Militares como Força Moderadora
A 3 de Julho 2013, Mohamed Morsi,
presidente egípcio, foi detido e deposto pelo Exército, encontrando-se
agora, talvez na mesma prisão onde se encontra o antigo-Presidente
Mubarak, deposto em 2011. Morsi foi vítima do golpe de estado e da própria
intolerância contra quem não servisse o radicalismo islâmico.
A revolução árabe levou os
extremistas ao poder sob uma aparência democrática. Aqueles que pensavam
ser possível um estado moderno com islamistas sentem-se agora frustrados.
A Irmandade Muçulmana, apoiante de Morsi reagiu com barricadas e com
ataques aos cristãos. Estes (5 a 10% da população) favoreciam um Estado
mais tolerante. Na constelação política concreta são os militares que
oferecem maior possibilidade de tolerância civil. As forças militares são
mais abertas ao diálogo, por razões de formação e por interesses
pragmáticos e pessoais; estão mais interessados numa economia que
funcione. Os militares pensam em termos de identidade nacional enquanto o
povo, que se expressa, pensa mais em termos de solidariedade religiosa
(Umma).
O Ocidente não está interessado num
islamismo extremista e por isso opta pela hipocrisia de, em nome da
democracia, aceitar a eliminação dum governo democraticamente eleito pelo
povo islamita. Continua a fingir não saber que o islão mais genuíno é
dogmaticamente hegemónico, antidemocrático e alérgico a uma sociologia que
não seja a maometana. Como doutrina permite a contradição mas apenas
dentro dela. Daí a incompatibilidade entre uma democracia de cunho
ocidental que inclui o dentro e o fora no seu sistema e um regime islâmico
que se afirma contra o que se encontre fora dele. Por isso a Irmandade
Muçulmana e outros radicais islâmicos não são contrariados pelos outros
irmãos muçulmanos moderados. O inimigo e o mal consideram-se fora dos
muros da sociedade islâmica. Culpados são sempre os de fora. O Ocidente,
como representante da modernidade, será sempre tido como cúmplice das
desordens nas sociedades islâmicas que se encontram, a nível de doutrina,
com 500 anos de atraso em relação às sociedades modernas. Em geral, os
partidos ditos democráticos, pouco têm a ver com democracia, dado, para
eles, democracia consistir em impor os interesses da maioria governante
aos outros. Grupos jovens, mais esclarecidos, devido à Internet,
constituirão o Cavalo de Troia, que permitirá desenvolver um espírito
crítico dentro do islão.
Encontramo-nos perante uma democracia
sui generis, dum lado os radicais islâmicos e do outro, uma aliança
problemática de forças da segurança, partidos seculares e da média
estatal. Muita da população está do lado dos militares; talvez aqueles de
espírito mais democrático, o que parece contraditório mas não o é, numa
sociedade ambígua e por isso impossível de analisar por categorias
democráticas rotineiras. Uma sociedade baseada em princípios hegemónicos e
com o monopólio de Deus não cede direito ao adversário. Por outro lado, os
militares sabem que nenhum governo está interessado na reforma das
unidades paramilitares nem da polícia. Ao aparato de segurança
todo-poderoso opõe-se um extremismo religioso todo-poderoso também. Esta
situação relativiza qualquer comentário de jornalistas bem-intencionados e
desejosos de democracias gratuitas, à margem do medo. Fala-se
impropriamente duma sociedade civil que não existe em estados islâmicos.
Existe propriamente a força religiosa e a força militar (Por isso os
radicais islâmicos combatem consequentemente a organização de instituições
policiais e militares coesas nos estados islâmicos). Fala-se de democracia
dum estado que só reconhece súbditos e dum povo que só aceita devotos de
Alá. Uma sociedade em que a pessoa não vale por si, mas pelo grupo a que
pertence ou pela ideologia que professa, aliena a pessoa, fomenta a
inveja, não se desenvolve e cria relações de subjugação, de medo e de
conflito. O estado moderno baseado nos direitos individuais do cidadão e
na sua liberdade tem-se mostrado incompatível com o islão.
A democracia é sublime e pode ser
forte mas os interesses religiosos, políticos e militares (económicos) são
mais fortes e têm o poder de obstruir qualquer sublimidade. O diálogo
pressupõe a cedência mas onde todos se sentem com Alá na cabeça e a razão
na barriga não há lugar para o diálogo nem para a diversidade que a
natureza perpetua e defende. A razão e as argumentações políticas, quer a
nível interno quer a nível externo, servem, muitas vezes, os interesses
obtidos à custa do sangue e da opressão dos mais fracos. Em Estados
instáveis, o Ocidente está interessado numa atitude de apoio ao mesmo
tempo do governo e da oposição para assim se manterem as portas abertas ao
negócio no caso de vencerem uns ou outros. Por isso se apoiam os
revoltosos e se toleram os opressores independentemente dos interesses dos
povos vítimas da violência.
Intervenções e influências directas
de fora revelam-se contraproducentes no processo interno de
desenvolvimento político e social que precisam de muito tempo de
amadurecimento entre as partes em conflito. O islão tem sido uma
cultura belicosa e não descansa enquanto, nas regiões onde chega, não vir
tudo reduzido a uma monocultura islâmica. Neste sentido trabalhava o
presidente Morsi, em nome duma democracia que o levava a considerar o
Egipto como espaço reservado apenas para islamitas. A ditadura religiosa e
a ditadura militar têm sido as perspectivas das culturas de cariz
muçulmano. O problema não vem das pessoas mas do ideário. A ideologia só
reconhece um Deus que não deixa espaço para o Homem nem para a diferença.
