O incremento do diálogo inter-religioso
e intercultural, necessário para assegurar a paz e a boa convivência entre
os diferentes grupos, é contrariado por uma praxis agressiva que se dá em
nome da ideologia e da religião. Actualmente, a religião mais perseguida é
a cristã com um número de vítimas superior a 105.000 em 2012, segundo
regista o “Observatório da Liberdade Religiosa”. A grande maioria das
vítimas regista-se nos países islâmicos e comunistas. Um outro aspecto
muito dificultador do diálogo intercultural é o facto de os grupos
islâmicos imigrados se isolarem e exigirem para os seus grupos direitos
que não reconhecem aos outros nos seus países. Isso é sentido por
muitos cidadãos europeus como uma atitude não transparente numa tática de
conquista suave. A Noruega já proibiu a Arábia Saudita de financiar
mesquitas enquanto não permitirem a construção de igrejas no seu país. O
ministro dos negócios estrangeiros norueguês Jonas Gahr Stor defende a
reciprocidade de relações entre países e culturas e já anunciou que a
“Noruega levará este assunto ao Conselho da Europa”.
Cada cultura nasceu duma religiosidade
que se expressa num conteúdo de fé à volta do qual construiu a
correspondente identidade. Assim se foram formando identidades contra
identidades: umas mais guerreiras, outras mais pacíficas. Sob a capa da
luta religiosa escondem-se tendências hegemónicas que em nome da
religiosidade afirmam constructos de poder dominadores da pessoa e doutros
grupos. O islão é hoje, com o sistema político chinês, o sistema com mais
potencialidades de expansão e “conquista”, porque não permitem a formação
de consciência alternativa.
Experiência
acrescida
O escritor Martin Walser, ao falar de
religião, diz: “Religião é uma maneira de expressão como literatura,
pintura, música…, fé é uma capacidade, um talento”. Religião é também uma
experiência humana enriquecedora que fomenta a vida interior e alarga o
horizonte humano ao procurar o desconhecido. A experiência da fé é pura e
única, acontece para lá dos credos, das imagens, dos dogmas, dos mitos e
das culturas. Estas deveriam preparar o caminho para a vivência do
inefável na vivência da paz universal. O brilho não vem da capacidade
lógica mas do talento da fé (vivência) amorosa, ao contrário dos poderes
que se aproveitam daquela ânsia genuína humana.
Só temos uma terra com muitos sistemas
ecológicos naturais/culturais e com grande diversidade. A diferença é uma
constante num mundo feito de retalhos complementares. Se se pretende a paz
verdadeira, a afirmação da identidade pela diferença não pode deixar de
reconhecer o seu caracter subsidiário em relação ao todo.
Iniciativa
histórica
Uma iniciativa histórica em prol do
diálogo inter-religioso foi a criação da “Jornada Mundial de Oração pela
Paz” em 1986 (em Assis, Itália), por iniciativa do papa João Paulo II,
onde cristãos, judeus, budistas, muçulmanos e representantes de religiões
africanas e americanas se reuniram para rezar pela paz mundial. Joao Paulo
II queria iniciar assim uma “viagem fraterna” dos diferentes caminhos das
religiões na procura da Verdade. Isto pressupõe o diálogo inter-religioso
como caminho das religiões no sentido de afirmar a dignidade do Homem e da
natureza, onde todos se empenham em minorar as causas do sofrimento de
pessoas e grupos e onde verdades coexistem de modo a possibilitar a
probabilidade que leva ao desenvolvimento.
Para se falar dum diálogo
inter-religioso que honre o seu nome teria de se pressupor que cada um dos
parceiros reconhecesse a liberdade religiosa e respeitasse a decisão
individual. O Vaticano II reconheceu esse direito mas as elites do islão
não o reconhecem, tropeando assim qualquer forma de diálogo. Aposta no
querer ter razão, substituindo assim a experiência interior (fé) por um
sonho intelectual, por uma estratégia de dividir para dominar. Os
muçulmanos que vivem no ocidente, talvez, num dia distante, provoquem uma
espécie de concílio islâmico que o torne compatível com outras culturas.
Direitos humanos
em conflito com direitos culturais
Na sociedade
ocidental domina o primado do direito (direitos do Homem) e da democracia
enquanto nas sociedades de influência árabe domina o primado da religião e
do grupo. Enquanto o Ocidente educa o cidadão para o respeito dos direitos
individuais, as elites muçulmanas empenham-se na afirmação dos seus
valores culturais religiosos à custa dos direitos pessoais; partem também
duma posição dogmática que não reconhece à sociedade permissiva o direito
de exigir contrapartidas na práxis. Muitas vezes, lutam pela imposição e
reconhecimento legal dos seus costumes (direitos culturais contra direitos
individuais) sem se preocuparem com o espírito base das leis dos países de
acolhimento. O próprio direito europeu e direitos nacionais europeus já
têm sofrido retrocesso chegando a consignar valores culturais como
superiores ao valor da pessoa humana: prática da circuncisão (RFA),
imposição das leis da sharia em questões de divórcio (Inglaterra),
imposição de ementas próprias em instituições públicas, isenção de aulas
de biologia e de ginástica para mulheres, etc.
