de mentalidade, que atravessa todas as camadas da sociedade
portuguesa, e vai do partido comunista, ao Bloco de Esquerda, ao PSD,
ao PS, etc. Daí a falta de solução. Não há grupos propriamente
concorrentes; a concorrência dá-se apenas a nível de rua, na demagogia
partidária, num discurso manipulador e apelativo para um povo que
não existe, porque também distraído por noticiadores mais preparados
para anunciar a banha da cobra do que para descrever a situação real
do país. Na Idade Média as grandes famílias nobres estavam
familiarmente interligadas, hoje são substituídas pelos grandes grupos
financeiros e pelas irmandades ideológicas e partidárias a nível
europeu. Cada qual, na sua “família„ defende o seu feudo. A
economia portuguesa não pode ser produtiva porque além de ter de
manter a burguesia partidária com os seus tentáculos polvo, tem de
reservar lugares de direcção para os amigos dos partidos ou das
irmandades. Temos uma economia com empresas na dependência do
Estado que tem de dar lugares de emprego a gente da política sem
vocação nem formação empresarial. Juntamos os defeitos da sociedade
socialista aos da capitalista. A classe política serve-se
desavergonhadamente do Estado e da sociedade porque tem a sua rede de
amiguinhos em todo o lugar. Neste ambiente não são precisas grandes
discussões públicas temáticas de fundo, basta vitamina c, lançar areia
para o ar, ou culpar o estrangeiro, defeito que parece termos herdado
da cultura mourisca.
Consequentemente, as novas gerações (pós 25 de Abril) receberam uma
herança de graça que agora desemboca na crise. Acordamos num jardim
zoológico muralhado quando sonhávamos a liberdade de passarinhos sem
gaiola nem fronteiras. Equivocámo-nos ao pensar que o sonho era
realidade e que a realidade era sonho. Julgávamos que era possível uma
sociedade só de académicos e de dançarinos do poder, numa
colectividade de cigarras sem formigas, à maneira do conto de fadas da
“Mulher, a Galinha e os Ovos”; entregues à dança e ao simplismo, os
valores morais tornaram-se aleatórios e demos cabo das boas escolas
comerciais e industriais de então. A revolução, nascida mais da
ideologia do que da realidade, desprezava o trabalho manual. A
discriminação do trabalho manual em relação ao intelectual e a aposta
na construção do estado sem ter em conta a nação levou-nos ao estado
em que nos encontramos.
O
25 de Abril envelheceu deixando, os mais velhos, desiludidos dos
marxistas, maoistas, comunistas, anarquistas que queriam uma mudança
radical. Constatou-se que o sonho era só para alguns, como
podemos verificar nas suas posições, remunerações e pensões.
Somos todos corresponsáveis. Quando o indicador da nossa mão aponta
para a responsabilidade dos outros há pelo menos outros três a apontar
para nós.
O que
resta é acordar da utopia para a realidade: de boas intenções está o
Inferno cheio. Ao irrealismo que domina a nossa matriz mental, o 25
de Abril veio acrescentar-lhe a utopia que aposta na sorte e na carta
de crédito sem cobertura. Assim a terceira república tornou-se no
maná dos oportunistas e num peso para o povo. Como povo com bolsa de
pobres e boca de ricos continuamos a ser o melhor solo para os
afortunados da vida e para uma corja de boys que proletarizam o povo e
a ética cultural que o sustenta. Estes conduziram o país à depressão
desacreditando os valores do sonho de outrora.
Precisam-se novos paradigmas que protejam as famílias, o interior e a
diversidade; ontem foi preciso dizer não à ditadura na defesa da
vontade popular, hoje é preciso dizer não à má governação, à
corrupção, à exclusão social. Vê-se que os valores de Abril só poderão
ter sustentabilidade com um plano de fundo cristão. Sem a volta do
povo e dos governantes ao espírito cristão que constituía a identidade
da nação, o futuro de Portugal ainda se tornará mais incerto e
corrupto: se os que orientam os destinos da nação são corruptos que
resta ao povo senão imitá-los!
O 25 de
abril criou os seus pobres como o Estado Novo tinha criado os seus!
Não se encontra nenhuma forma de governo que prescinda dos pobres.
Cada regime, com os seus representantes, serve-se dos pobres (povo)
para se afirmar e para legitimar a continuidade da história, tal como
cada um de nós se serve da sua lógica para levar a sua “razão” avante!
A História encontra a sua continuidade nos diferentes regimes que se
servem do gramado, da plataforma dos pobres! O povo continua o eterno
refém dos regimes.
A
Republica, e com ela, os sindicatos e os partidos, encontram-se
imbuídos do espírito antipatriótico, sem consciência de povo nem de
nação. A república, surgida do jacobinismo francês e de irmandades
internacionalistas desalmadas, foi dominada pelo pensamento de
interesses de grupos e de individualismos inferiores e recalcados à
procura do sol burguês. De nacional só têm um certo espírito mafioso
de encontrar por lugares esconsos, secretos e sombrios! O sol
compensador da sua inferioridade, procuram-no no brilho que vem de
fora; um fulgor corrupto de um meio, que eleva os chulos, de alardes
consulares, aos camarins dos seus bordéis, onde o povo e a cultura são
violados.
Os
problemas não são de governos mas do desgoverno da governação e da
oposição. Precisar-se-ia de uma mudança orgânica dos partidos; como a
mudança só pode vir de dentro, a sociedade civil que se sente mais
consciente e responsável, teria entrar nos partidos para possibilitar
a sua mudança.
O
problema da nação não está na sua corrupção e no Estado falido. O
problema do país está no facto de não ter alternativa para as elites
corruptas. Há 780 portugueses multimilionários com fortunas superiores
a 25 milhões de euros. Isto seria legítimo se o povo andasse bem e
enriquecesse nas mesmas proporções que eles enriquecem; o mesmo
se diga dos altos funcionários e beneficiários dos partidos.
António da Cunha Duarte Justo
Formado em Ciências da Educação para Português e História