Daí o seu eterno conflito com tudo o que não seja islâmico.
Os apoiantes do presidente deposto
apostam nos mártires radicais islâmicos convictos que o sangue de
“mártires” é o melhor combustível na propaganda contra o adversário e
assegura, ao mesmo tempo, a solidariedade de radicais dentro e fora do
país.
Os “mártires “ da escuridão são os
arautos do radicalismo
A emoção, sem o efeito moderador da
razão, move as energias escuras. A Irmandade Muçulmana apelou para uma
”sexta-feira de raiva” depois das orações. Quando a religião apela à
raiva, o que não farão os raivosos?
A violência interior (a raiva) e a
violência externa são expressão consequente da mesma mentalidade e duma
filosofia islâmica paradoxa que designa a sua guerra como santa e os
assassínios como mártires. Usam cinicamente a palavra mártir,
designando como mártir não a vítima da fé mas o assassino que leva consigo
outros em nome da sua fé. Dão às energias negativas uma aura de santidade,
reduzindo a religião a uma mera estratégia da lei selectiva natural em que
o mais forte é que tem razão. O Ocidente esforça-se hipocritamente por
um diálogo que a Irmandade Muçulmana e os militares não querem. Condenar a
violência exterior sem ter em conta a violência interior (imanente ao
sistema) torna-se ingénuo e só serve de desculpa e para adiar a situação.
As intervenções do Ocidente no mundo muçulmano revelar-se-ão como erro
histórico e prejudicial para o Ocidente. É uma catástrofe o que se passa
no Afeganistão, norte de África, Kosovo, etc. No fim só resta povo vítima
e cínicos.
O islão, na sua qualidade de religião
política, coordena as suas acções a partir das mesquitas nos seus
encontros de oração às sextas-feiras. Os fundamentalistas islâmicos são os
que se encontram em maior conformidade com o Corão e com a sharia
islâmica, como afirmava o mestre islâmico Khomeini. Os Mujahideen (ao
serviço da jihad- guerra santa) e os mártires-bomba islâmicos são
personalidade de mais-valia na sociedade maometana. O islão encontra-se
numa luta cultural dentro das suas fileiras e em disputa com o que não for
islâmico. Qatar e Arabia Saudita incentivam economicamente a fundação de
califados por todo o mundo.
Uma sociedade munida de ideologia e
de armas até aos dentes está interessada na escalação dos conflitos. O
golpe militar que queria impedir a ditadura religiosa democrática
revela-se também ditador no seu ataque violento contra o acampamento de
protesto da Irmandade Muçulmana.
O facto dos militares se apoderarem
do poder constitui uma ameaça para outros regimes políticos islâmicos como
é o caso da Turquia, Tunísia, etc. Conservadores e extremistas do mundo
árabe foram os que mais protestaram contra o golpe de estado. Para países
como a Turquia, o país de primeiro-ministro Erdogan, o facto de o Ocidente
não ter reagido mais fortemente contra o golpe de estado, constitui uma
ameaça dado o Ocidente, no caso de risco, apoiar as forças militares que
são mais permeáveis à modernidade pelo facto de constituírem uma casta que
usufrui privilegiadamente dos bens terrenos enquanto a maioria dos crentes
têm que se contentar com os bens que a fé promete e como não têm nada a
perder também só lhes resta defender a própria fé.
Na Alemanha de Hitler as vítimas
eram as sinagogas e os judeus, nas sociedades islamistas são as igrejas e
os cristãos
Actualmente só haverá a
alternativa de escolha entre peste e cólera, entre ditadura militar e
ditadura religiosa; das duas é mais suportável a militar. Esta, apesar de
tudo, garante um certo pluralismo, e uma certa defesa das minorias.
Segundo informação da conferência dos
bispos alemães, no Egipto nas últimas semanas “foram incendiadas e
destruídas mais de 40 igrejas cristãs e instalações eclesiásticas, muitos
cristãos foram assassinados e muitas das suas lojas saqueadas. Na Alemanha
de Hitler as vítimas eram as sinagogas e os judeus, nas sociedades
islamistas são vítimas as igrejas e os cristãos.
A irmandade muçulmana está
interessada em provocar os cristãos não só por razões de crença e de fé
mas para dar a impressão que há uma luta entre religiões e assim mover
islamistas no estrangeiro. Tradicionalmente os cristãos coptas apoiam em
parte os partidos seculares. Os militares, porém, não empreendem nada na
defesa dos cristãos porque deste modo podem justificar as suas investidas
contra islamistas e apregoá-las como “luta contra o terror”. Os ataques
dos extremistas muçulmanos aos cristãos tornam-se oportunos para o general
Abdel Fattah al-Sissi, que assim legitima a sua violência contra a
Irmandade Muçulmana (Movimento revolucionário sunita também activo na
Síria e no Líbano que desde 1928 usa da violência para conseguir os seus
objectivos no sentido de fortalecer o islão como nação universal (Umma).
Em geral, os cristãos são vítimas duma parte da sociedade islâmica radical
e da outra parte conivente com a violência.
Segundo declarações oficiais até
(19.08.2013) morreram "mais de 800 pessoas".
A ditadura militar será apoiada pelo
Ocidente para que a situação se pacifique. A crise não é dos países do
norte de África mas do islão. O islão parece não querer sair da era das
trevas e em vez de reconhecer os sinais dos tempos endurece ainda mais.
As notícias sobre o mundo árabe
estão, por vezes, mais interessadas em transmitir imagens e informações
que poupam os revoltosos contra as forças do poder causando no público uma
avaliação errada da situação.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
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