Uma minoria
hermeticamente fechada e uma maioria indiferente
É notória a falta de cooperação entre
os grupos minoritários e o grupo maioritário. Praticamente este só cede,
sem contrapartidas. Da parte da sociedade acolhedora (cristã) observa-se
uma atitude que vai da tolerância à indiferença. A parte maometana
permanece dogmática. Quem se julga na posse da verdade não está disposto a
procura-la. Não há disponibilidade enquanto dominar a doutrina declarada
dum Islão autossuficiente, hegemónico, totalizante e intolerante. As
comunidades maometanas encontram-se demasiadamente preocupadas na sua
afirmação como grupo para poderem reconhecer os outros bem como a
diversidade de necessidades individuais dos próprios membros. Não
comportam lugar para a diferença. Por isso os países muçulmanos oprimem e
discriminam quem não professar a sua fé porque consideram a opinião
diferente como um atentado a uma ideologia que quer tudo igual. Talvez
vejam na religião muçulmana o potencial de poder a contrapor ao
imperialismo económico. Respondem a um imperialismo com outro
imperialismo; um abusa dos cidadãos (democracia), o outro abusa da crença.
Cada cultura faz a sua interpretação do
mundo, do homem e da sociedade com diferentes metáforas. Cada religião tem
a sua maneira de equacionar e enroupar o misterioso transcendente. Este
não pode ser exclusivo dum biótopo religioso nem duma experiência cultural
antropológica ou sociológica. Cada pessoa, cada biótopo natural/religioso
tem algo de diferente que o vizinho não tem. Para se reconhecer a
diferença é necessário depor-se as armas do combate e da conquista para se
permitir o crescimento espiritual no próprio biótopo religioso.
No reino da ecologia os biótopos, as
realidades/verdades encontram-se, umas ao lado das outras, sem a
necessidade de se negarem. Também deveria ser lógico e natural que num
‘biótopo’ cultural muçulmano fosse possível a coexistência, sem
perseguição nem discriminação de outras religiões e vice-versa. Também
deveria ser natural que cada religião se sentisse, intra muros, como a
melhor sem necessidade de negar as outras.
A não existência de acordos
bilaterais suborna a cultura ocidental
Na Europa, a
discussão intercultural e inter-religiosa é orientada apenas para o
folclore religioso cristão, judeu, hindu e muçulmano sem que se expresse
algo das suas filosofias, antropologias, sociologias e teologias.
Assistimos a abordagens superficiais em curto-circuito ou com afirmações e
negações reducionistas à medida do politicamente correcto. Os governos e a
sociedade laica não estão interessados numa discussão pública objectiva
porque, a fazê-lo, o seu actuar seria questionado pelos interesses
democráticos da sociedade acolhedora. Nos conflitos específicos maometanos
com a sociedade maioritária, o politicamente correcto está interessado em
reconhecer neles apenas questões de religiosidade individual. Reina o
interesse, o medo. Também a Igreja não pode falar claro porque se o
fizesse logo os cristãos que vivem em estados muçulmanos seriam objecto de
maior discriminação e perseguição.
Por várias razões, o Estado laico não
se tem preocupado com o diálogo intercultural internacional nem em
estabelecer acordos bilaterais a nível de direitos de religião. Com o
tempo, devido à presença massiva muçulmana, os estados europeus ver-se-ão
na necessidade de reconhecer valor ao diálogo inter-religioso, tendo de o
colocar na agenda das convenções internacionais.
A sociedade civil, ao não exigir
bilateralidade na concessão de direitos religiosos, está a subornar a
cultura ocidental e a contribuir para um futuro muito problemático.
Enquanto o mundo cristão se empenha em propagar a tolerância
possibilitando o exercício livre do islão e a construção de mesquitas na
Europa, os estados muçulmanos como a Arábia Saudita, a Turquia e os países
muçulmanos em geral, proíbem a construção de igrejas, sinagogas e escolas
nos seus países, e, por outro lado, financiam a promoção do islão e a
construção de mesquitas no estrangeiro. A tolerância religiosa ocidental é
por vezes interpretada pelos que se aproveitam dela como sinal de fraqueza
e como reconhecimento da superioridade do islão. Não compreendem que um
grupo com convicção de verdade religiosa possa aceitar o outro. Em
termos de poder e de estratégia, a atitude hegemónica muçulmana tem-se
revelado como óptima para a sua ofensiva. Os estados europeus, ao
considerarem a religião subjacente à própria cultura como coisa privada, e
ao reconhecerem, por outro lado, o islão, como expressão religiosa,
política e social desestabilizam o Estado laico e ao mesmo tempo reduzem a
posição da maioria cultural e cristã ocidental ao nível duma minoria.
