Enquanto países asiáticos e de
cultura árabe se vão arranjando numa estratégia de autoafirmação apostando
na força da sua identidade cultural (patriotismo cultural da comunidade
muçulmana, da Rússia, da China, da Índia), o Ocidente e em especial a
União Europeia esvaem-se num “patriotismo cosmopolítico” baseado na
filosofia económica globalista e na moeda como tecto metafísico do
conglomerado. A negligência da filosofia enciclopédica e da ética cristã
humanista coloca a EU numa posição favorável para negociar a integração da
Turquia na EU e para se autoafirmar hegemonicamente no âmbito económico e
militar; por outro lado, essa negligência revela-se ingénua num mundo em
formação em torno das culturas. Para mais quando em democracia o povo é o
elemento importantíssimo em questões de estabilidade política e este
elabora a sua identidade em torno de espiritualidades.
Por outro lado, a União Europeia
encontra-se num dilema ao impor-se um patriotismo cosmopolítico sem ter
ainda alcançado uma consciência de patriotismo europeu, vendo-se, para
isso, interessada em destruir os patriotismos das nações europeias e
tradições culturais específicas (Patriotismo é uma virtude ao contrário do
nacionalismo!). Quer-se construir uma soberania europeia masculina, sem
alma, procurando para o efeito fomentar-se uma condição de povo anónimo. A
anonimidade popular e a destruição da soberania política das pátrias
europeias conseguem-se através do fomento de uma filosofia política
relativista (pensar correcto) e pragmatista. Em nome da diversidade
cultural, a política exige dos seus cidadãos a deslealdade para com a
própria cultura e a renúncia a símbolos cristãos. A EU encontra-se na
fenda entre os patriotismos e os nacionalismos. Também o seu missionarismo
político em favor dum cosmopolitismo político democrático não tem dado
resultado, como se observa no norte de África, pelo contrário, as
rebeliões fortaleceram o fascismo. A ideia do globalismo corresponde a uma
filosofia católica original mas para a qual o mundo ainda não está
preparado. Há razões, mais que suficientes, para nos questionarmos se a
praxis turbo-capitalista aliada à estratégia marxista serão o melhor meio
para se impor o globalismo (Neste aspecto, a China estaria já numa posição
vantajosa).
O modelo da Europa para o mundo
encontra-se numa crise profunda de valores e de sentido; cada vez lhe
falta mais a congruência cultural e consequentemente a visão e motivação.
Uma política de rejuvenescimento da europa através da imigração revela-se
míope e perigosa devido aos grandes contingentes de muçulmanos que embora
com imensa juventude se revelam contraproducentes devido à sua vida
determinada pelo gueto religioso e hegemónico; enquanto o cidadão europeu
não encontra motivos para se definir em termos de identidade europeia, os
imigrantes muçulmanos que constituem a maioria dos imigrantes afirmam-se
em termos de fronteira patriota religiosa. A classe política, para evitar
conflitos populares adopta uma política pragmática em relação às
exigências daqueles, implicando o recuo em relação a posições laicas e
risco num contexto de reivindicações políticas no futuro.
O fomento dum “cosmopolitismo
enraizado” como pretende Kwame Anthony Appiah no sentido do
desenvolvimento de um burguesismo mundial, não se revela possível, numa
EU em que a natalidade muçulmana supera qualquer crescimento estatístico
de nativos em relação a outras confissões religiosas e seculares.
Segundo estatísticas sérias, a explosão demográfica muçulmana aponta para
o desenvolvimento da Europa no sentido de uma Eurábia. O politicamente
correcto cala isto para não amedrontar o povo, já preocupado; é um facto
que as estatísticas demográficas possibilitam previsões científicas mais
exactas que quaisquer outras. As guerras do Ocidente em países árabes só
alimentam a ganância económica e fomentam a imigração árabe para a Europa.
Quem se encontra cada vez mais desenraizado na EU são os países europeus e
não os guetos muçulmanos que sofrem, na própria terra, por verem as
suas aspirações hegemónicas contrariadas pelos Estados Unidos da América
que, por razões estratégicas fomenta a rivalidade entre as confissões
muçulmanas dos Sunitas e dos Xiitas.
O mutismo intercultural e
inter-religioso entre as nações é mais que sintomático da impossibilidade
dum encontro a nível de direito moral. O relativismo cultural e ética só
pega nas nações ocidentais. As vitórias do secularismo europeu contra o
cristianismo transformar-se-ão em vitória do extremismo religioso
muçulmano e doutros extremismos dentro dos muros europeus.
Temos a melhor lição na primavera árabe que, em nome da liberdade e dum
certo relativismo, se tem revelado como um serviço ao absolutismo
religioso. Estas nações para chegarem ao tal cosmopolitismo precisariam de
um desenvolvimento económico, cultural e social como se deu na Europa dos
anos 60 aos anos 90 e na luta cultural provocada pelo protestantismo do
séc. XVI e mesmo assim comportar-se-iam diferentemente porque são
portadores de uma outra antropologia e sociologia. A sua sociologia
assenta em princípios contrários aos da sociedade de características
ocidentais. Não é sem razão que a Turquia, Egipto, etc. contrariam o
fomento de cristãos nos seus quadros estatais superiores e noutros países
muçulmanos, se chega a considerar os cristãos como espiões dos USA.
