Impossibilidade
dum Papa à la
carte.
Ser Papa
implica ter um perfil impossível de conciliar com dogmatismos
tradicionalistas ou progressistas. Os progressistas parecem querer
fazer do catolicismo o que os evangélicos já são e os conservadores
parecem ignorar o facto que o mundo segue aqueles que o mudam. A
realidade apresenta diferentes perspectivas de avaliação. É impossível
conseguir um papa à medida dos diferentes interesses de pessoas e grupos
que exigem dele ser o seu peixe sem espinhas. Uma instituição exerce
poder, por natureza, sendo como tal injusta na perspectiva individual; o
mesmo se dá com o indivíduo ao exigir uma instituição à sua medida, quando
a instituição terá de ser tecto para todos com as suas diferenças (o mesmo
dilema se encontra entre a lei constitucional e a lei forense). Como é
impossível ter um Papa à medida de todos mas, possivelmente, à medida do
todo, há na Igreja as diferentes igrejas e responsáveis inseridos em
diferentes situações éticas, étnicas e políticas; mas todos numa atitude
de obediência a Jesus e de abertura ao Espírito Santo. Ser Papa (servo
dos servos) significa seguir a cabeça da Igreja que é Jesus e estar atento
ao Espírito Santo que se expressa em todo o lugar dentro e fora da Igreja.
Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome lá estarei eu no meio
deles (Mt 18,20). Neste grande corpo somos todos irmãos embora com
diferentes carismas e missões, a serem respeitados. O magistério do Papa
tem um caracter constitucional (constituição viva) mas tem de ser
interpretado pelas comunidades locais num ambiente de tolerância recíproca
superadora da arrogância dogmática do criticador e do criticado, à luz do
E. Santo. Observa-se também na eclésia, entre membros e instituição, um
discurso, por vezes, mais orientado para a divergência do que para a
convergência. Este é um estilo machista baseado na concorrência que, em
vez de tentar unir as pessoas, propaga um jogo não criativo de uns contra
os outros, como se o Mestre não estivesse no meio deles. A igreja é de
todos os pecadores, sejam eles tradicionalistas ou conservadores, papas,
teólogos, doutores, pastores ou rebanho. O Espírito sopra em toda a seara.
A Igreja precisa de
rejuvenescimento
Bento XVI, o
teólogo na cadeira de Pedro, merece todo o respeito pelo passo corajoso da
sua renúncia. Esta não foi uma decisão instantânea até pelo facto de,
contra o habitual, não terem sido programadas viagens papais para o
ano de 2013. Um Papa é eleito vitaliciamente mas o direito canónico
dá-lhe o direito de renúncia. Com o seu gesto de resignação, Bento XVI dá
oportunidade a um “recomeço”, numa Igreja que se entende como “semper
renovanda”.
Bento XVI
nem sempre sintonizou com certas manifestações do século XXI, também
porque algumas delas (absolutização do individualismo e redução da pessoa
a mercadoria) afectam os fundamentos do cristianismo.
Toda a
pessoa está sujeita ao envelhecimento biológico e ao envelhecimento
social; biologicamente, a nível de gerações e socialmente porque o
mundo/sociedade em que vivemos não pára e até nos chega a ultrapassar.
A eleição
dum novo Papa será uma oportunidade para a Igreja estar atenta aos sinais
dos tempos sem se deixar sorver pelo remoinho do espírito do tempo.
Numa altura em que a sociedade ocidental se abre cada vez mais aos valores
da feminidade seria oportuno repensar-se novas funções da Igreja para a
mulher (Diaconado!); também no que respeita aos divorciados que
queiram casar novamente, neste sentido seria uma boa altura para alargar
os factores que justificam o anulamento dum casamento, etc. No século XXI
seria uma das suas grandes missões o fomento não só do Adão
(masculinidade) mas também da Eva (feminidade) como maneira de estar
também na instituição.
Salvo erro,
na época que atravessamos, penso que a eleição dum Papa africano ou
asiático corresponderia, mais uma vez, à antecipação da Igreja (através do
Paráclito) em relação ao decurso da História.
No pontificado de Bento XVI
sobressai a intelectualidade/teologia
Bento XVI é
um intelectual, fiel a si mesmo e à eclésia e coloca-se, com a sua
renúncia, mais próximo do povo. “As minhas forças em consequência da minha
avançada idade (85 anos) já não são razoavelmente apropriadas para exercer
o serviço de Pedro”.
A primeira
preocupação do seu pontificado foi a acentuação do amor. Neste sentido
escreveu a encíclica “Deus é Amor” (Deus caritas est) apelando à fé no
amor (característica cristã) que é também eros e caridade.
A sua
segunda preocupação foi a Verdade. Contra o relativismo corrente, afirma
que é no cristianismo onde a verdade se pode reconhecer melhor. Na
encíclica "esperança cristã" (Spe salvi) apresenta a fé como esperança. A
sua encíclica social “caridade em verdade” (Caritas in Veritate) versa
vários temas socioeconómicos e a crise económica e financeira.
Também
esclareceu que opiniões mesmo institucionais estão sujeitas aos
condicionalismos (manifestações) do tempo. As reacções estão muitas vezes
determinadas pelo tempo mas o que importa é a atitude de fundo que
prevalece.
Admoestou
todos os cristãos, católicos e não católicos, a estarem atentos ao
essencial. “Deus actua silenciosamente” (baixinho, discreta-mente).Teólogos
protestantes louvaram os livros de Bento XVI sobre Jesus, afirmando que
eles também poderiam ter saído duma pena protestante. Bento XVI é
certamente o maior teólogo do nosso tempo, e de grande relevância para uma
reflexão comum, como reconhecem também altos dignatários evangélicos.
