Na minha
terra adoptiva, Kassel, no Estado do Hesse, Alemanha, há uma lei que
regula os dias santos e feriados. Ela proíbe eventos de dança desde as 4
horas de Quinta-feira Santa até às 24 horas de Sábado Santo. No Domingo
e Segunda-feira de Páscoa é proibido festejar entre as 4 e as 12 horas
tal como nos outros feriados nacionais.
O partido
dos Piratas e a Juventude dos Verdes recorreram ao Tribunal
Constitucional, no sentido de poderem organizar danças para Sexta-feira
santa, dado esse dia não lhes dizer nada. O Tribunal Constitucional,
porém, não aceitou tal plano pelo facto do assunto ser da competência de
outro tribunal; vários tribunais do Hesse proibiram as demonstrações
contra a lei dos feriados, planeadas pelos referidos grupos, para
Sexta-feira Santa.
Na
Sexta-feira Santa, o dia do silêncio, é comemorada a morte de Jesus. O
alemão para designar a Semana Santa utiliza a velha expressão ”Semana
das lamentações”.
Interrupções no ritmo trabalho-compra-diversão revelam-se como salutares
para o equilíbrio psíquico humano. Na Alemanha há uma forte aliança
entre Igreja, Sindicatos e Associações no sentido de se não ocupar os
Domingos e feriados com o trabalho. O Homem não é de pau, nem vive só
de pão, nem foi criado para estar continuamente disponível para um
mercado de trabalho que quer ocupar todos os espaços humanos.
Na União
Europeia já há muita gente que reconhece a necessidade de tempos de
sossego e de calma, pelo que vários deputados europeus formaram uma
iniciativa em defesa do Domingo como dia livre de trabalho.
Uma
sociedade sem espírito público, de tendências individualistas eliminaria
o estado social que se baseia em valores comuns. Naturalmente que cada
convicção deve ser respeitada mas não cair no extremo duma anonimidade
geral. A regularmo-nos apenas pelo individualismo teríamos de abolir
todos os dias santos e feriados, todos os nomes de ruas. O que para uns
é afirmação para outros pode constituir uma provocação.
Temos que
viver uns com os outros, cada qual suportando o peso e a riqueza do seu
gene e apesar de tudo manter um sentimento grato pelas tradições que nos
deram o ser cultural. Trata-se de nos suportarmos uns aos outros num
espírito de benevolência sem nos querermos afirmar à custa dos outros.
Doutro modo teríamos que criar uma sociedade irreal abstracta reduzindo
tudo a números.
O
Cristianismo (gregos, romanos, judeus e outros) gerou-nos, como cultura,
constituindo os nossos fundamentos. Trazemos em nós os genes da cultura
assim como somos portadores dos genes de nossos pais, sem eles não
seriámos nós, quer queiramos ou não eles são e estão em nós tanto no
cómodo como no incómodo, no defeito como na virtude. Não reconhecer isto
é fuga. Constituiria um testemunho de pobreza se nos fixássemos num
espírito de contradição obstinado contra a nossa cultura. Importante
seria reconhecer seus defeitos e virtudes em nós; só então estaremos
prontos para nos descobrirmos a nós.
A nossa
sociedade tem-se preocupado muito com a afirmação a nível individual.
Não pode esquecer porém que indivíduo e comunidade são as duas faces
da mesma moeda, a pessoa. Tudo o que se faz ou deixa de fazer só se
legitima tendo por base a defesa e o serviço da pessoa humana. Por isso
é preciso tomar a sério muitas solicitações da Igreja. A Igreja
preocupa-se pela defesa da pessoa no seu todo enquanto o Estado e as
Empresas se preocupam mais em considerar a pessoa como indivíduo, como
pagador de impostos, como cliente.
A
Semana Santa é o dia grande da cristandade em que a metamorfose da vida
e do mundo se resumem num só acontecer, num processo de morrer para
renascer.
Para os
protestantes, Sexta-feira Santa é por assim dizer o dia santo “mais
evangélico” pelo facto de “no sofrimento e morte de Jesus Cristo se
experimentar a proximidade de Deus neste mundo, até à morte”, como diz o
bispo Martin Hein.
Numa
realidade de morrer e renascer, defensores e contrariadores, terão de
aprender a levar a cruz uns dos outros, dado cada um de nós ser, em
parte, a cruz do outro. |