Só quem está interessado num
pragmatismo de consenso superficial poderá passar por cima da realidade em
que a Europa vive; facto é que a realidade internacional e do
desenvolvimento global assentam nas culturas e especialmente nas suas
filosofias que são as religiões; o sistema económico é apenas uma
consequência da razão filosófica destas. Há que explorar e contextualizar
melhor o capitalismo e o socialismo que, como filhos pródigos do
judeo-cristianismo têm instabilizado uma mundivisão, que, purificada de
excessos e na complementaridade, poderia servir de modelo para um
globalismo mais justo.
Gregor Gysi, o número um do partido
comunista na Alemanha, é um ateu declarado, e disse algo notável num
programa da TV alemã: "Foi um fracasso histórico dos comunistas perseguir
o cristianismo. Pois a essência dos cristãos: amor ao próximo, igualdade
(diante de Deus) e a observância dos mandamentos são muito semelhantes aos
ideais do comunismo.”
Sempre me admirei por irmãos se
combaterem, pelo simples facto de um olhar muito para o céu e o outro
olhar demasiado para a terra. Uma simples olhadela não determina a
realidade e não faz de um, espírito, nem do outro, matéria! Torna-se
importante não esquecer que também a verdade é feita de céu e terra. E o
mais importante para a europa é a sua união cultural e deixando de se
autodestruir em guerrilhas ideológicas de leigos contra fiéis par
reconhecerem a própria riqueza na numa relação de complementaridade.
O pensar baseado no politicamente
correcto tem fomentado uma discussão teórica e uma tolerância infantil
mais interessadas em encobrir os problemas, do que em ajudar a resolvê-los
duma forma humana e justa. Há monstros a dormir nas sociedades que
ressurgirão no momento em que as crises políticas se generalizarem. O
movimento secular e o cristianismo de expressão moderada serão os que mais
sofrerão as consequências da falsa política social e económica que se
seguiu depois da última grande guerra.
A procura de valores globais, como
sugere Hans Küng , exige mais da política do que ela está disposta a dar.
De faco, o seu mero recurso a um pragmatismo de políticas locais,
limitadas a dar respostas locais aos problemas populacionais e
interculturais mais urgentes, sofre de miopia. Aqui empanca o tal
cosmopolitismo que, sem teto metafísico, quer viver de capelanias de
pontos de vista limitados, fomentadores de cabeças viradas para uma terra,
cada vez, menos mãe. É verdade que a consciência para a gravidade da
situação surge no foco e não na periferia e os problemas da humanidade
continuam a ser focados como problemas abdominais.
Quer-se uma ética urbana para um mundo,
na grande maioria, rural e estranho a intelectualismos e a éticas
generalistas ou de nível elevado. Não há uma sociedade mundial tal como
não há um biótopo mundial. A coerência dos biótopos sociais não pode ser
alcançada por uma rede económica frágil e injusta, nas mãos de poucos e à
margem duma literatura mundial. A natureza continua a mostrar, na sua
inter-relação de biótopos naturais como protótipo dos “biótopos”
culturais. Para já, seria apressada a ideia de querer, sob a mesma
atmosfera, igualar as diferentes regiões climáticas (culturais) sem
atender às suas especificidades, e para mais num tempo em que as
tendências hegemónicas das culturas entre si ainda são tabu ou apenas
relegadas para o sector económico ou religioso. Neste sentido é absurda a
ideia de que o negócio universal e a moeda se possam transformar em
elementos criadores duma identidade global. A ideia de um cosmopolitismo
político torna-se numa estratégia para distrair intelectuais. Como se pode
defender a floresta quando nela não só se cortam e arrancam as árvores mas
também destrói o seu húmus cultural?
A moderna missionação ocidental com o
seu centro de gravidade na democracia e nos direitos humanos, não se
revela tão eficiente como seria de esperar, dado, duma sociedade para a
outra, sociológica e antropologicamente, mentalidades e modos de vida, se
revelarem quase antagónicos. O conceito duma sociedade aberta para se
chegar a um cosmopolitismo não se encontra aferido, nem à sociedade
ocidental, porque a empobrece culturalmente, nem às outras sociedades
porque as não respeita. É preciso trabalhar no sentido duma terceira via.
A lusofonia oferece uma oportunidade para se trabalhar neste sentido.
Para isso fica o apelo da História no sentido de se superar a humilhação
envergonhada e a exaltação orgulhosa.
O cosmopolitismo, em via, mostra
erros sociologicamente análogos aos da revolução industrial do séc. XIX e
XX, focalizado num materialismo ideológico (marxismo) e prático
(consumismo) expresso na economia financeira
internacional fomentadora duma mentalidade proletária de aspiração
burguesa a florescer num globalismo financeiro mundial que tudo reduz a
mercado de clientelismo anónimo. Isto conduz a um pragmatismo sem
horizonte destruidor de qualquer fé política ou religiosa que não se
subordine ao pensar do correcto oportuno. Com uma fachada liberal
destrói biótopos culturais e espirituais para criar um novo habitat de
género latifundiário e de monocultura proletária.