Também seria pertinente que os construtores da União Europeia lessem
atentamente os seus escritos, devido à sua pregnância cultural, e aos
perigos que esta corre e que ele admoesta a evitar. O Cristianismo
(Igreja Petrina) é a mãe da Europa e duma globalização a ser realizada em
serviço do Homem e não apenas em serviço da economia.
O presidente
da Alemanha, Joachim Gauck, antigo pastor evangélico, reagiu à sua
renúncia dizendo „A sua fé, a sua sabedoria e a sua humildade humana
impressionou-me profundamente”.
A sua aura
foi enevoada com o escândalo de abusos, Vati-leaks-Affäre, com os
documentos roubados da sua secretária e com o drama da irmandade Pio XII.
Procurou conciliar a liturgia pós-conciliar com a anterior e assim superar
a separação com os tradicionalistas em torno de Marcel Lefebvre (irmandade
Pio X). A sua preocupação principal foi a união da igreja (impedir a
formação duma igreja retrógrada - a irmandade Pio X) e apelar à renovação
interior das pessoas; empenhou-se na defesa dum mundo de valores humanos
globais, da ecologia e da mudança social; ele lamentou o pecado na Igreja
pedindo perdão. Embora não tenha sido um reformador estimulou os crentes a
ocuparem-se com as consequências do mundo moderno. Bento XVI foi um mártir
do silêncio. “Eu sou apenas um simples pequeno trabalhador na vinha do
Senhor”. A História reconhecê-lo-á como um padre da Igreja que dedicou
toda a sua vida à pergunta de Deus; da resposta a ela depende a
subsistência duma civilização.
Os Talibans da
Opinião
A Igreja tal
como o ser humano é santa e pecadora. Somos portadores da gene divina e da
gene “diabólica” tanto a nível individual como institucional. O problema
da arrogância tanto institucional como individual vem da propensão para a
autoafirmação/individuação à custa de alguém; por trás duma crítica
destrutiva ou duma afirmação absoluta esconde-se um grande ego que se
branqueia, esquecendo o aspecto negativo da própria gene. Daqui
resulta uma crítica destrutiva, exclusivista que esquece o aspecto
complementar de tudo o que é real, não notando que a certeza com que se
condena o adversário tem o mesmo fundamento do que se condena ou defende e
o mal e o bem que se encontra no outro se encontra latente em nós também.
Por vezes
predomina a maldade do julgamento e a absolutização da própria
opinião perante a razão. Muitos papitas aproveitam-se do que acontece no
vaticano para vociferar contra o Papa identificando a Igreja e o Papa com
o Vaticano. Forças políticas e económicas, da globalização estão
interessadas em enfraquecer a voz da primeira organização global que
manifesta a voz de quem não tem voz; interessa-lhes ter o povo indefeso à
disposição sem alguém que lhes leia os Levíticos. Uma instituição com a
missão de garantir a continuidade dos valores fundamentais não poderá
agradar nem a tradicionalistas nem a progressistas, nem tão-pouco ao
turbocapitalismo e às ideologias. A sua missão é mediadora no seguimento
humilde do Espírito.
A Igreja
petrina terá de continuar a assegurar a memória de Cristo e de viver na
convergência, a exemplo do seu Mestre, para poder garantir a continuidade.
Espera-se da Igreja o discernimento de distinguir entre o espírito (o
bem) e os valores, entre o ser e o valer. Facto é que o espírito/o bem é e
os valores valem. O espírito é eterno e permanente, os valores são
circunstanciais, limitados. O espírito, o bem (o ser) é mais que o valor
(o que vale moralmente). O que vale aqui (ocidente) pode não valer acolá
no oriente. Os valores estão ao serviço do ser, da felicidade. Bento
XVI actuou no sentido duma ética do ser, uma ética da convergência. A
crítica positiva ou negativa ao seu actuar tem mais a ver com posições
legítimas mas que não podem ser dogmáticas nem infalíveis; ao contrário do
que se observa na expressão pública.
Na vida real
primeiro vem o comer e só depois o dever. A moral (dever) não pode porém
ser subjugada ao comer, ao espírito do tempo que julga tudo pela onda
(situação) em que se encontra envolvido, fazendo dela um dogma. A
polarização e o ecletismo não levam a nenhum lugar, o que importa é a
síntese. Neste sentido Bento XVI usa um discurso modesto e irénico
(conciliador, integrador) e não apologético dialético. Há muito que
aprender dele.
A vacância
papal.
A vacância
papal começa no dia 28 de Fev. às 20 horas. O conclave dos cardeais será
convocado para Março. Bento XVI recolher-se-á no mosteiro carmelita do
vaticano. O novo Papa será eleito pelos cardeais (120) que ainda não
atingiram os 80 anos de idade. O Papa para ser eleito terá de conseguir
dois terços de todos os votos.
Especulações
de possíveis cardeais papáveis fazem referência aos cardeais: Peter
Turkson do Gana, Francis Arinze da Nigéria, Otto Schrerer do Brasil, Marc
Quellet do Canadá e Ângelo Scola da Itália.
Resta
esperar que os cardeais reunidos em conclave se abram ao Espírito Santo,
conscientes de que a Igreja não é o Vaticano, mas que o Vaticano tem muita
responsabilidade, não se podendo deixar subjugar por interesses de
poder ou de facções.
António da
Cunha Duarte Justo
Teólogo e
Pedagogo
antoniocunhajusto@gmail.com
www.antonio-justo.eu
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