Aquela tolerância que parecia haver na
Europa entre crentes, agnósticos e ateus tornar-se-á cada vez mais frágil
atendendo à afirmação dum islão rígido, resistente à integração, que tende
a qualificar e legitimar os cidadãos na categoria de crentes e de ímpios.
Na Post-democracia a sociedade dá indícios de querer orientar-se já não
por princípios de democracia partidária mas, paulatinamente, possibilitar
a representação do poder estatal por grupos étnico-religiosos. A sociedade
cede assim a sua concepção duma sociedade construída na base de valores e
direitos humanos (filosofia cristã) a uma sociedade construída na base de
valores e direitos não individuais mas culturais (filosofia islâmica).
Caminho difícil
O diálogo com o islão torna-se muito
complicado porque este se definiu e define sobretudo na demarcação em
relação ao judaísmo e ao cristianismo. Uma hipótese de diálogo estaria no
caracter ambivalente (confuso) em que suras (versículos) do Corão se
contradizem. A sua ambiguidade poderia possibilitar uma interpretação que
acentue as suras do Corão benévolas em relação ao judaísmo e ao
cristianismo. De facto, no Corão há as suras provenientes da primeira fase
(Meca) em que Maomé era benévolo em relação ao cristianismo e ao judaísmo
e as suras posteriores (de Medina) que são aguerridas contra o
Cristianismo e o judaísmo. Nas mesquitas, os imames orientam-se por estas
últimas. Por outro lado o islão só reconhece os crentes de Alá, não
conhecendo a ideia do amor ao próximo como no caso do cristianismo e do
judaísmo. Também por isso nunca se ouve uma autoridade islâmica criticar
publicamente os terroristas islâmicos. Dado a ambivalência facilitar
também a arbitrariedade, seria porém fácil demostrar aos fundamentalistas
islâmicos que o seu fundamentalismo é relativizado pelo mesmo Corão,
doutro modo teriam de aceitar que Deus muda de ideia na passagem da fase
do Corão em que Maomé vivia em Meca para a outra fase em que passou a
viver em Medina.
O diálogo entre islão e cristianismo é
difícil de tratar, atendendo às diferentes abordagens e perspectivas com
que pode ser exposto e aos interesses a elas implícitas e às diferentes
sociologias e antropologias subjacentes a cada cultura. Um outro factor
dificultador do diálogo vem da estratégia humana de argumentação, uma
argumentação para ter razão, e que para defender uma posição como
verdadeira tende a declarar a outra como falsa. Este extremismo tem sido
acentuado especialmente a partir do iluminismo sob o manto do espírito
crítico e cientista.
A discussão hodierna entre judeus,
cristãos e muçulmanos procura partir dos pontos que os une. O Vaticano II
afirma mesmo que os muçulmanos acreditam no mesmo Deus que judeus e
cristãos. Isto embora entre as concepções de Deus haja diferenças
enormes.
Uma exegese islâmica, que desse
prioridade às suras do Corão da sua primeira fase, em que Alá era benigno,
possibilitaria um diálogo autêntico.
O diálogo entre cristãos e judeus
torna-se mais fácil. As diferenças não provocam conflitos na convivência
social, dado a súmula do Antigo e do Novo Testamento se resumirem na mesma
premissa “Ama a Deus e ao próximo como a ti mesmo”. No Cristianismo, como
no judaísmo, o caminho de Deus passa pelo próximo e o próximo é o outro, o
diferente. O caminho do Homem passa por Deus no próximo e no mundo. Na
prática o resumo da Bíblia é “não faças aos outros o que não queres que te
façam a ti”. Deus é o mesmo, o resto tradição.
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ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal). E-mail: a.c.justo@t-online.de.
Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .
PUBLICAÇÕES
- Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel em alemão com secções em português, italiano, turco, françês, grego, editada pela cidade de Kassel, tiragem 5. 000 exemplares.
- Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", editada na Caritas, Kassel
- Editor de "O Farol" , jornal de carácter escolar e social em colaboração com alunos, pais e portugueses das cidades de Bad Wildungen, Hessisch Lichtenau, Kassel, Bad Arolsen e Diemelstadt( de 1981 a 1985)
- Editor de „Boletim da Fracção Portuguesa no Conselho de Estrangeiros de Kassel (1984)
- Autor da Brochura „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“ editada pela Câmara Municipal de Kassel, Fevereiro de 1987.
- Co-autor da Brochura „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, editada pela AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.
Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.
http://blog.comunidades.net/justo
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