A Europa encontra-se num grande
impasse; destrói sistematicamente a sua identidade ao colocar a economia
financeira como leitmotiv da civilização. Isto
é constatável se observamos o seu pragmatismo selvagem que não reconhece
na Constituição os seus pilares éticos do judeo-cristianismo, do direito
romano e da filosofia grega para se abrir ao desconhecido e à anarquia do
voto do braço erguido. A ganância económica e o lucrativo negócio com as
armas justificam uma imigração selvagem criadora de grandes problemas para
as gerações futuras e a destruição de aquisições humanas que se pensavam
irreversíveis.
(Que uma sociedade aberta como a
europeia renuncie a fronteiras é consequência do seu desejo de se formar
como bloco perante outros blocos. O seu maior erro está, porém, em
renunciar às colunas que constituem a civilização ocidental. O trágico
está na irreversibilidade da situação que se criou já não baseada numa
filosofia consistente mas no imperativo do pragmatismo factual que segue
um liberalismo económico desrespeitador de tudo o que é pessoal e cultura
adquirida. Devido à sua proximidade com a Europa e à, cada vez maior
incapacidade de discernimento dos povos europeus, a longo prazo, a
beneficiada desta filosofia pragmatista, será a cultura árabe, a não ser
que se forme nela uma camada social média abrangente, fruto duma revolução
religiosa cultural, à imagem da revolução protestante na europa, que a
liberte de restrições religiosas a nível de ética e hábitos e em que a
antropologia ganhe relevância sobre a sociologia.)
Necessita-se uma política antropológica
contrária à ideologia económica monetarista e ao liberalismo vencedor
desencarnado. Naturalmente que o reconhecimento do outro também mexe com a
própria identidade; esta revelou-se a vantagem da civilização ocidental
perante outras civilizações: uma abertura com significado e sentido. Nesta
base será possível determinar novas políticas. Johan Baptist Metz,
fundador das Novas teologias políticas, defende a valorização da
Autoridade do Sofredor na humanização do mundo. Neste sentido, seria óbvia
uma ética que reconheça o rosto da verdade nos pobres e que distribua a
riqueza pelos continentes.
Não se trata de criar identidades
submersas mas de integrar a própria diversidade na unidade duma realidade
integral à maneira da complementaridade da verdade expressa na fórmula
trinitária.
Daqui resultam direitos e deveres –
responsabilidade ética - de cada um perante todos e de todos perante cada
um (pessoa simultaneamente individuo e colectivo). A pessoa alcança um
caracter universal e, como parte dele, é portador da sua dignidade. Há que
voltar à reflexão cultural. A redescoberta da fórmula trinitária
poder-se-ia tornar numa plataforma da complementaridade das partes num
grande todo sem lugar para hegemonia duma cultura/religião sobre a outra,
dado a diversidade natural e cultural serem a melhor condição
possibilitadora de desenvolvimento individual e colectivo. Torna-se
urgente a formulação de uma política do diálogo intercultural neste
sentido.
A apreensão da realidade, tal como a
sua moldação, depende do ponto de vista ou da perspectiva, como dizem os
jesuítas. A sabedoria está em reconhecer a complexidade das diferentes
necessidades e usos. Uma anedota relativamente inofensiva, que li no
“manager magazine” 10/2013, conta que um beneditino, um dominicano, um
franciscano e um jesuíta se encontravam a rezar na Igreja. De repente,
apagam-se as luzes. O beneditino continuou a rezar firmemente as orações
do seu breviário, porque ele sabia-as de cor. O dominicano quer liderar um
debate sobre a luz e as trevas na Bíblia. O franciscano louva Deus
por ter dado a escuridão ao povo. E o jesuíta levanta-se e vai mudar o
fusível. Todos têm razão, na medida em que agem em função do todo. A
atitude pragmática do jesuíta revela-se eficiente e apresenta-se como uma
perspectiva duma realidade que se modela diferentemente.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
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ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal). E-mail: a.c.justo@t-online.de.
Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .
PUBLICAÇÕES
- Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel em alemão com secções em português, italiano, turco, françês, grego, editada pela cidade de Kassel, tiragem 5. 000 exemplares.
- Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", editada na Caritas, Kassel
- Editor de "O Farol" , jornal de carácter escolar e social em colaboração com alunos, pais e portugueses das cidades de Bad Wildungen, Hessisch Lichtenau, Kassel, Bad Arolsen e Diemelstadt( de 1981 a 1985)
- Editor de „Boletim da Fracção Portuguesa no Conselho de Estrangeiros de Kassel (1984)
- Autor da Brochura „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“ editada pela Câmara Municipal de Kassel, Fevereiro de 1987.
- Co-autor da Brochura „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, editada pela AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.
Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.
http://blog.comunidades.net/justo
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